Central, um clube mais do que centenário




O Lacerdão é o glorioso reduto alvinegro (Central de Coração)


O Central Sport Club estará completando segunda-feira (15), 101 anos de existência. Fundado em 15 de junho de 1919, o Alvinegro, que tanta projeta Caruaru, há um ano entrou no seleto grupo dos clubes centenários que participam do Campeonato Pernambucano de Futebol. Os outros são Clube Náutico Capibaribe (07/04/1901), Sport Club do Recife (13/05/1905) Santa Cruz Futebol Clube (03/02/1914) e América Futebol Clube (12/4/1914). O tradicional clube caruaruense, fundado em 15/6/1919.

Um pouco da história do Central é contada com dados obtidos pela reportagem e matérias publicadas em 1969, pelo jornalista Alexandre Porto Larena, já falecido, num jornal especial comemorativo do cinquentenário do clube.

MONOTONIA
Corria o ano de 1919. Caruaru já sexagenária, ainda ressentia-se da falta de atrações. Só havia movimentação mesmo quando o Sport Club Caruaruense, fundado em 26/2/1918) disputava alguma partida de futebol. Aí a monotonia das tardes domingueiras era quebrada.

NOVO CLUBE
No dia 15 de junho do mesmo ano (1919) pelas 13 horas, um grupo de rapazes reuniu-se na sede da Sociedade Musical Comercial Caruaruense e decretou guerra à falta de diversões e ao tédio.

Não era possível que só o Sport tivesse o privilégio de divertir a população. Daquele dia em diante a cidade passaria a contar com uma sociedade esportiva organizada e com sede.

Depois de muitas proposições e discussões, o presidente da reunião bate na campa, pigarreia, pede silêncio e manda o secretário ler a ata. E começa a leitura (respeitando-se a linguagem da época):

‘Pelas 13 horas do dia 15 de junho de 1919, no recinto da sympatisada Sociedade Musical Commercial Caruaruense, gentilmente cedida pelo ilustre e incansável presidente prof. Vicente Monteiro, reunidos alguns rapazes; convidaram os senhores Francisco Porto Irmão – presidente interino – José Baptista de Oliveira, Arlindo de Vasconcellos e Oscar Pessôa de Mello afim de procederem a eleição dos membros diretores de uma sociedade sportiva, que, conforme a proposta unanimemente aprovada do senhôr Severino José Bizerra denominava-se Central Sport Club. Depois de procedida a apuração foram eleitos e empossados os membros seguintes: Presidente – José Faustino Villa Nova; Vice-dito – João Baptista de Oliveira; 1º Secretário – Severino de Salles Tiné; 2º dito – Arlindo de Vasconcelos Limeira; Thesoureiro – Arthur Leandro de Salles; Vice-dito – Agnello Lyra; Oradôr – Francisco Porto Irmão; Diretor de Sport – Severino José Bizerra.

Em seguida, o senhôr presidente autorizou o senhôr secretário a oficiar agradecendo a sede ao presidente da Comercial. Usando da palavra o senhôr Severino José Bizerra popôs para pagar-se 2.000 (réis) de joias e 500 rs. de mensalidade, que, depois de posta em discussão foi aprovada. Nada mais havendo a tratar o senhôr presidente declarou encerrada a sessão. Eu, Severino de Salles Tiné, 1º Secretário lavrei a presente acta.”

O nome do clube foi motivado pelo fato de Caruaru ser localizada numa região central na estrada de ferro que ligava o Recife ao Sertão, com os três da Great Western, mais tarde Rede Ferroviária do Nordeste.
O velho Pedro Victor nos anos 60 do século passado (Reprodução internet)



REGULAMENTO DE CAMPO
Três meses mais tarde, a diretoria voltava a se reunir na sede da SMCC. O diretor de esportes, Severino José Bezerra, que, 86 dias depois recebia ofício do secretário solicitando sua renúncia, apresentou um “projeto de Regulamento para campo” constituído de sete artigos.  
1 – Todo jogadôr escalado deve achar-se na séde (1/2) meia hora antes do jogo.
2 – O jogadôr antes do jogo deve ir se colocando.
3 – É expressamente prohibido em campo discussões ou palavras obscenas.
4 – Deverá todo jogadôr obedecer as ordens do “capitão do time”.
5 – Todo jogador escalado que faltar ao jogo deverá scientificar ao “capitão do time” sob pena de 500 réis de multa.
6 – O zeladôr só poderá entregar a bola com ordem escripta do Diretor.
7 – O jogadôr que não cumprir fielmente este estatuto será suspenso por tempo determinado pelo “capitão do time”.

