SELEÇÃO CACARECO (02)

 APÓS GAÚCHOS E BAIANOS, CHEGA A VEZ DE PERNAMBUCO



Seleção Gaúcha, que trouxe o Bi do México, em 1956. Em pé, Valdir, Oreco, Florindo, Odorico, Ênio Rodrigues,  e Duarte; agachados, Luizinho, o pernambucano Bodinho, Larry, Ênio Andrade e Chinesinho 


Uma incontestável justificativa quanto à designação de Pernambuco para representar o Brasil no Sul-Americano Extra do Equador, em 1959, foi o fato de Rio Grande do Sul e Bahia já terem tido idêntica chance noutras competições internacionais.

Minas Gerais também pleiteava a vaga dada a Pernambuco, mas teve que esperar mais alguns anos.

O PERNAMBUCANO BODINHO

Em 1956, o selecionado gaúcho, brilhou no II Pan-Americano, no México. Esse certame nada tinha a ver com os Jogos Pan-Americanos, evento multi esportivo, que é levado a efeito de quatro em quatro anos.

O Brasil havia levantado o primeiro Pan-Americano, realizado em 1952, no Chile. E em gramados astecas, em 1956, os gaúchos fizeram bonito, obtendo o bicampeonato.

Um dos destaques do time dos Pampas era o atacante pernambucano Bodinho. O apelido originou-se da força das cabeçadas de Nilton Coelho da Costa, nascido no Recife, em 1928, e falecido em Porto Alegre, em 2007, com 79 anos.

Bodinho começou a carreira em 1943, no Íbis, que participava do Campeonato Suburbano, considerado a segunda divisão pernambucana. Em 1944 foi descoberto pelo Sampaio Corrêa, e no ano seguinte, numa excursão pelo Nordeste, o Flamengo aportou no Maranhão, gostou de seu futebol e levou-o para a Gávea.

De 1945 a 1949, o ex-jogador do rubro-negro do bairro recifense de Santo Amaro defendeu o rubro-negro carioca. Em seguida, depois de rápida passagem pelo hoje extinto Nacional de Porto Alegre, mudou-se, de bombacha e cuia, para o Internacional, cuja camisa vestiu de 1951 a 1958. No Colorado consagrou-se como um dos maiores nomes da história do clube. 

Interessante é que no Campeonato Brasileiro de Seleções de 1957, no duelo Pernambuco x Rio Grande do Sul, uma atração à parte foi   o confronto dos artilheiros. Se os gaúchos tinham o pernambucano Bodinho defendendo suas cores, os pernambucanos contavam com o gaúcho Naninho, que formava um dos ataques mais poderosos em todos os tempos do Sport: Traçaia, Naninho, Gringo, Soca e Geo.

O CRAQUE ÊNIO ANDRADE

Um dos companheiros de Bodinho, no México, foi o meia Ênio Andrade, armador de alta capacidade técnica. Em 1961, o porto-alegrense Ênio Vargas de Andrade após brilhar no Palmeiras e na Seleção Brasileira, chegava ao Recife para defender o Náutico. Em meio ao Campeonato Pernambucano, não obstante ter levado o Alvirrubro ao título, no ano anterior, o técnico Gentil Cardoso foi dispensado. Numa tarde de meio de semana, ouviu-se o pipocar de fogos de artifício na Rua da Angustura, onde localizam-se bilheterias e uma das entradas para o Estádio dos Aflitos. Do lado de fora do estádio, funcionários que trabalhavam no campo e noutras dependências do clube ligadas ao futebol, nas quais Gentil tinha ingerência. Eles comemoravam a saída do treinador, com quem viviam às birras.  

Ênio Andrade, como o   jogador mais experiente do grupo, passou a ter a dupla função de jogador e treinador. Estava plantada a semente para sua nova atividade no futebol.

Em 1962, o notável meia ainda jogou pelo São José de Porto Alegre, com a finalidade de descalçar as chuteiras onde iniciara a carreira. Posteriormente voltou ao Recife quatro vezes, já como treinador, para comandar o Santa Cruz (1976), o Sport (1977 e 1986) e o Náutico (1984).

