PANE ASSUSTA JOGADORES E FAZ O AVIÃO RETORNAR
Brasileiros já num ônibus em solo equatoriano |
Em 30 de novembro de 1959, três dias
depois da saída do Recife, a Seleção Brasileira chegava cedinho ao Aeroporto do
Galeão, o atual Tom Jobim. Estava desfalcada do meia armador Moacir, do Santa
Cruz, que se ressentira de uma antiga lesão. Foi examinado, no Fluminense,
pelos médicos Laudenor Pereira e Paes Barreto, pernambucano que dirigia o
departamento médico do tricolor carioca. Os dois chegaram à conclusão de que o
alagoano não se recuperaria em tempo de ser utilizado no campeonato a ser
disputado e recomendaram sua dispensa.
Ao regressar ao Recife, Moacir disse,
em entrevista, que seu desligamento tinha sido precipitado, posto que se achava
em condições de ainda ser útil à Cacareco.
O ÓLEO VAZOU
Vestindo o uniforme oficial de viagem
da CBD, mesmo com jogadores em sua maioria desconhecidos no Sudeste, a Seleção
Brasileira, de qualquer maneira, despertava atenção no Galeão, embora o
movimento ainda fosse pequeno àquela hora do dia.
Às 6h50 decolava o DC6 D, prefixo LDF,
de quatro motores movidos a hélice, da Panair do Brasil. Cumpriria a rota de
3.780 quilômetros, Rio-Lima, voo 55, conduzindo os representantes do futebol
nacional.
– Todos estavam felizes pela
oportunidade de defender o Brasil numa competição internacional – declarou o
ex-ponta esquerda e advogado aposentado Fernando – Fernando Bidé para os
antigos torcedores do Comércio de Caruaru, e que mais tarde passou a ser
tratado como Fernando José. Ele, que mora no bairro da Encruzilhada, no Recife,
é um dos poucos remanescentes daquele grupo.
O ex-ponta Fernando relembra o susto (Foto: Marcelo Aragão) |
Na capital do Peru haveria uma
conexão rumo a Guayaquil, no Equador para mais 1.144 quilômetros de voo. Porém, quando o DC6 já sobrevoava Mato
Grosso, surgiu uma surpresa desagradável. Um vazamento de óleo paralisou um dos
motores, provocando um estampido amedrontador. Os jogadores, claro, ficaram amedrontados.
A aeronave teve que voltar ao Rio, com escala no Aeroporto de Congonhas, em São
Paulo.
– O avião estava sem condições de
sobrevoar a Cordilheira dos Andes e nós ficamos muito receosos – comentou
Fernando.
O PAI DA MATÉRIA
Já em terra firme, o técnico Gentil
Cardoso, fez uma engraçada declaração, bem à sua maneira, aos Diários Associados, no Rio.
– Quem sai na chuva está arriscado a
se molhar. Da mesma forma, quem viaja de navio ou de avião pode morrer afogado
ou cair lá de cima.
Procurando mostrar conhecimento de
causa, o falante treinador explicou:
– Eu pertenci à aviação e no meu
tempo a coisa mais esperada, por assim dizer, era um avião cair. Daí já se pode
deduzir que não fiquei com os nervos à flor da pele, que não me afobei com o
simples fato de o motor haver parado. Nós estávamos sobre Mato Grosso quando
houve a pane do motor. Ninguém se afobou, ninguém chegou a ficar fora de si. Houve,
claro, um medo natural, principalmente por parte de quem nunca havia passado
por isso.
No aeroporto paulista, a Cacareco passou
uma boa parte da manhã, só tendo embarcado para o Rio, depois das 12 horas.
Chegou às 13.
A turma voltou a se hospedar no Hotel
Novo Mundo, e só no dia seguinte, feito o reparo no motor danificado, é que o avião
realizou a viagem, tendo a Cacareco chegado ao seu destino sã e salva.
Mas, numa delegação em que estavam
juntos Rubem Moreira e Gentil Cardoso, o lado folclórico não poderia passar em
branco. Ainda no Rio, o treinador chegou a fazer uma comunicação um tanto
estranha ao Comodoro. Gentil andou
falando em seguir noutro voo, separadamente. Seu plano foi reprovado por Rubão,
de maneira seca, inflexível e direta:
– De jeito nenhum, se é pra morrer de
uma queda de avião, morre todo mundo junto!