ALA FEMININA
O primeiro presidente do Central, o próspero comerciante José Faustino Villa Nova, por ocasião da comemoração dos 50 anos do clube, disse que nos seus primeiros tempos, “o Central era time pra valer mesmo”.
O ex-dirigente lembrou que, quando convidava alguma equipe da capital do Estado para jogar em seu campo, no local onde hoje está situada a Praça Getúlio Vargas (a popular Praça do Rosário), a torcida abarrotava o “estádio”.
As rendas atingiam as cifras de 4 a 5 contos de réis. Mas quem proporcionava as vitórias ao Central era a ala feminina, composta de moças e senhoras do “high society”, que incentivavam os jogadores patativas com charangas, palmas e assovios. Muitas vezes invadiam o campo para xingar o juiz e os jogadores adversários.
– Pena que tenha durado tão pouco tempo. Muito do nosso sucesso foi devido às mocinhas que formavam a ala feminina – afirmou o sr. Faustino.

JOGO CONTRA O VASCO
Em 1936, o Vasco da Gama, do então Distrito Federal, excursionava pelo Nordeste. O Central, time já afamado, resolve convidar os vascaínos para uma apresentação em Caruaru. No dia anterior, o Vasco derrotava o Tramways do Recife pelo marcador de 4 x 0. Recordou Marcionilo Francisco da Silva (Tutu), ex-jogador centralino:
– O Vasco estava confiante demais. Pensava que ia encontrar aqui um bocado de pernas de pau. Enganou-se. Venceu apertado, de 1 a 0 porque o juiz anulou um gol que fiz de meio de campo, com toda a defesa do Vasco plantada na área. Ninguém entendeu o gesto daquele senhor. Hoje sucede a mesma coisa. O Central não tem nem o direito de empatar.

VITÓRIA NO RECIFE GERA FERIADO
Diante da repercussão do amistoso contra o Vasco, o Central foi convidado a enfrentar, também amistosamente, o Tramways Sport Club, a sensação do futebol pernambucano naquele momento, tanto que foi bicampeão em 1936 e 1937, invicto nos dois anos.
Partida eletrizante, disputada no campo da Jaqueira. Num abrir e fechar de olhos, o time recifense vencia por 2 x 0, gols de Bermudes. Tutu descontou para o Central, encerrando-se o primeiro tempo com a vitória parcial do Tramways por 2 x 1.

Na segunda fase, Braga e Edmilson levaram o Central a virar o jogo. Edmilson, numa jogada arrasadora, driblou até o goleiro Zé Miguel e foi caprichosamente levar a bola ao fundo da rede. O time da casa desgovernou-se dentro de campo e antes de fazer seu terceiro gol, com Chinês, levava o quarto, marcado por Zuza, que anos mais tarde seria ídolo no futebol cearense. Final do jogo, Tramways 3 x 4 Central.

Dirigentes do Alvinegro, à frente o comendador José Victor de Albuquerque, invadiram a cancha para abraçar os jogadores. Alguns atletas choravam emocionados.

A equipe caruaruense alinhou: Pedro; Neco e Trajano; Joaquim, Otoniel e Fininho; Alemão, Zé Santos (Braga), Zuza, Tutu (Edmilson) e Zé Maria.

No dia seguinte, a prefeitura decretou feriado municipal para que o povo pudesse ir à Estação Ferroviária recepcionar festivamente os seus heróis. Isso pela manhã, porque à tarde houve corso pelas ruas centrais, no melhor estilo Copa do Mundo.

CAMPEONATO PERNAMBUCANO
Um ano depois, o Central ingressava no campeonato patrocinado pela Federação Pernambucana de Desportos, FPD, atual FPF. Participavam da maratona, Sport, Náutico, Santa Cruz, Tramways, América, Íris e Flamengo.


Central no Pernambucano 1937:Pedro, Alemão, Joaquim, Mário Matos, Zé de Nane, Heleno, Trajano, Edmilson, Tutu, Zuza, Otoniel, Zago e Jaime Guimarães, técnico 


O clube caruaruense fazia uma trajetória regular, conquistando algumas vitórias. Até que um dia já no fim da jornada, com alguma chance de ser campeão, o Central se defronta com o Santa Cruz. Estádio lotado. Central marca o primeiro gol. Santa Cruz empata. Central de novo – gol. Santa Cruz também aumenta: 2 x 2. Diz Tutu:
– Até aí ia muito bem. Todos pensavam que a partida terminaria empatada. Então, assinalei mais um gol. Mais outro e mais outro. Três gols que foram anulados por Palmeira (futuro técnico do Santa Cruz, Náutico, Sport, América/PE, Seleção Pernambucana, Vitória/BA e América/RJ.)  O Santa Cruz marcou outro e ganhou o jogo.

