Taça, tapa e cerveja



Certa vez, o volante Laxixa viveu um episódio engraçado. Na sua época, o calendário oficial do futebol brasileiro não preenchia o ano inteiro, como hoje. Os times saíam jogando por aí, encerrados os campeonatos estaduais ou enquanto esperavam por eles. Eram excursões pelo Brasil afora. Ou pelo exterior. Às vezes duravam meses.

Em abril de 1962, o Sport, como campeão pernambucano, foi a Ilhéus, na Bahia, disputar um quadrangular. Aproveitou a oportunidade para desdobrar a passagem de ida, descendo em Maceió e ganhando um dinheiro extra num amistoso em que derrotou o CSA por 2x1. Jogo realizado no campo do Mutange, pois nem se sonhava ainda com o Rei Pelé.

Em Ilhéus, terra do comentarista Luís Cavalcante e cenário do célebre romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, o Leão só precisou vencer o Flamengo local por 2x0 para ir à final com o Vitória baiano, que havia despachado a outra equipe da cidade, o Colo Colo. Outro 2x0, agora sobre o Leão da Barra, e o Leão da Ilha foi o campeão, com Dirceu: Dodô, Sinval, Tomires e Nenzinho; Sarará, Renato e Laxixa; Traçaia, Djalma e Noélio.

 Em pé, Bria, Alemão, Manga (o que veio do Santos), Tomires, Nenzinho e Laxixa; agachados, Traçaia, Djalma, Osvaldo, Bentancor e Newton Adrião


A final teve, além da taça, tapa. E muita. Sim, porque a certa altura do jogo, o pau cantou no gramado. Brigou praticamente todo o mundo, de um lado e de outro. Laxixa acertou o primeiro que apareceu à sua frente. Tratava-se nada mais nada menos do que o grandalhão Roberto Rebouças, um zagueiro acostumado a dar bordoadas nas canelas dos atacantes adversários, e que terminou fazendo seu nome com a camisa do Bahia. Jogo terminado, troféu na mão dos pernambucanos, os dois times seguiram cada um para seu hotel.

Mais tarde, depois do jantar, com os jogadores liberados, Laxixa saiu para dar uma volta. Ao passar por um bar, resolveu tomar uma cerveja para matar o tempo e a sede. Foi botar o pé lá dentro, viu logo o jogador com quem se engalfinhara fazia pouco tempo. Roberto e Boquinha, outro atleta do Vitória, regalavam-se em torno de uma loura suada. “Lá vem encrenca de novo”, pensou o meiocampista do Sport. Mas não tinha como recuar. Dar meia volta seria um ato de covardia e isso não era com ele.

Cabeça erguida, cara amarrada, seguiu em frente, à procura de uma mesa, um olho no padre, outro na missa, pronto para qualquer eventualidade, Isso porque a lembrança da confusão havida no campo, ainda estava bem viva na sua cabeça. Enquanto olhava para um lado e para outro, entre desconfiado e encabulado, ouviu um chamado:  
– Laxixa, vem pra cá, tomar uma com a gente.

Era justamente a voz do zagueirão com quem medira forças três ou quatro horas atrás. Atendeu pronta e amigavelmente o convite e sem maiores delongas juntou-se ao ‘inimigo’. Desce uma gelada, desce outra e o trio varou a madrugada jogando conversa fora e cerveja dentro.

Ninguém nem se lembrava de que tinha havido uma briga. O certo é que a farra atravessou a noite, e os três só se deram conta quando a barra já ia quebrando, anunciando o novo dia. Aí cada um tomou seu destino, todos satisfeitos e risonhos com a noitada. Encrenca de campo é assim. Começa e acaba lá dentro.


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