DOMÍNIO BRASILEIRO

O Campeonato Pan-Americano constituía-se numa novidade.  O objetivo era cumprir o papel da atual Copa América, colocando em confronto seleções das três Américas e não apenas as da América do Sul, como era o caso do Sul-Americano.

Na primeira edição, no Chile, em 1952, deu Brasil, tendo sido esta a classificação final:

1º) Brasil

2º) Argentina

3º) Chile

4º) Costa Rica

5º) México

6º) Uruguai

7º) Peru

Portanto, a Seleção Gaúcha viajou à Cidade do México, em 1956, em busca do bicampeonato, e teve êxito absoluto, uma vez que a taça foi levantada invictamente, mediante estes resultados:

Brasil 2 x 1 Chile

Brasil 1 x 0 Peru

Brasil 2 x 1 México

Brasil 7 x 1 Costa Rica

Brasil 2 x 2 Argentina.

Colocações:

1º) Brasil

2º) Argentina

3º) Chile

4º) Costa Rica

5º) México

6º) Uruguai

7º) Peru.

O campeonato foi realizado de 26 de fevereiro a 16 de março. A equipe básica do Brasil era: Waldir; Figueiró, Florindo e Oreco; Odorico e Ênio Rodrigues; Luisinho, Bodinho, Larry, Ênio Andrade e Chinesinho. O técnico era Teté (João   Francisco   Duarte Júnior), lendária figura da história do Internacional.

 

BAIANOS NA TAÇA O’HIGGINS

Também vestindo a camisa do Brasil, a Seleção Baiana, comandada pelo técnico Pedrinho Rodrigues, disputou   a Taça O’Higgins em 1957, em Santiago.

Chamando atenção pelo cachimbo que usava, Pedrinho Rodrigues chegou a treinar o Central de Caruaru, na década 60. Na Capital do Agreste dividia sua função de técnico com a atividade de hoteleiro, como proprietário do Hotel Fortuna.

A competição entre brasileiros e chilenos era bianual, com rodízio   de país. Era uma homenagem ao general Bernardo O’Higgins, festejado pelos chilenos, como o grande líder da independência nacional. 

Baianos, com o técnico Pedrinho Rodrigues, à esquerda, de boné, entrando em campo para enfrentar os chilenos pela Taça O'Higgins


A equipe baiana que vestiu a camisa amarela tinha como   base o Vitória, time que Pedrinho Rodrigues comandara   no Estadual, e era formada por Periperi; Pequeno, Henrique, Nelinho e Jota Alves; Pinguela e Otoney; Teotônio, Hamílton, Mattos e Raimundinho. Destes, haviam atuado em Pernambuco, Pinguela (Náutico) e Hamilton (América, Santa Cruz e Náutico), além do reserva Wassil (Santa   Cruz).

O Brasil perdeu um jogo e venceu outro. Em ambos, o placar foi 1 x 0. A segunda partida foi seguida de uma prorrogação, com vitória chilena novamente por 1 x 0.

SURGE A CACARECO

A notícia da escolha de Pernambuco para representar o   Brasil numa competição internacional ressoou como uma bomba. Em suas constantes entrevistas a jornais e rádios, o presidente da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), o irrequieto Rubem Moreira, sintetizava o estado de espírito que havia tomado conta dos torcedores.

– Qual é o Estado que não se sentiria orgulhoso e vaidoso de representar o País – indagou mais de uma vez o Comodoro, como também era conhecido.

Nosso cartola mor regozijava-se por Pernambuco ter levado a melhor para Minas Gerais, que também aspirava à vaga. Prevaleceram a força e a amizade de Rubão com João Havelange, bem como com outras figuras da cúpula desportiva nacional. A CBD, como se sabe, controlava quase 30 modalidades de esportes, a partir do futebol, e Rubem Moreira circulava por seus corredores com toda a liberdade.


Rubem Moreira


Logo surgiram críticas no Rio e em São Paulo. Dizia-se que era uma temeridade, pois o título de campeão   mundial conquistado em 1958, na Suécia, ainda ecoava, e o prestígio do futebol nacional estava ameaçado. No dia 21 de maio de 1959, o jornal A Gazeta Esportiva, de São Paulo, chegou a dizer que se estava “cometendo   um   crime contra o futebol brasileiro”.