Em sinal de protesto, o Central abandonou o campeonato. Voltaria 24 anos depois, em 1961, permanecendo até hoje. Em 1999, rebaixado, disputou a Segunda Divisão. Sagrou-se campeão e reassumiu seu lugar na hoje chamada Série A 1.

A CAMPANHA
Sem poder se apresentar em Caruaru e fazendo todos os seus jogos no Recife, por determinação da Federação Pernambucana de Desportos-FPD (a partir de 1955, Federação Pernambucana de Futebol-FPF), o Central, dirigido pelo técnico Jaime Guimarães, que já tivera uma passagem pelo Santa Cruz, obteve os seguintes resultados no Campeonato Pernambucano de 1937:
1º turno:
Central 1 x 2 Flamengo - D
Central 3 x 4 Santa Cruz - D
Central 2 x 5 Tramways - D
Central 7 x 4 Great Western - V
Central 2 x 1 América - V
Central 3 x 3 Íris - E
Central 1 x 2 Náutico - D
Central 2 x 4 Sport - D
2º turno
Central 5 x 2 América - V
Central 6 x 0 Íris - V
Central 5 x 1 Great Western - V
Central 3 x 2 Flamengo - V
Central 3 x 1 Náutico - V
Central – derrotado por WO (não comparecimento ao campo) para o Sport - D
Central 3 x 4 Santa Cruz - D.
Em 15 jogos foram 6 vitórias, 1 empate, 7 derrotas e um jogo perdido por WO.

GOLEADA HISTÓRICA
Nos anos de 1942, 43, 44, 45 e 48, o Central conquistou as taças de campeão da cidade nos certames promovidos pela Liga Amadora de Caruaru, a atual Liga Desportiva Caruaruense.
Em 1951, já no final do campeonato, os centralinos vão a campo, no domingo 2 de dezembro, para enfrentar ao Jocaru Futebol Clube, agremiação dos gráficos do Jornal de Caruaru, de Mário Costa.  O redator esportivo de A Defesa, edição do mesmo dia, já previa a derrota jocaruense: "Em vista da disparidade entre os preliantes, está a partida fadada a verdadeiro fracasso".
O Jocaru, apesar de ser time de baixo índice técnico, constituído de rapazes de no máximo 20 anos de idade, jamais pensara que naquele dia estava reservado para si um dos maiores escores do futebol brasileiro: 23 x 0. Como foi a marcação dos tentos em ordem cronométrica:

16.05 - É iniciado o jogo pelo Jocaru
16.10 - Moacir, do Central, assina o 1º tento
16.13 - Milton (2 x 0)
16,13 - Milton (3 x 0)
16.21 - Milton (4 x 0)
16.22 - Milton (5 x 0)
Aí já houvera uma expulsão: Corró, do Jocaru. Ao terminar o 1º tempo os jocaruenses só contavam com 8 elementos
Às 17 horas é reiniciado o cotejo. O Jocaru, para espanto de todos só retorna com 6 elementos. Afirma o dentista José Miguel dos Santos:
"O juiz só podia está (sic) torcendo pelo Central, porque era, como é hoje, inadmissível um time jogar com seis jogadores. Naquela partida todos nós jogamos de goleiro e, no fim, eram 11 contra 4”.
O Central, às 17.01 por intermédio de Zezinho (Tutu)  aumenta o marcador para 6 x 0.
17.05 - Milton (7 x 0)
17.07 - Zezinho (8 x 0)
17.08 - Zezinho (9 x 0)
17.10 - Walter (10 x 0)
17.12 - Lula (11 x 0)
17.15 - José Martins (12 x 0)
17.16 - Zezinho (13 x 0)
17.20 - Zezinho (14 x 0)
17.22 - Milton (15 x 0)
17.25 - Walter (16 x 0)
17.26 - José Martins (17 x 0)
17.30 - Zezinho (18 x 0)
17.35 - Milton (19 x 0)
17.36 - Milton (20 x 0)
17.38 - Zé Bom (21 x 0)
17.40 - Zé Bom (22 x 0)
17.42 -Milton (23 x 0)

