Alô, Alô, Saudade

PAULO MORAES

Um domingo de aventura, atrás do Santinha

Mexo nos meus arquivos e nessa época de luta na Série C, encontro um artigo publicado no antigo e já extinto PE360GRAUS, site da Rede Globo Nordeste, em junho de 2013. 

   Domingo, seis horas da manhã. Acordo, vou à janela, chove. Tempo ameaçador para a apaixonada torcida do Santa Cruz. Leio os jornais do dia. Barba feita, uns goles de café, um pão com manteiga. É o antes da então curta, mas emocionante viagem a João Pessoa. Rezo como faço todos os dias. Mochila nas costas, lá vamos nós, eu e um grupo de tricolores rumo ao sonho de todos, de um feliz resultado contra o Alecrim, de Natal, na caminhada para a Série C do Brasileiro. Vou nessa como repórter para registrar, passo a passo, sonhos e esperança de uma multidão de três cores.

  Onze horas e 21 minutos: o motorista Roberto liga a chave de uma doblô. São dois carros levando oito torcedores, cada um mais feliz do que o outro. O artista plástico Zequinha, que jura ter jogado no juvenil do Santa (diz a lenda e confirmado por um amigo chamado Geraldo, o do violão que ele era bom de bola), conta que não dormiu na noite de sábado. Valnei e Marcelo estão tranquilos. Valnei toma cerveja, Marcelo só conversa. E eu, nas anotações. O papo é sobre a chuva, muito intensa no Grande Recife. E vêm lembranças de uma Olinda de muitos anos atrás, que eu não vivi.

A torcida do Santa engarrafou a rodovia, rumo a João Pessoa (Reprodução internet)

  Falam de cobras, de tartarugas, de saguins e de cajueiros que eram abundantes na área de hoje dos bairros de Rio Doce, Jardim Atlântico, Casa Caiada. Na outra doblô, os amigos Júlio Patriota, o organizador da viagem, Rílson, Fernando Freire e Carlos, eles auditores da Secretaria Estadual da Fazenda de Pernambuco. E mais o procurador do Estado, Alexandre. Da pequena caravana, só Fernando não está vestido com uma camisa tricolor. E eu também, claro, apesar de ser apaixonado por tão lindas cores reunidas no preto, branco e vermelho. Valnei tem logo duas. Uma no corpo e a outra na mão no papel de bandeira,

   Estamos na BR 101. Carros, ônibus, micro-ônibus, uma alegria. Só faltou alguém num jumento. Nas margens da rodovia, moradores da região contemplam a bonita caravana a caminho da felicidade. Viagem agradável, centenas de bandeiras, até que ...engarrafamento pesado próximo da ponte da cidade pernambucana de Goiana. É tanta água, que assusta.

   Com trânsito interrompido, os torcedores passeiam pela pista, bebem, pulam, se cumprimentam, cantam hinos do clube, cada um mais bonito que o outro. É uma manhã de festa. Passamos entre 40 e 50 minutos sem movimentar as dob|ôs. Enfim, por volta de uma hora da tarde, ultrapassamos a ponte e aí podemos seguir tranquilos. No caminho, alguns carros quebrados ou sem combustível. Um grupo da então quase pacata Torcida Inferno Coral se desespera e vai a pé. Fizemos às contas e concluímos: eles vão chegar a João Pessoa lá para as nove horas da noite. Na verdade, instantes depois, o ônibus deles iria apanhá-los.

   E chegamos nós à capital paraibana. Almoço num restaurante na Praia de Manaíra. Boa peixada e bom rumo ao estádio Almeidão. Para ter acesso à arquibancada, enfrentamos água, lama e fila. Quando passamos pelo portão de entrada, o jogo já havia começado havia três minutos. Vamos à procura de um pelo menos razoável lugar. Chove e o chão da arquibancada está escorregadio. Eu tive a infelicidade de ser tocado por alguém, perdi o equilíbrio e caí, levando uma torcedora junto comigo. Nada demais aconteceu, apesar da preocupação dela. Fomos em frente, encontramos o procurado lugar, se bem que quando a chuva apertava, os guarda-chuvas atrapalhavam a nossa visão.

    São 16 mil tricolores e alguns mais, muito poucos simpatizantes do Alecrim. O zero a zero do primeiro tempo preocupou, mas o gramado encharcado pode justificar o futebol pouco brilhante dos dois times. No segundo tempo, veio o primeiro gol do Santa com dúvidas: gol de Weslley ou de Tiago Cunha? "Foi de Weslley", grita um tricolor. Na súmula, se descobriu mais tarde, gol de Tiago Cunha. O gol do empate do Alecrim mexeu com o coração dos santacruzenses. Veio o segundo gol, pra nós, Thiago Matias. Chove um pouco forte, chovem também dúvidas sobre o autor do gol, desfeita por um atento espectador.

   O gol de pênalti, marcado também por Thiago Matias, anima os corações dessa apaixonada torcida que, na volta, enfrentou novos engarrafamentos e sem ter como seguir viagem ao Recife por Goiana. A ponte não deixou que qualquer carro chegasse ao outro lado. Resultado: a volta teve de ser por Campina Grande via Caruaru, como fez uma equipe de reportagem da TV GLOBO (Sabrina Rocha no comando) e a própria delegação do Santa Cruz. Ou pela cidade de Itambé, via Timbaúba e Carpina, municípios também pernambucanos. 

   Outros pernoitaram em João Pessoa. Nós voltamos por Itambé, oito horas de viagem. Chegamos às 02h17 da madrugada de segunda-feira. Mas com a missão cumprida. Vitória tricolor e a largada feliz rumo à Série C. E com uma pergunta unânime? Quando veremos de novo uma BR-101 tâo agitada?

    Talvez se o Santa jogar de novo no Almeidão. Aí esperamos, que seja sem chuva e pra ser campeão.

   Foi mesmo um domingo de aventura, diferente. Mas que valeu. Foi um dia arretado na história da fiel e mais apaixonada torcida do Brasil.


Comentários

  1. Apesar de todos os transtornos foi um dia, verdadeiramente, maravilhoso!

    Parabéns pelo texto, Paulo.
    Um abraço!

    Fernando Freire.

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