Toco, Travo e Canela



LENIVALDO ARAGÃO


Uma virada puxada a álcool



Futebol caruaruense dos velhos tempos. Anos 50. Época do amadorismo marrom. Os jogadores eram inscritos como amadores, mas recebiam algum dinheiro. Na verdade, o futebol era apenas um bico, pois, fora do mundo da bola, todos trabalhavam.

Numa manhã de domingo, o time do alvirrubro Comércio Futebol Clube pegou a estrada, ainda de terra, rumo a Pesqueira, para disputar um amistoso. Equipe boa. Graças a um convênio com o Náutico, vários daqueles jogadores, estudantes – Valter Branquinha, Perinho, Romildo e, mais tarde, Fernando Bidé – terminaram vestindo a camisa do Timbu.

Viagem de marinete, à frente o comerciante Mário Cabral, diretor de futebol, treinador do time e boêmio e pagador das contas do clube, junto com alguns companheiros de diretoria.

Jogadores a sono solto, alguns praticamente saídos da farra para a condução. Na delegação, o negrinho Bambu, tipo popular de Caruaru, que exercia a função de massagista no time do Comércio.

Já perto de chegar, depois de Sanharó, os raios do sol de janeiro esparramando-se pelo micro-ônibus, os atletas despertaram em meio a uma algazarra. Era Bambu, um gozador nato, dando uma de literato:
– Olhai os lírios do campo...


Comércio em 8/7/1952.E/D: Cassimiro, Perinho, Toquinho, Romildo, George, Ramiro Limoeiro, Maurílio, Guri (o ex-deputado Hugo Martins), Nem, Biguá e Paulo de Júlio. (Cortesia de Lula Teófilo)




O grande escritor Érico Veríssimo certamente tinha inspirado o extrovertido Bambu, mas o que se via naquele solo esturricado pelo verão brabo, era vegetação seca.

Chegada festiva à “terra do doce”, como Pesqueira era conhecida. Recepção calorosa pelos desportistas locais. Descanso no hotel, almoço, pequena sesta e lá se vai o time do Comércio para o Estádio Joaquim de Brito.

Jogo contra o União, o time da fábrica Peixe. Na hora de botar o time em campo, nada de Mário Cabral. O cartola e técnico ainda jogava conversa fora e cerveja dentro, rodeado dos amigos pesqueirenses. Coube a Corró, jogador mais experiente, assumir a direção técnica, ficando com a dupla missão de atleta e treinador..

O Comércio perdia por 2 x 0, quando Mário, meio lá, meio cá, apareceu no estádio. Foi logo assumindo seu posto e destituindo Corró, que voltou a ser apenas jogador.

 Ao faltarem 15 minutos para o término da partida, o já sonolento treinador fez duas alterações no time visitante. Sua intervenção funcionou. Como se fosse um tsunami, o Comércio deu um arraso e virou o placar para 3 x 2. Raposo, um dos craques da Capital do Agreste, naquela época, marcou o gol da vitória, nos instantes finais. Que festa! Que farra! Não sobrou cerveja em Pesqueira.

Na viagem de volta, já tarde da noite, ao passar por São Caetano, cidade situada a 20 quilômetros de Caruaru, a turma descobriu que a população local festejava seu padroeiro numa típica festa de rua.

Parada técnica para reabastecimento. Não do carro, mas de seus ocupantes. Antes de descer da marinete, a boleirada recebia com muita alegria o aviso dado pelo cartola:
 – Pode beber todo mundo, que o Comércio paga.
Era o que eles queriam ouvir. E os donos das barracas de bebidas também.

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