Não haveria mais gol. Depois de deixarem o campo, os jocaruenses dirigiram-se à sua sede, na Rua Frei Caneca, e penduraram as chuteiras para sempre. Houve choros e protestos.
O carrasco Milton e o jornalista José Torres, com as esposas, muito tempo depois de arrasar o Jocaru


O jornalista Luiz Torres, no seu “Comentário” no jornal A Defesa da semana seguinte, protestava furiosamente:
“Os alvinegros não tiveram compaixão, não tiveram sentimento de humanidade e, aproveitando a chance, fizeram uma exibição idiota de poderio”.
Mas, de nada adiantou porque o Central sagrou-se campeão. Os campeonatos de 1952, 53 e 58 também foram conquistados pelos patativas. 

OBS.: O atacante Milton, que mais tarde se mudou para o Rio Grande do Norte, como funcionário da Companhia de Cigarros Souza Cruz, até hoje é glorificado pelo número recorde de gols assinalados naquele jogo: 11. Todavia, nessa relação transcrita do jornal A Defesa, ele só aparece com nove.
Creio que houve uma falha da pessoa que fez a compilação, pois o recorde de Milton tem sido lembrado através dos tempos sem a menor contestação.

PRIMEIRO PROFISSIONAL
Na fase de preparação para disputar o Campeonato Pernambucano em 1937, o Central entrou para a história do futebol pernambucano, como o primeiro clube a ter um jogador registrado na então Federação Pernambucana de Desportos (FPD), como profissional. (É verdade que o dinheiro já começava a correr, de uma maneira ainda tímida e amadoristicamente. mas nada oficial).

Zago recebido, no Recife, pela diretoria do Central, à frente José Victor (Diario de Pernambuco)


O astro adquirido pelo Central era Luiz Zago, um atleta de bom porte físico, que jogava como zagueiro. Paulista, tinha defendido o Atlético Mineiro e encontrava-se disponível, nas pretensões do Vasco da Gama. Foi recebido por dirigentes alvinegros no Porto do Recife após uma viagem pelo Itaquicé, um dos navios da linha Ita, que faziam a navegação costeira, de Norte a Sul do Brasil. (Peguei um ita lá no Norte pra vir por Rio morar... – cantava o baiano Dorival Caymmi).  

Do Recife, Zago seguiu para Caruaru com os dirigentes alvinegros, pela BR-25, hoje BR 232, naquela época ainda em piso de barro.

Foi recebido festivamente em Caruaru. Não era para menos. Enfim, o Central havia se antecipado aos grandes do Recife e dava uma demonstração de força ao entrar oficialmente no regime profissional. Zago assinou contrato mediante 600 mil réis por mês e 2 contos de luvas, além de hospedagem no Hotel Fortuna, o número um da Capital do Agreste naquele tempo.

O Diario de Pernambuco de 23 de junho de 1937, informava que a Federação Pernambucana de Desportos havia registrado o contrato de Zago com a Patativa.

Aliás, a chegada do zagueiro a Pernambuco teve a cobertura do jornal mais antigo em circulação na América Latina. O DP compareceu ao porto, onde ele foi recebido pelo presidente do clube, José Victor de Albuquerque e pelo diretor de futebol, Walfrido Pereira. O jornal publicou uma foto do grupo, com Zago ao lado do milionário José Victor.
  
Com a saída do Central do Campeonato Pernambucano, Zago assinou contrato com o Sport, onde foi titular até 1949, quando o Leão conquistou mais um bicampeonato. Nesse ínterim passou quase um ano emprestado ao Vasco, depois da célebre excursão rubro-negra ao Centro-Sul, no início de 1942.

Encerrada a carreira de jogador, Zago passou a ser árbitro, tendo apitado em Pernambuco e na Bahia, abraçando depois a carreira de técnico.

Voltou a morar no Recife, onde morreu. Durante muito tempo foi gerente do Bar e Restaurante Mustang, situado na Avenida Conde da Boa Vista. Parou de trabalhar após perder a visão.

Em 1961, na volta ao Campeonato :Zé Luiz (massagista), Berto, Dudinha, Adolfo, Espanhol e Pereira,em pé; João Carlos, Pissica, Waldemir, Pedrinho e Diniz, também chamado de Chumbinho, agachados


(Aguardem novas matérias sobre o glorioso clube patativa)




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