Há cem anos, o Santa Cruz conquistava uma vitória histórica



O dia 30 de janeiro de 1919 entrou para a história do Santa Cruz Futebol Clube e do próprio futebol pernambucano. Vencendo o Botafogo do Rio de Janeiro naquele dia por 3 x 2, o Tricolor tornava-se o primeiro clube do Norte e Nordeste a derrotar uma equipe do Sul do Brasil. A vitória da equipe coral foi comemorada com muita festa.

E não era para menos. O time carioca surgia no amistoso interestadual como favorito absoluto, pois tinha um grande potencial. Veio ao Recife participar da solenidade de inauguração da arquibancada instalada pelo Sport Club do Recife, no campo da Avenida Doutor Malaquias, adquirida junto ao Fluminense por oito contos de réis.
Arquibancadas compradas pelo Sport ao Fluminense


Era de ferro e tinha 74 metros de comprimento, 40 de largura e 5 de altura. Capacidade para 2.000 espectadores. Uma novidade é que dispunha até de salão de leitura, além de vestiários para as duas equipes. Enfim, era o futebol pernambucano entrando na modernidade.

GOLEADA E CONFORMAÇÃO

Na sua partida de estreia em Pernambuco, no dia 20 de janeiro, o alvinegro carioca disse a que veio, ao sapecar uma goleada de  6 x 1 no Sport,  seu anfitrião. Por mais que tenha se esforçado, por mais que a torcida apoiasse, o time da casa não conseguiu deter o ímpeto dos visitantes. Ninguém gosta de perder, mas a derrota foi recebida tranquilamente pelos rubro-negros, que se mostravam conformados diante da superioridade do adversário durante os 90 minutos.

O Sport pediu revanche, mas perdeu novamente, agora por 1 x 0, o que se não deixou sua torcida satisfeita, pelo menos não causou o impacto da primeira vez. Sempre atraindo muita gente, o Botafogo ainda derrotou por 2 x 0 o América, então campeão pernambucano, em seguida à derrota para o Santa Cruz, reabilitando-se do tombo diante dos tricolores. Mas ainda perdeu outra, para a Seleção Pernambucana, por 4 x 2. Pediu revanche e devolveu a derrota ao selecionado azul e branco, por 1 x 0.

REPERCUSSÃO

A vitória do Santa Cruz teve uma imensa repercussão, não apenas no Recife, mas em todo o Nordeste. Não havia rádio, televisão ou internet para dar velocidade às informações. O único meio de divulgação de que se dispunha era o jornal ou o boca a boca.  Dessa maneira, os fatos chegavam ao conhecimento daqueles que viviam mais afastados, a passos de cágado. Mas chegavam.

– Foi, na realidade, uma vitória que empolgou toda uma região. Aqueles 3 a 2 em cima de um clube do porte de um Botafogo de Futebol e Regatas, do Rio de Janeiro, era, convenhamos, qualquer coisa de gratificante. Aquela tarde de 30 de janeiro de 1919 ficou gravada na retina dos pernambucanos que tiveram a satisfação de assistir a tão memorável feito. Essa satisfação não ficou só no Recife. Correu o Norte e o Nordeste, ficando na história do futebol dessas regiões. (Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, em depoimento sobre sua paixão pelo Santa Cruz.)

Capiba, torcedor célebre


O primeiro tempo terminou com a vitória do Botafogo por 1 x 0, gol assinalado por Petiot. No segundo tempo, logo de saída, um chute perigoso de Netinho, forçando o goleiro Abreu, do Botafogo, a dar um salto acrobático, chegando a tocar na bola sem, contudo, evitar o gol. Estava empatado o jogo: 1 x 1.

TUMULTO E PARALISAÇÃO

Os botafoguenses partiram para cima com o intuito de decidir o jogo, passando a exigir muito do goleiro tricolor, Ilo Just. Só que deram espaço para o Santa Cruz contra-atacar e ficar à frente no placar, com um gol de Tiano após jogada de Nequinho. O Botafogo teve um pênalti a seu favor, mas desperdiçou. A bola bateu no travessão. O zagueiro Bebé, por via das dúvidas, despachou a bola para bem longe.

O goleiro Ilo Just

Mais uma vez, o Botafogo no ataque. Gol de Petiot. Segundo os jogadores do Santa Cruz, o botafoguense empurrou a bola com a mão. Confusão armada, Ilo Just ainda saiu correndo para agredir o árbitro Carlos Sterling, que acompanhava a delegação carioca, o que era uma norma. O goleiro santa-cruzense foi contido.

 – O povo invadiu o campo, gerando-se tumulto, que só não produziu graves consequências, face à enérgica intervenção do coronel Loyo Neto, presidente do Torre – disse Manuel Pedro, um dos jogadores do Santa naquela época.

A partida ficou paralisada durante 10 minutos. Reiniciada com o placar parcial de 2 x 2, proporcionou emoção e sofrimento nos instantes finais. Gol de Pitota em jogada individual. A torcida invadiu o campo, e o juiz foi obrigado a dar o encontro por encerrado, faltando dois minutos.  

Pitota fez o gol da célebre vitória coral


O formidável feito da meninada tricolor foi efusivamente comemorado. Aqueles jogadores talvez não tenham sentido que estavam fazendo história envolvidos nas três cores do Santa, autores que foram de uma das maiores façanhas do clube, que já começava a ser da massa, em toda a sua existência.

Santa Cruz – Ilo Just; Jorge e Bebé; Zé de Castro, Teófilo ou Lacraia e Manuel Pedro; Nequinho, Miranda, Tiano, Pitota e Eurico.
Botafogo – Abreu; Monte e Osny; Burlamaqui, Vadinho e Police; Celso, Petiot, Santinho, Candiota e Neco.

   


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