Dida preto, uma mentira histórica que abalou os Aflitos



Na década de 50, quando o Náutico, por tradição não tinha negros no time, embora já começasse a aceitar moreninhos, surgia um novo fenômeno futebolístico em Alagoas. Seu nome era Edvaldo, mas todos o conheciam por Dida.

Fazia gol de todo jeito e também armava o jogo, vestindo a camisa do CSA. Falavam maravilhas a seu respeito. Os comentários sobre as virtudes do candidato a craque chegaram aos ouvidos de Eládio de Barros Carvalho, presidente do Náutico, em várias gestões.

O Pajé começou a conversar com seus companheiros de diretoria sobre a possibilidade de trazer a ‘promessa’ alagoana para os Aflitos, antes que outro clube o descobrisse.

O Náutico foi atrás de Dida, mas ficou no meio do caminho (Foto: O Lance)


Pelas informações que lhe tinham chegado, tratava-se de um jogador de grande futuro.  É possível que o goleiro Vicente, alagoano que defendia o Náutico, tenha dado algum pitaco capaz de instigar o Tenente – este era outro tratamento dado a Eládio, diante da liderança que exercia no Alvirrubro.

O Timbu não poderia perder aquele brilhante que começava a faiscar, pensou o Baixinho – mais uma apelido com que Eládio era conhecido.  

Alguém teria que ir a Alagoas, com um contrato a tiracolo para o jovem alagoano assinar. Foi escolhido um diretor cuja presença era capaz de impressionar e demonstrasse a grandeza do Náutico.

O homem designado para a importante missão era uma pessoa daquelas que na época eram chamadas de gente de fino trato. Elegante no vestir e na maneira de se dirigir aos circunstantes, amante de cigarros importados, notadamente americanos, piteira de ouro, tudo isso dando-lhe um toque de destaque.

Sua figura certamente impressionaria o jovem que estava pintando e as pessoas de sua convivência, o pai, por exemplo. O plano era levá-lo a assinar contrato imediatamente. O emissário foi advertido da responsabilidade que tinha, pois o plano não poderia falhar.

Foi dado um prazo de uma semana para o enviado do Náutico à Terra dos Marechais desincumbir-se da importante tarefa. Despesas por conta do clube, é claro. A não ser alguns cartolas, ninguém sabia daquela viagem, que se tornara uma espécie de segredo de estado.

O homem levava dinheiro suficiente para gastar com almoços, jantares e alguma coisa mais que mostrasse o potencial financeiro do clube que ele representava. Na realidade, o Náutico já era famoso, como um dos maiores do Nordeste. A resposta, que todos esperavam fosse positiva, viria através de telegrama Western, uma companhia telegráfica inglesa que dava um banho na morosidade do antigo serviço nacional de Correios e Telégrafos.

Só usava a Western quem tinha pressa, pois sua taxa era bem mais alta. O resto da história é contada pelo médico, cantor e boêmio Fernando Azevedo, o popular Pixoto, que na época vestia a camisa do Náutico, como jogador de basquete:

Parte o diretor no domingo no seu Mercury e com o seu terno do mais puro linho, com a missão: trazer DIDA para o Náutico. Confiança absoluta na escolha, pois o homem tinha um poder de convencimento infalível.

Semana de expectativas. No Náutico à noite, Eládio e seus diretores trocavam mensagens cifradas que despertavam até curiosidade entre os mais chegados, mas nada transparecia. Havia, no entanto, um maior consumo de uísque no bar do clube.

Tarde da sexta-feira, a secretária recebe um Western e comunica à Presidência, que marca reunião secreta para a abertura da mensagem, à noite. Certeza absoluta da contratação.

Eládio nervosamente com o charuto havana em sua mão trêmula lê a mensagem: IMPOSSIVEL NEGÓCIO. DIDA É PRETO.

A decepção é enorme. No domingo volta o diretor e nova reunião, dessa vez com detalhes de toda a observação. Realmente tinha ido aos jogos e observado um dos maiores fenômenos do futebol alagoano, porém, nem mulato era. Era preto mesmo e não dava.

Não demorou muito tempo e os jornais do Rio anunciaram a contratação de DIDA o novo fenômeno de Alagoas pelo Flamengo. Que é que se podia fazer?

Em seguida DIDA é convocado para a Seleção Brasileira! Começam a fotografar o homem em todos os jornais.

Não era possível! DIDA ERA BRANCO! Eládio não acreditava. Convoca reunião de diretoria com o emissário para suas justificativas.

Aperta daqui, aperta dali e finalmente a confissão: no caminho para Alagoas foi despedir-se de uma “gata” na pensão de Berta, que, ao vê-lo naquele terno de linho, naquele Mercury, pediu para ir junto e fizeram uma semana de lua-de-mel em Garanhuns. O esforço foi redobrado e o emissário passou a ver tudo preto.

Aconteceu que algum tempo depois da ida do emissário alvirrubro, que ficou no meio do caminho, houve um jogo em que Alagoas derrotou a Paraíba por 4 x 3 pelo Campeonato Brasileiro de Seleções. Na arquibancada do Estádio do Mutange estava um olheiro do  Flamengo, que não esperou por tempo ruim e imediatamente levou Dida para a Gávea.




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