A missão de comandar a Seleção Brasileira foi dada a Gentil Cardoso, um técnico rodado, nascido no bairro da Torre, no Recife, mas de vivência carioca. No Rio desempenhou várias atividades para sobreviver, inclusive como engraxate, até passar a servir a Marinha, da qual saiu como suboficial, tendo tido também uma passagem pela Aeronáutica. Tinha um bom nível de   conhecimentos gerais e queixava-se de nunca ser lembrado para dirigir a Seleção por ser negro, embora se sentisse capacitado. Nem um pouco modesto, disse em 1960 ao tornar-se o primeiro negro contratado como profissional do Náutico:

– O abolicionista José do Patrocínio disse “Deus me deu esta pele para eu defender a minha raça”, mas eu digo que Deus me deu esta pele para eu orgulhar minha raça.

Uma das características do inteligente e ao mesmo tempo folclórico treinador eram as frases de efeito. Vejamos algumas:

“Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”

“A bola é feita de couro, o couro vem do boi, o boi come capim, portanto, a bola gosta de correr na grama”

“Na hora do aperto, deem um chutão pro alto porque enquanto a bola estiver lá em cima, aqui embaixo a gente não corre perigo.”

“O craque trata a bola de você, não de excelência”.

“Só me chamam pra enterro, ninguém me convida para comer bolo de noiva”.

“Este ano vai dar zebra” – disse Gentil após um empate de seu time, a Portuguesa, com o Bangu, pelo Campeonato Carioca de 1964. Seria uma coisa fora do contexto, como no jogo de bicho, onde a zebra não existe.

 “Deem-me Ademir que eu lhes darei o campeonato” (palavras   dirigidas em 1946 aos dirigentes do Fluminense, pelos quais foi atendido, tendo cumprido a promessa).

A mais célebre, porém, foi “vai dar zebra”, que transformou-se em refrão nacional. Gentil Alves Cardoso   tinha   sido   campeão   pernambucano com o Sport, em 1955, ano do cinquentenário rubro-negro, e acabara de dar o título de 1959 ao Santa Cruz. A indicação de seu nome teve aprovação unânime.

APELIDO DEPRECIATIVO

Ao fazer a convocação dos jogadores, o treinador chegou à conclusão   de que era necessário trazer reforços. Rubem Moreira não perdeu tempo, e logo houve um acerto com quatro atletas experientes, que estavam ‘encostados’ no Rio e em São Paulo, mas de qualidades reconhecidas. Como não   poderiam ser vinculados diretamente à Federação, foram inscritos nos clubes só para cumprir a formalidade, nesta ordem: Edson, zagueiro do América-RJ (Santa Cruz), Servílio, centromédio do Botafogo (Sport), Paulo, centroavante do Corinthians (Náutico) e Goiano, ponta-esquerda do Palmeiras (Santa Cruz). Em virtude de não virem jogando e por já serem chegados nos anos, foram considerados um monte de ‘ferro velho’.

Gentil Cardoso e seu habitual megafone para poder ser ouvido a distância



Logo começou-se a tratar a equipe como Seleção   Cacareco. O termo cacareco figura nos dicionários, referindo-se a traste velho ou coisa imprestável. É muito comum as pessoas usarem a expressão “meus cacarecos” ao mencionar objetos, utensílios ou móveis desgastados.

Havia uma   versão, segundo a qual, a denominação depreciativa teria sido criada no Sudeste. Todavia, o achincalhe foi assumido por Aramis Trindade, um gozador nato, editor de Esportes do Diário da Noite, vespertino da Empresa Jornal do Commercio, de linguagem mais popular, contrastando com a seriedade de seu coirmão, o matutino Jornal do Commercio. A saída do DN em cada início de tarde era anunciada estrepitosamente por uma sirene. Pela popularidade, o jornal se autodenomina O Mais Lido.

Cronista esportivo e advogado, Aramis, que morreu em 2004, era filho de jornalista. Seu pai, Aristófanes da Trindade, trabalhou na Folha da Manhã e no Diario de Pernambuco. Foi também diretor do Santa Cruz, tendo chefiado a célebre Embaixada Suicida, em 1943, quando morreram os jogadores King e Papeira, de tersã maligna, um tipo de febre amarela.

