Das regatas e passeios pelo Capibaribe surgiu o Náutico




Nesta terça-feira, 7 de abril de 2020, o Clube Náutico Capibaribe comemora o 119º aniversário de sua fundação, o que ocorreu em 7 de abril de 1901. O Alvirrubro surgiu como decorrência das regatas de remo, que na época atraíam a juventude recifense. Nas então águas cristalinas do Rio Capibaribe, que corta o Recife, espalhando seus braços por vários lados da cidade, sempre havia rapazes exercitando-se.
            Remava-se, ora em competição, ora como simples diversão. Comumente, grupos de rapazes alugavam barcos e saíam rio acima, dando suas remadas, indo às vezes, até o bairro de Apipucos, uma zona residencial ou de veraneio para recifenses abastados.                                                                                                                                                                                                                     
      
            O relato mais autêntico sobre a fase que antecedeu o surgimento do Náutico foi feito por um daqueles rapazes, Hermann Ledebour:
            Em 1897, um grupo de rapazes amantes do remo, tendo à frente João Victor da Cruz Alfarra, costumava alugar embarcações na antiga Lingueta, de onde partiam em direção à Casa dos Banhos, Ilha do Pina e algumas vezes, rio acima até Poço da Panela, Apipucos, etc.
            Uma regata havia sido marcada para o dia 21 de novembro daquele ano. Fazia parte dos festejos para recepcionar as tropas legalistas que acabavam de voltar vitoriosas ao Recife, após o término do movimento de Canudos, com a derrota do Conselheiro e seus seguidores. A prova náutica foi um sucesso, o que serviu de estímulo para que fosse criada uma associação que recebeu o nome de Clube dos Pimpões, que contava com a participação dos empregados das ruas Direita e Rangel. Algumas competições foram, a partir de então, disputadas com muito entusiasmo pelos dois grupos, os da antiga Lingueta e os da nova agremiação, o pessoal do novo Clube dos Pimpões.

Náutico, uma tradição no remo nacional (Reprodução internet)


ATA DE FUNDAÇÃO

Aos sete de Abril de mil novecentos e um – 1901 – em o primeiro andar, número um do Caes da Companhia Pernambucana, por convite do Snr. João Victor da Cruz Alfarra, compareceram o mesmo e mais os srs Antonio Dias Ferreira, Esmeraldo Gusmão Wanderley, AS Ommundsen, Oswaldo de Barros Lins e Silva, Francisco Joaquim Ferreira, João Vieira de Magalhães e Francisco Leandro Rocha. Sendo aclamado Presidente da reunião o sr. Antonio Dias Ferreira assumiu a cadeira e declarou aberta a sessão, nomeando para 1º Secretário o sr. Piragibe Haghissé, e para 2º dito o sr. Francisco Joaquim Ferreira, e para Thesoureiro o sr.João Vieira Magalhães. O sr. João Alfarra pedindo a palavra expoz o motivo da presente reunião o qual é de fundação de uma sociedade para diversões náuticas com a denominação de Clube Náutico Capibaribe – como a idéia foi por todos aprovada, pelo que o mesmo sr. Alfarra apresentou mais as seguintes propostas: Que todos os sócios admitidos até o dia da instalação definitiva do Clube, fossem considerados instaladores. Que a jóia de cada um será da quantia de dez mil réis – 10$000 – e a mensalidade de trez mil réis – 3$000 –, que o pavilhão da sociedade será uma bandeira de dez pannos, o superior e o inferior encarnados e o do centro branco com as letras C N C, iniciaes do Clube em pano azul e também para distinctivo das embarcações do Clube e dos sócios, e que será usado na proa das mesmas, um pequeno – jeck – encarnado com um círculo branco no centro do qual terá em azul uma ancora e as iniciaes do Clube, que todos os presentes se obrigassem a angariar o maior número de sócios para apresental-os na próxima sessão, sendo os mesmos considerados instaladores. Em seguida o sr. Presidente nomeou uma Comissão composta dos srs. Alfarra, Ommundsen, Oswaldo, Ferreira e Piragibe, para confeccionar os respectivos estatutos, devendo apresentalos na próxima sessão. O sr. Alfarra, usando ainda da palavra, agradeceu aos presentes terem aceitado o seu convite comparecendo à presente reunião. O sr.Presidente declarando fundado o “Clube Náutico Capibaribe” - marcou o dia 14 do corrente para proceder a eleição da Diretoria definitiva. E nada mais havendo a tractar levantou a sessão, e eu Piragibe Haghissé 1º secretário lavrei a presente acta que será assignada depois de aprovada. Assignados – Antonio Dias Ferreira – presidente. Piragibe Haghissé 1º - secretário.

Movimento diante da sede em dia de jogo (Diario de Pernamhuco)

RESISTÊNCIA QUEBRADA

Fundado especificamente para praticar o remo, o Clube Náutico Capibaribe só veio a aderir ao futebol em 1909, cinco anos depois da fundação do Sport Club do Recife. Associados do Alvirrubro começavam a se bandear para os lados do Rubro-Negro, seduzidos pelo jogo da bola. O Náutico, como se sabe, reagiu desde os primeiros momentos à prática do novo esporte. Liderada por Bento Magalhães, um dos fundadores, a maioria dos diretores era contrária à implantação da nova atividade esportiva, alegando que o clube tinha sido criado com a finalidade náutica. Além disso muita gente não achava graça em ver um bando de homens vestindo calções, correndo atrás de uma bola.

