Sport x Bahia na I Taça Brasil (1)




Acaba de ser publicado em Salvador, o livro “Heróis de 59” sobre a conquista do título de campeão da I Taça Brasil pelo Esporte Clube Bahia. Para chegar ao topo do futebol nacional, o Esquadrão de Aço teve que superar o CSA, o Ceará, o Sport, o Vasco da Gama e o poderoso Santos da Era Pelé.

A epopeia do tricolor baiano é contada com riqueza de detalhes pelo jornalista, advogado e delegado de polícia da Boa Terra Antônio Matos. Este blog publica  em três capítulos o que está escrito a respeito dos três jogos envolvendo o Sport e o Bahia. Vale salientar que somente participavam os campeões estaduais. Gente de Pernambuco, que de uma forma ou de outra colaborou com o autor, é por ele citada na fila de agradecimentos: Álvaro Claudino, Amaury Veloso, Dirceu Paiva, Ed Cavalcante, Joezil Barros, Lenivaldo Aragão, Paulo Moraes e William Ribeiro.



Sem grandes problemas
Bahia 3 x 2 Sport Recife

Com a delegação chefiada pelo baiano Carlos Kock de Carvalho (21), dirigente do Sport e um dos fundadores do Bahia em 1931, e ostentando merecidamente o título de campeão do Norte, os pernambucanos chegaram entusiasmados a Salvador, para a disputa das quartas de final da I Taça Brasil.

Além de beneficiados pelo sorteio da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que determinava que o segundo jogo e o terceiro, se necessário, seriam realizados em Recife, na Ilha do Retiro, apresentavam uma brilhante campanha na competição.

O Sport sequer precisara de uma terceira partida para eliminar os paraibanos do Auto Esporte [3 x 0, no Olímpico, em João Pessoa, dia 23 de agosto, e 5 x 2, na Ilha do Retiro, em Recife, dia 30 de agosto] nem os paraenses da Tuna Luso [2 x 2, na Ilha do Retiro, em Recife, dia 13 de setembro, e 3 x 1, no Souza, em Belém, dia 20 de setembro].

Para tentar o bi (22) estadual e enfrentar sem sustos o quase imbatível Santa Cruz, do técnico Gentil Cardoso, o elenco ganhara reforços consideráveis, como o uruguaio Bentancor (23), extraordinário armador, e o oportunista atacante catarinense Osvaldo, ex-Vasco da Gama.

Na verdade, compensava perdas de algumas estrelas do time que conquistara o título no ano anterior: o fantástico goleiro Manga, negociado para o Botafogo, e os atacantes Pacoti, adquirido pelo Vasco da Gama, e Walter Morel, uruguaio como Bentancor e artilheiro do Campeonato Pernambucano de 1958 com 15 gols, que resolvera voltar para Montevidéu.

Até um início de crise no departamento de futebol, com a saída do técnico Dante Bianchi (24), fora contornada, com uma solução caseira: a efetivação de Capuano, treinador dos juvenis, em seu lugar.

O Bahia, que contava com a volta de Alencar, ausente do último jogo com o Ceará, modificara também a defesa, improvisada na parte anterior, com Beto, como zagueiro de área, ao lado de Vicente.


Antônio Matos: cinco anos levantando a I Taça Brasil


De volta à equipe, em 11 de outubro, quando da goleada de 4 x 1 sobre o Ypiranga, e participando posteriormente do Ba-Vi [empate de 1 x 1] no domingo seguinte, dia 18, Henrique estreava na competição.

A outra alteração foi na lateral esquerda, com o deslocamento de Beto para o setor, substituindo Florisvaldo, uma vez que o titular Nenzinho, insatisfeito com a proposta feita pelo Bahia para renovar, voltou intempestivamente para Recife.

Na verdade, este desfalque já era contabilizado por Geninho, em razão do atleta já não ter atuado na negra e na prorrogação diante dos cearenses, por estar contundido e com problemas contratuais.