Aramis, tricolor como o pai, usava o pseudônimo Cabo Tino para assinar uma divertida coluna intitulada Coisas de Mercenários, na qual exercitava intensamente sua criatividade, levando tudo na base do humor.

Assim, o negro Ananias, lateral do Santa Cruz, “baixo, torado no grosso, cujo pescoço parecia um rolo de coqueiro”, como o jornalista o definia, foi eternizado como O Galã das Gerais. Na época, a torcida coral espalhava-se pelas gerais, nos Aflitos e na Ilha do Retiro.

O Sport era chamado de O Papai da Cidade, ao mesmo tempo em que Gentil Cardoso aparecia nas páginas do DN, como O Divino Mestre.

O bairro onde está situado o Santa Cruz passou a ser chamado de Repúblicas Independentes do Arruda. Aramis criou também O País de Caruaru, quando da entrada do Central no Campeonato Pernambucano, em 1961.

Na época do auge do Náutico, na década 60, o time alvirrubro tinha o rótulo de Os Intocáveis, título de um livro e depois filme sobre a perseguição de um grupo de policiais incorruptíveis ao gangster Al Capone. O atacante Bita, do Timbu, que tinha um chute poderoso, com qualquer um dos pés, era O Homem do Rifle, em alusão a um seriado da televisão.

Num tempo em que o Náutico era chamado de O Aristocrático, enquanto no ‘Palacete’ da Av. Conselheiro Rosa e Silva realizavam-se o Baile das Debutantes, Encontro de Brotos etc., Aramis chacoalhava seu Santa Cruz, anunciando festas, como, Cuscuz ao Luar e Sarapatel Dançante.

Mais tarde, quando da passagem da Cacareco pelo Rio de Janeiro, em trânsito para o Equador, ao ser interrogado sobre a designação um tanto aviltante dada à sua seleção, Gentil Cardoso dizia ter sido coisa de um jornalista pernambucano “despeitado por não ter sido convidado para acompanhar a delegação”.

Vale salientar que durante muitos anos por determinação do Conselho Nacional de Desportos (CND), qualquer equipe brasileira que fosse ao exterior deveria levar um jornalista. Este, além das notícias de praxe, tinha a incumbência de, no regresso, enviar àquele órgão um circunstanciado relatório sobre a viagem. No caso da Cacareco estavam incluídos dois representantes da mídia, Adonias de Moura (Diario de Pernambuco) e Jorge Costa (Jornal do Commercio).

 

PRIMEIROS PASSOS

Havia muita expectativa quanto aos jogadores que o técnico Gentil Cardoso convocaria. Não faltavam palpites. Nas rodinhas na calçada do Bar Savoy existiam algumas unanimidades. Uma delas era o goleiro Waldemar, do Náutico, um jovem que tinha sido contratado ao São Paulo após uma temporada do tricolor paulista no Recife.

O volante Zé Maria, do Sport, e o meia ponta-de-lança Zé de Melo, do Santa Cruz, eram tidos como presenças certas na lista que seria apresentada por Gentil. Sucediam-se as apostas, como, por exemplo, quem seria o meia-de-ligação entre Geraldo (Náutico), Moacir (Santa Cruz) e Elcy (Sport).

No dia 9 de outubro, os amantes do futebol ficaram de ouvidos colados ao rádio para ouvir pela Clube, Jornal ou Olinda o anúncio dos convocados. Tratava-se, na realidade, de uma pré-convocação. Após avaliações médicas seria elaborada a relação definitiva. Os pré-convocados foram:

Preleção no vestiáriodo Arruda


Goleiros

Jagunço (Íbis).

Renato (Ferroviário)

Waldemar (Náutico)

Walter (Santa Cruz)

Laterais direitos

Bria (Sport)

Geroldo (Santa Cruz)

Nancildo (Náutico)

Laterais esquerdos

Dodô (Santa Cruz)

Givaldo (Náutico)

Hélmiton (Náutico)

Ney Andrade (Sport)

Zagueiros centrais

Amâncio (Ferroviário)

Edson (Santa Cruz)

Zequinha (Náutico)

Centromédios

Carvalho (Santa Cruz)

Clóvis (Santa Cruz)

Servílio (Sport)

Tomires (Sport)

Médios volantes

Biu (Santa Cruz)

