BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 GENTIL, DE DEGRAU EM DEGRAU, PARA O POVÃO VER


 

Gentil Cardoso sempre jogou para a torcida (Foto: Trivela)

 Gentil Cardoso marcou plenamente sua passagem pelo futebol brasileiro. Recifense da Torre, logo cedo ganhou o mundo. Antes de tornar-se treinador foi quase tudo: engraxate, motorneiro (condutor de bonde), garçom, padeiro e marinheiro – era oficial reformado da Marinha do Brasil –, além de ter passado pela Aeronáutica. Tinha um conhecimento geral bastante amplo. Sempre citava os filósofos Cícero e Sócrates, lia Rui Barbosa e seguia os preceitos de Mahatma Ghandi.

 Em Pernambuco treinou Sport duas vezes (1955 e 66), Santa Cruz (1959) e Náutico (1960). Por todos foi campeão, menos em 66. Depois de ter dado o título ao Santa Cruz em 1959, dirigiu a Cacareco – a Seleção Pernambucana que representou o Brasil num Campeonato Sul-Americano, hoje Copa América.

A célebre frase “vai dar zebra” foi criação sua. Comandava o Bonsucesso, quando na véspera de um jogo, numa entrevista, soltou sua sentença. Diante da estranheza do repórter, explicou: “É que a zebra não faz parte dos 25 animais da roleta do jogo do bicho. Assim é o Bonsucesso. Vai dar um bicho que não tá na roleta e que ninguém fala nele.” O bicho pegou.

Outra que ficou na história: “Deem-me Ademir, que eu lhes darei o campeonato”. Foi atendido pelos dirigentes do Fluminense, em 1946, e cumpriu a promessa. O uso de um megafone nos treinos era uma característica sua.

Depois do êxito de 1955 com o Sport, Gentil voltou a aportar no Recife em 1959, contratado pelo Santa Cruz. A notícia repercutiu favoravelmente, devido ao imenso prestígio de que gozava. Recebido festivamente pela massa, o Velho Marinheiro pegou de cara um amistoso contra o América carioca. Jogo na Ilha do Retiro.

O povão  compareceu em peso. Os cariocas partiram para cima e quando a Cobra Coral abriu os olhos estava perdendo por 3 a 1. Gentil encontrava-se nas cadeiras, com os dirigentes, observando. No intervalo, com o time perdendo, resolveu dar uma mãozinha. Mesmo porque só tinha a lucrar. Se o Santa perdesse, ninguém iria lhe atribuir o fracasso. Se desse o contrário, tome elogio. Dadas as instruções aos jogadores, resolveu permanecer lá por baixo, na boca do túnel.

Tratava-se de uma jogada estratégica, sem dúvida. Como não havia assumido oficialmente, se as coisas desandassem, era só dar dois ou três passos para trás naquela de ‘faz de que conta que não é comigo, ninguém me viu’, e ir sumindo escada abaixo.

Os que estavam nas arquibancadas mais próximas reconheciam-no pelo costumeiro boné. O Santa começou a reagir e Gentil foi aparecendo aos poucos, mudando de degrau na escada do túnel, à medida em que o time crescia. Saiu o segundo gol tricolor, e ele já deixou meio corpo do lado de fora, em condições de ser visto. Vem o gol de empate e Gentil não resiste. Sai de vez da boca do túnel, aparecendo de corpo inteiro e sendo ovacionado pela torcida. Tudo dentro do figurino, muito ao seu estilo.                                                                                                                                                                                                                       

 

 

 

Comentários