Chovia muito em Salvador e o jogo, inicialmente programado para o dia 25 de outubro, uma tarde de domingo, na Fonte Nova, fora transferido para terça-feira, 27, no mesmo local, e com arbitragem de Willer Costa, juiz mineiro filiado à então Federação Bahiana de Desportos Terrestres [FBDT].

Numa noite fria, o Sport fez logo 1 x 0, aos 12 minutos, aproveitando-se de um erro de Vicente, que atravessara uma bola para Beto, na lateral esquerda.
O arisco ponta direita Traçaia, que seria, em dezembro de 1959, em Guayaquil, um dos destaques da ‘Seleção Cacareco’ (25), interceptou o lance e chutou para o gol. A bola bateu em Osvaldo e deslocou Nadinho.


Apesar de surpreendido, o Bahia não se desesperou e, cinco minutos depois, empatou com Biriba. Na carreira e de meia bicicleta, com a perna direita, acertou o ângulo, após falha de Bria, que escorregara ao tentar cortar de cabeça um cruzamento de Marito.

A pressão baiana continuava e o Sport, atrapalhado na marcação, deu espaço para que Alencar acertasse, por duas vezes, o travessão de Dick. O nome do jogo, entretanto, era Marito, o ‘Diabo Louro da Ribeira’, repetindo a bela atuação do terceiro jogo contra o Ceará.

Aos 25 minutos, recebendo um passe na intermediária adversária, driblou dois e, à entrada da grande área, atirou com violência, para fazer o segundo gol do Bahia. Ainda no primeiro tempo, aos 35, Ari ampliou para 3 x 1.

Satisfeito com o resultado e procurando segurar o placar, o Bahia voltara precavido para a segunda etapa. O técnico Geninho determinou que Marito não avançasse tanto, a fim de ajudar na marcação do ponta esquerda Elcy, deixando Leone mais solto para auxiliar Vicente, já demonstrando cansaço, no meio da zaga.

Mesmo com toda esta proteção, o Sport, que se exibia melhor do que na primeira fase, agredia o Bahia a todo instante, com o apoio do habilidoso lateral esquerdo Ney Andrade.
Por errar muito nas conclusões das jogadas, o time pernambucano somente conseguiria voltar a balançar as redes baianas aos 43 minutos por meio de Traçaia, num lance em que ele ganhou de Vicente na carreira e em que toda a defesa do Bahia reclamou de impedimento. Bahia 3 x 2 Sport.

FICHA TÉCNICA

Dia: 27 de outubro de 1959, terça-feira
Local: Salvador
Estádio: Octavio Mangabeira (Fonte Nova)
Renda: Cr$ 740.300,00
Público: não divulgado
Juiz: Willer Costa, da Federação Bahiana de Desportos Terrestres
Auxiliares: Jaime Rego e Otávio de Jesus, ambos da Federação Bahiana de Desportos terrestres
Goleadores: Osvaldo aos 12' para o Sport, e Biriba, aos 17', Marito aos 25', e Ari aos 35' para o Bahia, no primeiro tempo, e Traçaia aos 43', para o Sport, no segundo tempo, 
Bahia: Nadinho, Leone, Henrique, Vicente e Beto; Flávio e Ari; Marito, Alencar, Leo e Biriba.
Sport: Dick, Bria, Cido, Dedé e Ney Andrade; Zé Maria e Bentancor; Traçaia, Bé, Osvaldo e Elcy.

NOTAS

21) Carlinhos, ex-ponta-direita do Bahiano de Tênis, criara, em 12 de dezembro de 1930, o Esporte Clube Bahia, juntamente com outros jogadores do Bahiano e da Associação Atlética da Bahia, como Eugênio Walter de Oliveira, o ‘Guarany’, Fernando Tude de Souza, Júlio de Almeida, o ‘Julinho’ e Rubem Bahia, durante reunião na sede do Jóquei, presidida por Octavio Carvalho e secretariada por Aluísio Maia.