Zé Maria (Sport)

Meias de ligação

Elcy (Sport)

Geraldo (Náutico)

Moacir (Santa Cruz)

Vantu (Íbis)

Pontas direitas

Manoelzinho (Asas)

Tião (Santa Cruz)

Traçaia (Sport)

Meias pontas de lança

Bé (Sport)

Joca (Ferroviário)

Zé de Melo (Santa Cruz)

Centroavantes

Neco (Ferroviário)

Osvaldo (Sport)

Paulo (Náutico)

Pontas esquerdas

Elias (Náutico)

Fernando (Náutico)

Goiano (Santa Cruz)

Ivaldo (Íbis)

Mainha (Santa Cruz)

O número de 38 convocados foi considerado exagerado. Teria sido uma maneira de agradar a gregos e troianos. Sabia-se, de antemão, que na hora do corte dos goleiros, o eficiente, porém, tímido Renato, e o esforçado Jagunço só por um milagre tomariam as vagas de Walter e Waldemar, o mesmo acontecendo noutras posições em que atletas dos clubes pequenos fossem confrontados com ‘gente graúda.’

No dia 3 de novembro, com a presença de Hilton Gosling, médico da Seleção Brasileira, e do supervisor da CBD, Mozart di Giorgio, houve a apresentação dos jogadores, no Santa Cruz, escolhido como local dos treinos e da concentração. Chamado de Alçapão do Arruda, o campo tricolor não tinha a posição atual. As barras eram situadas onde estão hoje as arquibancadas, uma no lado da Av. Beberibe, e a outra na parte que dá para a Rua Rosa Gatorno. O local era cercado por coqueiros e mangueiras, havendo uma tosca arquibancada de madeira no trecho da Rua das Moças, onde ficava o apertado portão de entrada.  Tendo sido Gentil treinador do Santa Cruz, até dias antes, chegou-se à conclusão de que haveria mais facilidades para o desenvolvimento dos trabalhos num ambiente que o treinador conhecia de olhos fechados.

O comando técnico do Santinha passou a ser exercido por um treinador vindo do Rio de Janeiro, Ricardo Magalhães, nascido em Olinda, embora tenha sido criado no então Distrito Federal. Era filho de Sérgio Magalhães, irmão do ex-governador de Pernambuco, Agamenon Magalhães. Sérgio vivia na capital do País, no caso, o Rio, onde militava na política.  

Coube ao supervisor da Seleção, o gerente de banco Ivanildo Souto da Cunha, o ex-jogador Ivanildo, na intimidade Espingardinha, do Náutico, fazer a apresentação do elenco. Quase em tom de discurso, Hilton Gosling lembrou aos convocados que estaria em jogo o bom nome do futebol brasileiro.

– Essa responsabilidade – advertiu – é dos jogadores, que devem esquecer as rivalidades para, unidos, defenderem o prestígio do futebol nacional.

Todavia, o médico oficial da CBD não figurava na relação dos que iriam viajar, e a missão foi confiada a um dos três integrantes do departamento médico da FPF, Laudenor Pereira. Além da medicina atuava ao microfone, como narrador da Rádio Clube de Pernambuco, juntamente com o irmão, comentarista Itamar Pereira, mais tarde desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Para auxiliar Laudenor na Seleção foram requisitados os massagistas/enfermeiros João de Maria, do Santa Cruz, e Edmundo Lopes, do Estudante, clube recifense situado na Av. Liberdade, no Barro. Edmundo acumulava a função de roupeiro.

Começaram os exames médicos para evitar que jogadores lesionados fizessem parte da lista definitiva, criando dificuldades para a Comissão Técnica.

O Alçapão do Arruda passou a viver uma grande movimentação, com a presença permanente da imprensa e dos torcedores, que tudo presenciavam, das arquibancadas de madeira existentes no lado da Rua das Moças.

ilitar na Cacareco (6)

ORGULHO DE RUBÃO

Gentil Cardoso era muito vaidoso e fazia de tudo o que estava a seu alcance para aparecer nos noticiários e na boca dos torcedores. Foi iniciada a fase de exames laboratoriais e teste físicos. No vestiário do Alçapão do Arruda passou a haver intensa movimentação, com Laudenor Pereira em plena atividade no departamento médico. Quem era aprovado ficava imediatamente liberado para os treinamentos, que estavam sendo iniciados.

