Treze desde criancinha
Clávio
Valença era uma dessas figuras que sabiam levar o tempo. Advogado de profissão
e boêmio por adoção, era antes de tudo um boa-vida, no bom sentido. Numa mesa
de bar, ambiente que frequentava com uma certa assiduidade, estava sempre
cercado de amigos, dissecando o lado bom ou a banda podre da vida. Isso nos
fins de semana, é claro.
Tinha cadeira
cativa no Restaurante Dom Pedro, na Rua do Imperador. Era amigo do dono, o
português Júlio Crucho, que acaba de nos deixar. Na parede ao lado da mesa onde
Clávio reinava há um quadro com sua foto e alguns dizeres. Nascido em
Garanhuns, considerava-se natural de São Bento do Una, o berço da família.
Clávio
contava muitas histórias. De livros – escreveu vários –, de carnaval, como um
autêntico folião e compositor, de futebol, como ferrenho torcedor do Santa
Cruz, e de política. Conversa de nível, não discussões sem base.
Clávio e o primo Alceu Valença na folia (Foto internet) |
Certa vez ele
se encontrava em Campina Grande, a trabalho. A cidade fervilhava. No domingo
seria decidido o Campeonato Paraibano. As idas e vindas do certame terminaram
por alijar da grande final, o Botafogo e o Auto Esporte, os times fortes da
capital João Pessoa. Credenciados para a disputa do título, o Treze e o Campinense,
as duas tradicionais equipes da Rainha da Borborema. A rivalidade entre o Galo
e a Raposa, como são conhecidos, é uma coisa incrível e, em se tratando de uma
decisão, já se viu!
Pois bem,
Clávio Valença estava por ali zanzando, fim de tarde, missão profissional cumprida.
A certa altura resolveu molhar a garganta. Ao entrar num bar, sentiu logo que o
clima girava em torno da decisão, com torcedores dos dois times digladiando-se
verbalmente. Forasteiro, não sendo nem uma coisa nem outra, Clávio ficou na
dele, naquela de “eu sou feio e moro longe”.
Pediu uma cerveja e passou a divagar sobre o tempo, mas não alheio ao que se passava ao seu redor. Não
conseguiu ficar incólume, já que terminou sendo abordado por uma das facções. Queriam
saber por qual dos dois times torcia. Poderia dizer que era de fora e nada tinha a ver com a rivalidade local. Todavia, para não ficar em cima do muro, e só por greia, declarou-se torcedor do Treze.
A turma do Galo vibrou, e o garanhuense de nascimento e são-bentense por adoção
aproveitou a deixa para fazer a média:
– Sou
torcedor não é de hoje não, sou torcedor dos tempos daquele time que começava
com Harry Carey, lembram-se?
Um ou outro talvez
se lembrasse, mas não muito, e o inteligente Clávio Valença aproveitou-se da
fraqueza memorial dos interlocutores para botar sua banca:
– Foi o maior
time que o Treze já teve até hoje!
E de um
fôlego só declinou os nomes, do goleiro ao ponta-esquerda:
– Harry
Carey; Letácio e Urai; Zé Pequeno, Arrupiado e João Luís; Mário, Marinho, Elói,
Ruivo e Pitota.
Falou e
ganhou o respeito e a admiração dos torcedores, espantados com aquela
demonstração de conhecimento das coisas trezeanas. Imaginem a algazarra dos fãs do Galo. Pareciam estar festejando a conquista do campeonato. Só
faltaram carregar Clávio nos braços.
Sorte do
torcedor intruso é que ninguém mais puxou nem pelo passado nem pelo presente do
Treze, pois ele não sabia nada além daquela escalação, decorada quando ainda era
garoto em Garanhuns, numa ocasião em que o famoso Treze da Paraíba foi jogar lá.
Justamente
para não cair em contradição ou ficar no mas, mas, mas, Clávio tratou de dar o
fora saindo numa boa, como um dos maiores conhecedores da vida do Treze.
Por LENIVALDO ARAGÃO
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