Toco, Travo e Canela


Histórias de Chico, o fanático torcedor do Íbis

 – Se Seleção Brasileira vier jogar aqui e em outro estádio estiver o Íbis jogando, vou ver o jogo de meu time”.  Não pensem que se tratava de basófia. Quem dizia isso, com muita convicção, era o paraibano pernambucanizado Francisco Imperiano, conhecido como Chico do Táxi. Sua paixão pelo Pássaro Preto não tinha limites.
Chico do Táxi: paixão ibiense


Figura folclórica do futebol pernambucano, Chico chegou ao Recife em 1942, quando o Íbis ainda engatinhava, pois tinha sido fundado em 15/11/1938. Passou a residir junto da TSAP-Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco, onde o Íbis nasceu e se abrigava. (O íbis é uma ave pernalta, venerada no antigo Egito, possivelmente porque aparecia na época da cheia anual do Nilo, que possibilitava a agricultura e a própria sobrevivência dos egípcios). O nosso personagem veio servir o Exército, no Recife, e logo fez amizade com os jogadores ibienses. Mais tarde, no seu táxi, muitas vezes carregava o material do time para treinos e jogos até mesmo em cidades vizinhas. Era respeitado e querido pelos jogadores. Não adiantava pilheriar com o clube de sua paixão, pois ele não estava nem aí, e tinha a resposta na ponta da língua para torcedores do Náutico, Santa Cruz e Sport:
– Podem gozar, mas já dei em todos eles.
Era verdade. O hoje chamado pior time do mundo vivia outra realidade. Os empregados da fábrica faziam uma doação mensal, descontada em folha, o que permitia ao Pássaro Preto manter um elenco razoável.

O TIRO SAIU PELA CULATRA
Chico não cansava de repetir uma façanha de sua equipe. Campeonato Pernambucano, década de 60. O Central tinha boas chances para levantar o turno, quando o Pássaro Preto apareceu no seu caminho. O jogo estava programado para o Recife, o que se constituiria num autêntico fracasso em termos de renda. Prejuízo para os dois. Vai daí que os dirigentes da Patativa fizeram uma proposta para que a partida fosse transferida para Caruaru. O Central pagaria ônibus e hospedagem, incluindo alimentação, claro, e daria mais um dinheiro por fora à equipe da Capital, além da participação normal na renda líquida, que era de 60% para o vencedor e 40% para o perdedor. O Íbis que não tinha nada a perder, topou.
Loloca, já defendendo o River (Site do Buim)


A torcida centralina se animou. Se, mesmo jogando no Recife, o Alvinegro já era considerado favorito, imaginem sendo o jogo em casa. Estavam enganados, pois dentro de campo a situação foi outra. O Íbis tinha um centroavante chamado Loloca, que depois foi ídolo no River de Teresina. O camisa 9 do Íbis estava endiabrado nesse dia. Balançou a rede quatro vezes, e com isso os ibienses obtiveram uma memorável vitória de 4 a 0 sobre a Patativa e ainda saíram de Caruaru com uma boa grana no bolso. Reviver esse fato levava Chico ao êxtase.

O PAU CANTOU NO MUNDÃO
Certa vez, o pau quebrou na geral do Arruda. O Íbis perdia para o Santa Cruz por 1 a 0, quando o centroavante Ramón Ventinha (nada a ver com o célebre artilheiro tricolor), decretou o empate. Mesmo pisando em terreno minado, com tricolores por todos os lados, Chico não se conteve, abriu os braços e soltou o grito. Não teve nem tempo de arriar os braços. Levou uma tapa num ouvido e antes de esboçar qualquer gesto para se defender, foi carimbado do outro lado.
Quando conseguiu se equilibrar, meteu a pernada pra cima. Mas era um, sozinho, contra a multidão. O sururu estava armado e o corajoso torcedor ibiense só não levou uma senhora surra porque foi reconhecido por Pantera Negra um participante dos programas de luta livre na TV, que fazia as vezes de chefe de torcida do Santa.
– Soltem o homem porque se vocês matarem ele, o Íbis não vai ter mais torcedor em campo.
A ordem de Pantera foi cumprida, e assim, Chico salvou a sua pele.

