TOCO, TRAVO E CANELA


Por LENIVALDO ARAGÃO


Abelardo Coca Cola


Há muito tempo, o futebol português foi povoado por jogadores brasileiros. Tanto que a seleção deles que participou da Copa do Mundo, na África do Sul, em 2010, tinha três compatriotas nossos, naturalizados lusitanos: Deco, Liedson e Pepe. Em certa época havia um montão de gente oriunda de Pernambuco e do Nordeste em geral, por lá. Espalhavam-se pelas diversas divisões do futebol luso. Quem acompanha futebol no outro lado do Atlântico, conheceu, entre outros, os ex-tricolores Mirobaldo, Humaitá e Rubem Salim, os ex-rubro-negros Nivaldo, hoje empresário de futebol, que brilhou no Benfica e Vitória de Guimarães, o atacante Djalma, eterno ídolo do Porto, o também atacante Duda, e os ex-alvirrubros Ivson, Edmur, Caiçara e Dedeu. E por aí vai.
O meia paraibano Coca-Cola foi um dos muitos que cruzaram o “mar tenebroso”, não numa frágil e incerta caravela, mas num possante “pássaro metálico, depois de brilhar em seu Estado natal e no Ceará, onde ainda hoje é lembrado com muita saudade pela torcida do Ferroviário, cuja camisa vestiu de 1965 a 1973.
O Panafiel ia jogar contra o Gil Vicente. Este anunciava a estreia de um jogador chegado havia pouco tempo do Nordeste brasileiro. Tratava-se de Abelardo, cuja ficha técnica era divulgada pelos jornais. Sua idade, 26 anos.
No Panafiel havia também um brasileiro, o pernambucano Bite, que fora revelado pelo Sport, tendo defendido vários times da Região antes de se mandar para a Europa. Bite ficou curioso em saber quem era a figura que iria estrear. Conhecera um Abelardo que jogara no Santa Cruz, e que se transferiu para o Botafogo. De lá foi para Minas e se escafedeu. Não se tratava da mesma pessoa, concluiu. O pernambucano era branco e o outro, negro.
Quando os times entraram em campo, Bite lançou seu olhar investigativo e descobriu que o tal Abelardo era nada mais, nada menos, que o seu já conhecido Coca-Cola, contra quem havia jogado várias vezes, no Brasil, ainda no início da carreira, mal saído do juvenil rubro-negro. Correu para abraçá-lo, pois é sempre uma satisfação para essa turma da bola encontrar um brasuca lá fora. Antes de mais nada, o apelido foi dado ainda na infância, em João Pessoa. “Como eu era pequeno e magro, me chamavam de ‘miniatura de Coca-Cola’. Reclamei e o apelido pegou. Quase ninguém sabe meu nome. Até minha mulher me chama de Coca,” disse numa entrevista Abelardo Cesário da Silva, falecido em junho de 1999.
– Coca-Cola, que satisfação – disse Bite, puxando o paraibano para o abraço.
  Não, Coca-Cola não.  Me chame de Abelardo – repreendeu o meia, um tanto apavorado, deixando Bite assustado.
O ex-jogador do Sport, recém-chegado à “santa terrinha”, ficou matutando sobre a reação de Coca-Cola, quando tempos depois matou a charada.
Coca-Cola tinha 31 anos e não 26 e tivera os documentos alterados, passando-se por um jovem brasileiro disposto a vencer em Portugal.  Se alguém descobrisse que Abelardo era Coca-Cola poderia dar com a língua nos dentes e botar tudo a perder. Ele poderia até ser processado por ter adulterado os documentos. E aí sua carreira iria para o beleleu.
– Além disso, deixei de fazer propaganda de graça para a Coca-Cola - completou o jogador.


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