(Carlinhos, o engenheiro Carlos Kock de Carvalho, funcionário público federal, durante vários anos diretor do Sport, era pai do conhecido advogado e articulista dos jornais recifenses Arthur Carvalho e do engenheiro Aluísio Carvalho, que, também dirigente rubro-negro, tinha, em vida, uma verdadeira dedicação à conservação do gramado do Estádio Adelmar da Costa Carvalho, popularmente conhecido como Ilha do Retiro. O terreno de maré, onde o campo está localizado, sempre exigiu cuidados especiais).

22) Mesmo perdendo o título estadual de 1959 para o Santa Cruz, o Sport teve cinco jogadores [o zagueiro de área Servílio, contratado mais tarde, ao Botafogo, o lateral Bria, o meio campo Zé Maria e os pontas Traçaia, direita, e Elcy, esquerda] convocados para a Seleção de Pernambuco, que representou o Brasil no Sul-americano Extra do Equador e ficou em terceiro lugar. Estes jogadores também defenderam Pernambuco [foram vice-campeões, perdendo o título para São Paulo], no Brasileiro de Seleções de 1959, concluído em 1960.

23) Natural de Montevidéu, Raul Higino Bentancor Ferraro, na época com 29 anos, foi contratado ao Danúbio, por indicação do conterrâneo Walter Morel, ex-jogador do Sport. Numa alusão ao cantor cubano Bievenido Granda [famoso por interpretar boleros e tangos nas décadas de 50 e 60 do século XX e conhecido como ‘O bigode que canta’] Bentancor, com futebol refinado e espessos bigodes pretos, foi logo apelidado pelo jornalista pernambucano Aramis Trindade, de ‘O bigode que joga’. Marcou 90 gols com a camisa do Sport, onde pendurou as chuteiras em 1964. No início de carreira como treinador, dirigiu o Conquista Esporte Clube [o tradicional azul e branco] e posteriormente, em 1970, o Vitória. Bem mais tarde, comandou as seleções de base e a principal do Uruguai.

24) Ao lado do conterrâneo Hector Papetti e do italiano Mário Giuseppe Avalle, Dante Bianchi , nascido em Córdoba, formou uma famosa linha média estrangeira no time montado pelo Bahia em 1940, pelo presidente Carlos Wildberger. Como os três jogaram no futebol da Argentina, [Bianchi (Racing), Avalle (Gimnasia y Esgrima) e Papetti (Platense)] durante muito tempo se imaginou que Avalle, falecido em 1946, em consequência de uma cotovelada nos rins, desferida pelo famoso meia Zizinho, num jogo contra o Flamengo, em Salvador, fosse também argentino. Com rápida interrupção, Bianchi atuou no Bahia até 1949. Voltou ao clube em 1955, já como técnico, sendo demitido ao perder o título estadual daquele ano. Também treinou o Vitória logo após parar de jogar, em 1949.

25) Denominação jocosa dada à Seleção de Pernambuco pela imprensa paulista. Cacareco significa traste velho ou coisa de pouco valor, além do nome de um famoso rinoceronte, na época a maior atração do Jardim Zoológico de São Paulo. O animal foi ‘eleito’ vereador, com cerca de 100 mil votos, no pleito de outubro de 1959, depois de uma campanha promovida pelo comunicador Itaboraí Martins, em protesto contra o baixo nível dos 450 candidatos. Segundo o renomado jornalista esportivo e escritor pernambucano Lenivaldo Aragão, o apelido surgiu antes mesmo da disputa do Sul-americano de Guayaquil, em razão de a Seleção Pernambucana ter sido reforçada no mercado do Rio e de São Paulo, com jogadores sem muita expressão no futebol brasileiro: Édson, zagueiro do América (RJ), Servílio, do Botafogo (RJ), Paulo, centroavante do Corinthians e Goiano, ponta e meia-esquerda do Palmeiras. Assim como aconteceu com os depreciativos porco, em relação ao Palmeiras, e urubu ao Flamengo, os pernambucanos absorveram bem a ironia do Cacareco. “Um rinoceronte de pelúcia passou a ser o mascote da seleção e viajou com os jogadores para o Equador”, lembra Aragão.


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