EXPULSO DO ESTÁDIO
Um dos episódios mais marcantes na carreira de Francisco Imperiano, como torcedor do Íbis, aconteceu em 1972. Santa Cruz e Sport realizavam, no Arruda, o famoso Clássico das Multidões. Ali perto, nos Aflitos, Íbis e Ferroviário jogavam para arquibancadas vazias. Não totalmente vazias, uma vez que Chico estava lá, dando aquela força ao seu time de coração.
O juiz era Gilson Cordeiro, que fora do futebol exercia o ofício de delegado de polícia e também é formado em jornalismo, mas nunca exerceu a profissão. Lá para as tantas, por achar que o Íbis estava sendo prejudicado pelo apito, o torcedor solitário resolveu desabafar.  
 – Vigia de Rubem Moreira! – gritou para o árbitro, reduzindo-o à condição de vigilante do presidente da federação, em alusão aos guardas noturnos, que andavam rua acima e rua abaixo durante a madrugada, apitando repetidamente.

Juiz Gilson Cordeiro


 Gilson nem precisou olhar para as cadeiras, de onde tinha partido o “grave insulto.” Parou o jogo, chamou o responsável pelo policiamento e pediu-lhe que retirasse do local aquele cidadão que estava prejudicando seu trabalho. Quando os policiais chegaram para cumprir a determinação do homem de preto – hoje já o juiz já é multicor –, o cabo que comandava a patrulha reconheceu Chico e ainda procurou fazer-lhe uma concessão. Permaneceria onde estava, desde que assumisse o compromisso de não meter mais o bico na arbitragem. A resposta foi incisiva:
– Isso nunca. Prefiro ir embora
 E foi, levando o narrador Rubem Souza, da Rádio Clube, que dava flashs sobre o jogo, a dizer:
 – Neste momento está sendo retirada do estádio a torcida do Íbis...     

PERNAS PRA QUE TE QUERO
         Numa tarde de sábado, Chico fazia hora, no Bairro do Recife, hoje chamado de Recife Antigo, torcendo para que aparecesse alguma alma penada que se destinasse para os lados dos Aflitos, onde se enfrentariam Íbis e América. Assim, defenderia a gasolina, pois iria para lá de qualquer maneira. Como não surgiu ninguém, resolveu ir sozinho. Foi só atravessar a Ponte Maurício de Nassau para um passageiro dar a mão. Achou que estava encontrando o parceiro esperado e meteu o pé no freio. Maldita hora, pois o homem foi logo perguntando por quanto ele o levaria a João Pessoa, a capital da Paraíba, a 120 quilômetros do Recife. Perto da hora do jogo começar, Chico sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Pediu em dobro – 500 cruzeiros, quando o normal seriam 250 – para não ir. E foi dando saída no carro, diante dos gritos desesperados do cliente, que havia topado a parada. Para dificultar, solicitou uma parte do dinheiro adiantada, sob a alegação de que precisava completar a gasolina, tendo sido atendido com a maior boa vontade.
          E lá se foi Chico, de cara amarrada, pela BR-101. Percorridos alguns quilômetros, o passageiro, naquela de quebrar o gelo, vendo a cara fechada do motorista, quis saber se estava aborrecido com alguma coisa ou se encontrava doente. O chofer – era assim que era chamado o motorista – respondia monossilabicamente, com um desanimado “não”. Na verdade, sua atenção estava voltada para a estrada, claro, e para o rádio, pois naqueles bons tempos, jogo do Íbis era transmitido.
          O táxi já se aproximava de Goiana, a 50 quilômetros do Recife. Em dado momento, o locutor deu aquele grito característico de gol. De quem? Do Íbis.  Chico mais do que depressa levou o carro para o acostamento, parou e abriu os braços num berreiro assustador, comemorando o feito de seu time. Tão assustador, que o passageiro abriu a porta, meteu-se no canavial que margeava a rodovia e saiu em disparada. Foram inúteis os gritos do dono do táxi, no sentido de convencer o homem de que não estava doido, aquilo tinha sido apenas um arroubo de torcedor. Chico não teve dúvidas. Foi direto para o estádio e ainda viu 20 minutos do jogo, que terminou em 1 a 1.
 


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