Um jogador sonâmbulo e o jogo de bicho
Durante muitos anos, uma casa com
alpendre, estilo rural, situada à margem direita do Capibaribe, em Caxangá, no
Recife, ao lado da avenida que dá nome ao bairro, serviu de concentração para
os jogadores do Sport, às vésperas dos jogos. Trata-se de um prédio, ainda hoje
existente, junto da igreja local e de um posto de gasolina, que no passado
servira de residência para uma numerosa família. Local ideal para repouso.
Havia quem, como o ponta-direita Traçaia, um mato-grossense que fez história no
Leão, matasse o tempo, procurando fisgar alguns peixes no rio, que passa por
trás do casarão.
Alemão (futurosportrecife) |
Não faltava quem aprontasse, como o
atacante Djalma, que aproveitava qualquer descuido do legendário Palmeira para
esconder a bombinha que o técnico utilizava para combater as crises de asma.
Sem dúvida, uma brincadeira de mau gosto, que irritava profundamente o
treinador. Mas provocava muitos risos entre os jogadores.
Em época junina soltava-se o conhecido
cheirosinho, que espalhava por toda a casa um odor bastante desagradável,
levando o explosivo Palmeira a reclamar de Zé Guaru, o gerente da concentração,
alegando que ele não cuidara direito do banheiro. Enquanto isso, a cambada se
divertia.
O zagueiro Alemão era um assíduo
frequentador de uma banca de jogo de bicho existente nas imediações. Ele e
Bria. Logicamente, nenhum dos dois passava o bizu para o outro. O centroavante
China ocupava um quarto, juntamente com Alemão. Vez por outra China acordava o
pessoal com gritos meio apavorados, como “tira esse cavalo daqui, mata essa
cobra, segura esse carneiro!” Era o dia amanhecer para Alemão correr para a
banca a fim de aproveitar o ‘palpite’ dado pelo companheiro, em sonho. Por
coincidência, às vezes dava certo.
O assistente técnico Schiller Diniz,
um mineiro que havia jogado no próprio Sport, no Náutico e no Santa Cruz,
passou a ficar atento, ao sonambulismo de China até descobrir que aquela sua
explosão era de araque. Acordadinho da silva, China dava seu espetáculo em
plena madrugada, só para ver o colega se esgueirar, mal saía da cama, rumo à
banca de bicho. Todo o mundo sabia que China estava disfarçando, menos Alemão e
Schiller Diniz.
Desconfiado, Schiller resolveu ficar
de tocaia certa algumas noites, esperando o ataque de sonambulismo de China.
Algumas vezes passou em branco, mas numa delas o atacante manifestou-se. O
assistente técnico apareceu de surpresa, e China, que era muito risonho, não
suportou. Explodiu numa estrondosa gargalhada, no que foi seguido por outros
atletas. Menos por Alemão, que quase virava bicho. Porém, como os dois eram amigos
a paz voltou a reinar. E daí para frente, o zagueiro passou a se reger pelos
próprios palpites.
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