Gentil havia pedido a inclusão, na delegação, do preparador físico Jair Raposo, com o qual já tinha trabalhado no Rio. O técnico sempre caminhava de um lado para outro do gramado, carregando uma tabiquinha nas cores preto, vermelho e branco, tendo na parte superior o formato de uma cabeça de cobra coral, o símbolo do Santa Cruz.

Os jogadores passaram a dar expediente integral na concentração, o que constituía uma novidade, muitas vezes dormindo lá. Contou o jornalista Givanildo Alves na série “História do Futebol em Pernambuco – 1950/1990”, publicada em 1995 pelo Diario de Pernambuco:

Com apenas 30 dias para treinamentos, os jogadores passaram a se submeter a intensas atividades físicas pelo preparador Jair Raposo e supervisão de Gentil Cardoso. De megafone na mão e boné na cabeça, ele ficava por dentro do gramado dando as ordens. Em dado momento, o ponteiro direito Tião, que era seu jogador preferido, bateu mal um escanteio. Gentil pôs o megafone na boca e gritou:

– Vai bater de novo, Tião.

O ponteiro foi lá e bateu de novo. E mal. Gentil, incisivo: 

– De novo, Tião.

Com a bola debaixo do braço, o ponteiro voltou à orelha de corner. Chute torto novamente, indo a bola por trás da barra.

– De novo, Tião – bradou Gentil.

Tião foi lá, ajeitou a bola na marca, ergueu-se e, de olhos rútilos, encarou firmemente Gentil, que gritou pelo megafone:

– É a sua mãe, Tião!   

Numa entrevista concedida ao DP, Rubem Moreira demonstrava sua felicidade pela presença da Seleção Pernambucana no Equador, vestindo a camisa do Brasil.

 – Antes de mais nada, devo esclarecer que não foi pequeno o esforço desenvolvido para conceder a Pernambuco a honra de defender o Brasil numa competição internacional de futebol. Qual Estado brasileiro não se sentiria honrado e jubiloso de representar a CBD numa competição internacional? A batalha foi grande, porém, o prestígio e o poderio do futebol pernambucano subiram a tal ponto que, finalmente, foram reconhecidos pela alta direção da CBD.

JAIME DA GALINHA

Comandava a parte administrativa o superintendente da FPF, Jaime de Brito Bastos, o popular Jaime da Galinha.

O apelido surgiu na época em que ele jogava basquete pelo Náutico. Numa decisão com o Sport, nos Aflitos, por estar suspenso, portou-se como mero espectador, misturando-se à torcida. Um torcedor alvirrubro apareceu com uma galinha preta amarrada a uma fita vermelha, portanto, nas cores do adversário. Sem dúvida, um catimbó para ‘segurar’ o time rubro-negro.

O problema era encontrar alguém que tivesse coragem de jogar a ave no meio da quadra. Hoje seria uma ação merecedora de reprimenda, mas naquele tempo, ninguém dava importância. Jaime, chegado a uma galhofa, encarregou-se da tarefa. Foi aquela agitação, com correrias, da galinha e dos jogadores em meio à quadra.

A partir daquele incidente, como havia outras duas pessoas no Náutico chamadas Jaime, quando alguém se referia ao autor do ‘galinhaço’, tratava-o como “Jaime, aquele da galinha”. A alcunha pegou.

Folclore à parte, Jaime de Brito Bastos, falecido em 25/08/2006, formado em educação física, trabalhou no futebol do Náutico, Santa Cruz e Sport, como preparador. No Santa chegou a ser o técnico da equipe principal em 1964 Ex-jogador e ex-treinador de basquete, com vários títulos conquistados, inclusive o de campeão carioca duas vezes pelo Botafogo, militou noutros esportes, como o atletismo, tendo chegado a ganhar medalha de bronze no arremesso de peso e na corrida de 75 metros rasos. Foi também professor de natação, tendo desenvolvido esta função no Comércio Futebol Clube, em Caruaru, na época em que que atuou numa fábrica da Coca Cola que existiu na Capital do Agreste. Trabalhou muito tempo no Sesi, na área esportivo-recreativa.

