Fragmentos da saga alvirrubra (2)


 

Náutico, um clube pioneiro



Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA



O batismo internacional do time do Náutico se deu contra o Atlanta, agremiação argentina que por aqui esteve realizando uma brilhante e histórica temporada no início de 1937.
Era a primeira vez que o Recife recebia uma equipe de futebol do estrangeiro. A visita dos argentinos foi um desses acontecimentos que se destinam a marcar época. A expectativa pelo ineditismo da visita e a importância que significava a presença entre nós de um time da Argentina, que detinha a hegemonia do futebol sul-americano, juntavam-se para fazer da temporada um fato realmente extraordinário e que extrapolava o círculo dos eventos exclusivamente esportivos. O mundo social do Recife também se encontrava envolvido com a estada do Atlanta em terras pernambucanas.
Ademais, a temporada recebia o patrocínio da própria Confederação Brasileira de Desportos que para aqui mandara com antecedência um representante. Todos as providências e os mínimos detalhes tinham sido tomados para compor um evento da maior relevância.
Acrescente-se, como um dado estritamente ligado ao futebol, que o torcedor brasileiro de um modo geral, e o pernambucano não era exceção, devotava naquele tempo uma admiração invulgar e um respeito todo especial ao futebol que se praticava na Argentina, fascinado com o que lia nos jornais e revistas e com o que ouvia pelo rádio a respeito dos maravilhosos jogadores da bacia do Prata. Era a época em que os portenhos pintavam e bordavam nas disputas contra os brasileiros.

PRIVILÉGIO

O Náutico foi escolhido para ser o primeiro adversário do Atlanta. O primeiro time pernambucano, portanto, a participar de um match internacional. Uma glória, sem dúvida. O clube dos Aflitos estava naquele momento começando a exercitar sua vocação de pioneiro em jogos internacionais.

Os três Carvalheiras da foto enfrentaram o Atalanta; Estácio e João Manoel ficaram de fora


É certo que muito antes, ainda na primeira década do século, quando estavam sendo realizados os primeiros embates futebolísticos no Recife, o time do Sport teve a oportunidade de enfrentar uma equipe recrutada entre os tripulantes de um navio inglês, o Norseman, que se encontrava ocasionalmente atracado ao porto da cidade. Isso ocorreu a 11 de julho de 1909. Não se tratava porém, como se pode concluir, de um jogo entre dois clubes. O time formado pelos marujos ingleses tinha sido arranjado na hora, não era uma agremiação oficialmente reconhecida. Hoje se diria, na conversa entre torcedores, “um pega na rua”.

DENTRO DOS CONFORMES

Agora, não. Na peleja do Náutico contra os argentinos, na noite da sexta-feira 27 de janeiro de 1937, no campo da avenida Malaquias, o acontecimento se revestia das exigências de praxe. O Atlanta era um clube devidamente registrado no seu país, reconhecido pela Fifa. Tratava-se, portanto, de um autêntico match de futebol, o primeiro de natureza internacional a ser realizado no Recife, em gramados pernambucanos.
Era muito comum naquele tempo, prática que continuou largamente utilizada durante a década seguinte, o empréstimo de jogadores de outros clubes da cidade nesses amistosos. Os pontos considerados fracos do time que iria representar Pernambuco eram substituídos por craques consagrados das outras equipes do nosso futebol. O time da casa ficava dessa maneira mais forte, diminuindo a enorme diferença técnica que separava o futebol local daquele que era praticado pelos visitantes, do Rio ou São Paulo na maioria das vezes. Tratava-se também, como é fácil concluir, de um disfarçado convite aos torcedores dos outros clubes para não perderem o jogo de logo mais, pois tinham eles assim a oportunidade de assistirem a um bom espetáculo de futebol ao mesmo tempo em que podiam ver mais uma vez em ação os ídolos do seu time do coração.

16 GOLS EM 90 MINUTOS

Naquele jogo tão importante contra o Atlanta, o Náutico estava, portanto, devidamente enxertado, era bem mais uma seleção – Fernando Rodrigues, Zé Orlando, Bermudes, Sidinho e Siduca, estrelas do nosso futebol, e que pertenciam ao Sport, Tramways e Santa Cruz, vestiam a camisa alvirrubra, ao lado de gente não menos famosa, os velhos conhecidos da torcida timbu: Édson, Zezé, Fernando, Artur, Celso e outros.
Entre os jogadores que reforçaram o Náutico, um deles era figura obrigatória nesse esquema, ora jogado pelos timbus, como naquela noite, ora aparecendo com a jaqueta do Sport, quando era o time leonino que ia jogar. Tratava-se de Siduca, um dos ídolos da torcida coral. Siduca era um fora de série. Um ponta-esquerda altamente técnico, indiscutivelmente o melhor do futebol pernambucano de todos os tempos.
O Náutico – em que pese a presença de Siduca e dos outros reforços – foi derrotado no seu primeiro confronto internacional, caindo pelo extravagante escore de 10 x 6. O primeiro-tempo acabou igual: 5x5. Na fase final, porém, os platinos fizeram valer o melhor preparo físico e a maior experiência. Artur Carvalheira foi a grande figura dos pernambucanos, marcando quatro gols, da mesma maneira como costumava fazer nos goleiros daqui. O cronista esportivo do Diário de Pernambuco, citado por Givanildo Alves (História do Futebol em Pernambuco, Recife, edição 1978), ficou deveras extasiado com a exibição dos portenhos, verdadeiros bailarinos: – “Recife pode ter assistido a um jogo de conjunto superior ao do Atlanta, mas não nos lembramos...”, era como encerrava seu comentário, na edição do dia seguinte, o deslumbrado repórter.

IRMÃOS CARVALHEIRA

Como sempre, a maior atração do Náutico no amistoso com o Atalanta foi a presença de Zezé, Arthur e Fernando, os notáveis irmãos Carvalheira. No decorrer do jogo, saiu Zezé para a entrada de Emídio, também Carvalheira.
O time pernambucano alinhou, de acordo com a formação da época: Orlando (Muniz); Fernando e Salsinha; Zé Orlando, Edson Lima e Ernani; Zezé Carvalheira (Emídio Carvalheira), Arthur Carvalheira, Fernando Carvalheira, Bermudes (Sidinho I) e Celso (Siduca.
O amistoso internacional foi dirigido por Manuel Pedro, conhecido como Né. O Náutico estava sem técnico após a saída do paulista Joaquim Loureiro e até a contratação de um novo treinador era dirigido pelo diretor de futebol de plantão.
O ponta-direita Zezé Carvalheira destacou-se naquele jogo, assinalando três dos seis gols alvirrubros. Os outros foram marcados por Zezé Carvalheira, Sidinho I e Siduca.

Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA

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