A cidade de Guayaquil (Wilipédia) |
DELEGAÇÃO DIVIDIDA
Ao descerem no aeroporto peruano, os
brasileiros receberam uma notícia que causou alguma contrariedade. Segundo me
contou o administrador Jaime de Brito Bastos, a aeronave que os levaria ao
destino final já havia partido. É que o voo que os trouxera do Brasil tinha
chegado a Lima com atraso.
O jeito foi dividir o pessoal em dois grupos,
acomodando-os em aviões menores, de carreira, que seguiram mais tarde para o
Equador.
Rubem Moreira foi encaixado numa turma
que viajou primeiro. Na segunda em que
predominavam os jogadores, ia Jaime, que levava passaportes e demais documentos
necessários para o desembarque em solo equatoriano.
RUBÃO POR FEOLA
Obrigado a ficar confinado numa sala do
aeroporto de Guayaquil, junto com seus companheiros do primeiro avião, porque
estava sem o passaporte, o impaciente Rubem Moreira, com o passar do tempo já não
se continha, demonstrando intenso nervosismo. Sua ansiedade só foi atenuada com
a chegada da segunda turma, e a documentação.
Finalmente, os componentes da Cacareco
encontravam-se no hall do aeroporto, aguardando a retirada das bagagens para
demandar o hotel.
O Brasil tinha sido campeão do mundo
fazia um ano, o que levava o prestígio do futebol canarinho às alturas. Só que
os jornalistas não sabiam que tínhamos mandado uma equipe regional e não o
primeiro time nacional.
Assim que as feras foram soltas, os
repórteres caíram em campo, na sua natural avidez por entrevistas. E haja
confusão. Dodô, lateral-esquerdo do Santa Cruz, foi confundido com Pelé. O
futuro “rei” estava em começo de carreira, já tinha sido campeão mundial, mas
os meios de comunicação não espalhavam as imagens dos craques pelo mundo, com a
facilidade e a velocidade atual.
O vaidoso Gentil teve seu amor próprio
arranhado quando um repórter procurou entrevistá-lo como se fosse Mário
Américo, o massagista da Seleção Brasileira.
– Não sou Mário Américo, sou o técnico
Gentil Cardoso.
Dito isto, o treinador começou a
fornecer informações sobre a Cacareco, dando uma verdadeira aula de geografia
para mostrar onde ficava Pernambuco. Gentil gostava de mostrar erudição e
conhecimento geral.
Estádio Modelo Alberto Spencer (Reprodução internet) |
Divertido e trágico foi quando a turma
acercou-se de Rubem Moreira. Certamente, nosso ‘vice-rei’ jamais pensara que
algum dia fizesse tanto sucesso na vida, diante da mídia. Depois de muito
falatório, sem que Rubem entendesse o que a imprensa queria saber, a situação
foi esclarecida.
– Pero, usted non es Feola, el director
técnico brasileño?
Já irritado, o que era uma constante em
sua vida, Rubão respondeu de uma maneira bem peculiar:
– Feola é a puta que pariu...
Os jornalistas espantaram-se diante de
uma reação tão estapafúrdia e maluca. O chefe da delegação foi contido, na sua
fúria, por Jaime da Galinha, que muito se divertia com a cena.
– Calma, Seu Rubem, deixe que eu falo
com eles.
Ainda se esforçando para não soltar uma
gargalhada, o funcionário da FPF conversou com a imprensa, explicando que
aquele homem afobado era o chefe da delegação. Que eles levassem por menos, uma
vez que o dirigente era muito explosivo. Ficou o dito pelo não dito.
TRATAMENTO EXEMPLAR
A chegada a Guayaquil foi assim
descrita por Adonias de Moura, do Diario
de Pernambuco, em matéria enviada de Guayaquil:
“Depois de uma demora de seis horas no
aeroporto de Lima, capital peruana, a delegação brasileira seguiu diretamente
para esta cidade, local dos jogos sul-americanos extras de futebol, em avião da
Panagra.
Recebendo um tratamento exemplar do
pessoal da aeronave que nos trouxe a Guayaquil, a viagem transcorreu
tranquilamente. Como acontece nas delegações, observamos muita coisa de comum:
uns tocando e cantando, outros cochilando ou falando nas famílias distantes;
outros lendo os jornais do Rio e de países sul-americanos. Durante as seis
horas que passamos em Lima, no aeroporto, nada se fez. Demos ligeiro passeio
porque a ordem era seguir imediatamente, logo que o avião ficasse pronto duma
revisão.”
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