Era preciso ter paciência para suportar as exigências e caprichos de Gentil Cardoso, qualidade que sobrava em Jaime, acostumado a lidar com os rompantes e os palavrões de Rubem Moreira, na Federação.

Entre outras coisas, o treinador determinou que aos jogadores fosse servido do bom e do melhor e não abria mão do que chamava de “pequeno almoço”, um lanche reforçado entre o café da manhã e o almoço.

LEMBRANÇAS DA CASERNA

O suboficial Gentil Cardoso tinha orgulho da passagem pela Marinha do Brasil. A lembrança da caserna ainda o acompanhava, levando-o a tomar no futebol algumas medidas, como se estivesse no quartel. Ou no navio.

Foi bastante criticado quando ordenou que a turma da Cacareco cortasse o cabelo no estilo recruta. Tratava-se do corte ‘jaquideme’, na linguagem do povão, bastante usado pelos jovens. Era inspirado no modelo usado por Jackie Dempsey, notável pugilista norte-americano, que ao cortar o cabelo mandava rebaixar bastante, quase pelando, a parte de trás.



Como não poderia deixar de ser, houve quem chiasse, mas sem efeito. Um barbeiro foi contratado para comparecer ao Arruda a fim de deixar as cabeleiras dos futuros representantes do País, lá fora, dentro do figurino.

– Os que que vieram do Sul, Edson, Goiano, Paulo e Servílio não gostaram nem um pouco, mas tiveram que obedecer. Não havia necessidade, e ele (Gentil) fazia aquilo pra se mostrar. Queria aparecer   – comentou o ex-jogador Zé Maria, um dos integrantes da Cacareco, em entrevista a mim concedida. O paraense José Maria Sales, que acaba de nos deixar para sempre, em 21/03/2021, com 89 anos, já havia trabalhado com Gentil, em 1955, no Sport.

Cada jogador recebeu uma cartilha intitulada “Regulamento do Atleta”, contendo 40 normas a serem cumpridas, com destaque para o item 10: “Acatar com respeito os conselhos do técnico. Seguir as suas instruções, atender as suas observações e reconhecer a sua autoridade.”

Outro aspecto da caserna dado pelo Velho Marinheiro foi criar o cargo de oficial de dia na concentração. Diariamente um jogador, como se   estivessem todos num quartel, assumia essa função, encarregando-se de resolver ou encaminhar os problemas que surgissem. Cabia-lhe escrever uma frase de apelo moral ou cívico num quadro negro, sob a epígrafe de “lema do dia”. Novamente Zé Maria criticou, com muito conhecimento de causa:

   Ele   fazia   isso   também   no   Sport, na concentração de Caxangá. O oficial de dia era mais pra não deixar os jogadores irem para os quartos dormir, depois do almoço. Gentil dizia que fazia mal, mas ele ia – ironizava o paraense, que durante vários anos foi capitão da equipe rubro-negra.        

Aliás, certo dia na concentração da Cacareco o quadro desapareceu. Tome confusão, mas como se tratava de uma das inúmeras presepadas que os jogadores faziam com o técnico, terminou sendo colocado no devido lugar.

 

HINO NACIONAL

Quando o grupo já estava definido, faltando pouco para a viagem, foram programadas aulas de canto diariamente, organizadas por Gentil, com o apoio do presidente Rubem Moreira.

   É   uma   vergonha chegar a Seleção Brasileira lá fora e os jogadores não saberem cantar o hino do seu país ou algumas canções-pátrias – queixava-se o treinador, com razão, pelo menos em relação ao Hino.

Foi   contratado o maestro da banda dos Fuzileiros Navais para ensaiar com o elenco. Participavam todos os membros da   delegação, inclusive o presidente da Federação, o irrequieto e explosivo Rubem Moreira, chegado a um palavrão, mesmo nas suas conversas coloquiais.

Enquanto isso, Ivanildo Souto da Cunha, ex-jogador e dirigente do Náutico, gerente de banco, renunciava ao cargo de supervisor da Seleção, alegando afazeres profissionais. Era voz corrente, entretanto, que o velho ídolo Espingardinha, da torcida alvirrubra, não aceitara os métodos de Rubem, que costumava dar palpite em tudo.

 

 

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