A turma mais jovem, composta quase toda de remadores, não pensava assim. Alguns daqueles rapazes começavam a se misturar aos jogadores rubro-negros para participar dos treinos que se realizavam na campina do Derby. Para não perdê-los, o Náutico, por decisão do presidente Ernesto Pereira Carneiro, terminou aderindo ao futebol. Numa Assembléia Geral realizada em 14 de julho de 1909 houve a reforma dos estatutos e foi criado o Departamento de Esportes Terrestres, cuja direção coube a Camilo Pereira Carneiro, irmão do presidente do clube.

A NOTÍCIA NO JORNAL
Na sua edição de 12 de maio daquele ano, o Jornal Pequeno já fazia uma pequena referência à adesão do Náutico ao futebol, dizendo: “Consta-nos que os rapazes do Náutico tratam de formar um eleven para bater-se com os do Sport Club”.
O mesmo jornal, em 21 de junho, voltava a falar sobre o futebol alvirrubro, agora oficializado, como relata o pesquisador Carlos Celso Cordeiro, na primeira parte do seu Náutico – Retrospecto de Todos os Jogos. Eis a nova notícia:

“Houve hontem no magnífico ground do Derby o primeiro match-training dos estimados rapazes do Náutico. Às 5 horas da manhã lá estavam já todos os moços que deviam parte no jogo, alegres e promptos para entrar em combate. Foram logo designados os lugares dos jogadores que tomaram lugar no match-training. Pertencem a este team os arrojados foot-ballers: R.Maunsell, Hermann Ledebour, João Drayer e Artur Lundgren. Os ensaios terminaram pouco depois das 8 horas da manhã, deixando a melhor impressão ao sr. R. Mausenll, instructor dos moços. Serviu de referee o sr. Hermann Ledebour. Damos parabéns aos rapazes do Náutico pelo bonito começo no foot-ball”.

ESTREIA VITORIOSA
Assim que decidiu acatar o futebol, o presidente Ernesto Pereira Carneiro acertou um amistoso com o Sport.  No dia 24 de julho de 1909 era disputado o primeiro Náutico x Sport, hoje chamado de Clássico dos Clássicos.

O jogo foi realizado no British Club e atraiu um grande público. Apesar de ser um principiante, o Náutico venceu o duelo com os veteranos rubro-negros pela contagem de 3 x 1, o que causou uma imensa surpresa. Na véspera do amistoso era assim que o Jornal Pequeno anunciava o esperado acontecimento:

1909, primeiro time de futebol do Náutico (Vozes da Zona Norte)


É amanhã, às 4 horas da tarde e no magnífico campo do British Club, que se realizará o match anciosamente esperado, entre o Sport Club Recife e o Club Nautico Capibaribe, em consequência do desafio que há dias este fez àquele. É a primeira vez que sob as respectivas bandeiras dos dois importantes e sympatizados clubs athleticos desta capital, se effectuará aqui um match de futebol e, por conseguinte é fácil avaliar o grande interesse que o mesmo tem despertado em o nosso meio sportivo, onde se discute o resultado do encontro com enthusiasmo ainda não observado em Pernambuco!...    

Os times foram assim escalados;
NÁUTICO – H. King, E. Montagne Smith e H. A. R. Ávila; R. Ramage, F. M. Ivatt e John Coock; A. Silva, H. Grant Anderson, R. Maunsell, D. Thomas e João Maia. Reserva: Mac Pherson.
SPORT – L. Latham; N. D. T. Oliver e W. H. Muller; Frank Fellows, W. Pickwood e Willie Robinson; Alberto Amorim, S.T. Marsh, L. Griffith, C. Chalmers e J. Amorim. Reservas: O. Von Shosten e A. Lundgren.   
Como se pode observar, os jogadores eram quase todos ingleses ou descendentes.

Segundo o livro “O Clássico dos Clássicos” (Carlos Celso Cordeiro, Lucídio Oliveira e Roberto Vieira), “o Náutico jogou com camisa branca, com distintivo, e calção branco. O Sport, com camisa encarnada e preta, e calção branco.”

O alvirrubro Rolland Maunsell abriu a contagem, tendo marcado o primeiro gol da história do Náutico. Ele mesmo marcou o segundo. Primeiro tempo, Náutico, 2 x 0. Na segunda fase, D. Thomas fez 3 x 0, cabendo a C. Chalmers assinalou o tento de honra do Sport.

Depois do jogo, diz o livro que retrata a história do Clássico dos Clássicos, “seguiram para o palacete do British Club, os jogadores que tomaram parte no match, e mais membros da diretoria do Sport, do Náutico e do British Club, e grande número de associados das duas sociedades amigas.

Ao ser servido champagne, ouviram-se vários brindes. Durante os brindes foram cantadas diversas canções em inglês alusivas ao jogo.”
           

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