LENIVALDO ARAGÃO
Banquete de lagosta
Já que a lagosta, o precioso crustáceo por muitos desejados, mas
por poucos degustado, está em evidência, com a polêmica surgida em Brasília a
respeito de seu uso por casacudos em ágapes e convescotes oficiais, veio-me à
lembrança uma história envolvendo lagosta.
Nada a ver com a célebre Guerra da Lagosta, na verdade um bate-boca
envolvendo o Brasil e a França, quando o presidente francês Charles De Gaulle
teria dito sobre nossa pátria pra lá de amada que “este não é um país sério”.
Séria é a história que vou lhes contar, envolvendo uma porção
daquele crustáceo tão apreciado.
Aimoré, o depositário das lagostas |
Em 1968, eu estava para viajar ao Sudeste. Ia cobrir dois jogos,
um em São Paulo e outro no Rio, entre as seleções do Brasil e do Uruguai – o Brasil
terminou comendo de coco, ganhando por 2x0, no Pacaembu, e metendo 4x0 no
Maracanã. Disputava-se uma taça qualquer.
Setorista do Diario de
Pernambuco na Federação Pernambucana de Futebol (FPF), lá comparecia todos
os dias.
O presidente Rubem Moreira ao saber da minha viagem pediu-me o
favor de levar duas encomendas, uma para Mendonça Falcão, o presidente da
Federação Paulista, e outra para Paulo Machado de Carvalho, o chefe da
delegação nacional, poderoso na entidade bandeirante, logicamente, e na CBD
(Confederação Brasileira de Desportos), a atual CBF.
Na véspera do embarque, o poderoso chefão do futebol pernambucano,
com seu vozeirão, como se estivesse me dando uma ordem, avisou:
– Napoleão se encontra com você amanhã, no aeroporto, e lhe
entrega minha encomenda.
Referia-se ao seu fiel escudeiro, o superintendente da FPF,
Napoleão Gonçalves.
Quando cheguei aos Guararapes, Napoleão veio ao meu encontro e foi
logo botando a mão no bolso. Dele, não no meu. Esperava receber alguma
correspondência destinada à dupla de cartolas, algo referente a manobras da
cartolagem, já que esse povo está sempre manobrando.
– Já está despachado – afirmou
o zeloso e obediente funcionário da Federação, entregando-me dois tíquetes, o
que foi seguido de um esclarecimento:
– São umas lagostinhas que Seu Rubem tá mandando pra Mendonça e
Paulo Machado.
Rubem Moreira era chegado a presentear a alta cúpula do futebol
nacional e até mesmo funcionários da CBF, como dona Marina, que mandava e
desmandava na entidade.
Quando não era lagosta, eram frutas, como mangas, bonitas e
saborosas. Ou cajus. E por aí vai. Isso abria-lhe as portas e facilitava suas
articulações em defesa dos clubes pernambucanos, diziam.
Desci no Aeroporto de Congonhas no início da tarde. Só aí é que
descobri que se tratava de duas enormes caixas de lagosta e não das lagostinhas
mencionadas por Napoleão.
Uma mão-de-obra para conduzir até o táxi. Hospedei-me num hotel,
na célebre Avenida São João, e pedi para guardarem a encomenda no frigorífico
da casa, enquanto iniciava uma peregrinação telefônica em busca dos
destinatários.
Era um sábado, e assim sendo, a dificuldade para localizar alguém
aumentava. Paulo Machado de Carvalho era o dono da ainda incipiente TV Record, que estava longe de ser a
potência que é hoje. De Mendonça Falcão não tive nem notícia. Quando liguei para
a Record, procurando falar com Paulo
Machado, a telefonista perguntou:
– Qual deles, doutor Paulo ou doutor Paulinho?
Era o Paulão, chamado de O
Marechal da Vitória por ter chefiado a delegação canarinha na conquista da
Copa do Mundo de 1958, na Suécia.
Fui informado de que estava na sua chácara.
E eu com aqueles trambolhos, ocupando o balcão frigorífico do
hotel, atrapalhando o serviço. Precisava dar um jeito na situação.
Disquei para o Hotel Danúbio, localizado ali mesmo no centro da
cidade, onde a Seleção Brasileira estava concentrada para o primeiro jogo
contra os uruguaios no dia seguinte. A noite já começava a cobrir a Pauliceia Desvairada.
Naquele tempo era tudo mais fácil. Identifiquei-me para a
telefonista, dizendo que era um repórter recém-chegado de Pernambuco, que tinha
necessidade de falar com Aimoré Moreira, o técnico da equipe amarelinha.
Biscoito, como era chamado pela boleirada, em alusão à marca de
biscoitos Aimoré, atendeu-me com a maior presteza. Falamos rapidamente sobre a
recente passagem pelo Sport, de seu irmão Zezé, o célebre Zezé Moreira, que
também dirigiu a Seleção – para quem não sabe ou nem se lembra, Aimoré foi o
técnico em 1962 no Chile, no bicampeonato mundial, ficando Vicente Feola, o de
1958, à deriva. Depois de alguns minutos de papo furado, entrei nos ‘finalmente’.
Contei de minha aflição, e disse-lhe que, como os dois cartolas
fatalmente apareceriam no hotel, o mais racional seria levar as lagostas para lá,
deixando-as a seu encargo. Combinado. Em pouco tempo eu estava passando a
encomenda para o controle do treinador da Seleção.
Só voltei a falar com Aimoré por ocasião de um treino, no Rio, na
véspera do segundo jogo, no Maracanã. Perguntei pelas lagostas, e ele, fazendo
um riso meio maroto, respondeu:
– Você não sabe o que aconteceu. Quando os jogadores descobriram,
não deixaram as lagostas saírem do hotel. Trataram de consumi-las, antes que os
donos levassem.
Ou seja, houve um banquete na base de lagosta, no domingo à noite,
depois do jogo, não sei se com a presença dos dois cartolas.
Era o de menos. A verdade é que, com ou sem eles, ficou tudo em
casa e não sobrou uma lagostinha para remédio...
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