Uma aventura do garoto Rildo com Garrincha na noite mexicana

 

LENIVALDO ARAGÃO



 

– Baixinho, Cotia tá aí, aparece, vamos almoçar com ele.



O convite do ex-craque Laxixa ressoava quase que como uma ordem, ao mesmo tempo em que soava como uma importante motivação jornalística. Enfim, não era a todo momento que tínhamos a oportunidade de conversar com o ex-craque Rildo. Sempre tínhamos o que extrair dele, que brilhara profissionalmente defendendo Botafogo, Santos – na época os dois melhores times do Brasil, verdadeiras atrações mundiais –, Ceub-DF e ABC. Inclua-se nesse prontuário os dois anos de New York Cosmos, ao lado de Pelé, Carlos Alberto Torres, Beckenbauer, Chinaglia e outros medalhões do futebol internacional.

Botafogo 1962: em pé, Paulistinha, Manga, Jadir, Nilton Santos, Airton e Rildo; agachados, Garrincha, Edson, Quarentinha, Amarildo e Zagallo (Reprodução internet)


Na adolescência, Rildo da Costa Menezes, nascido em 23/01/1942, no recifense bairro de Santo Amaro, berço de tanta gente boa de bola, como o volante Zequinha, o lateral Gena, o zagueiro Fraga, os atacantes Vavá e Bodinho, este famosíssimo no Sul, e tantos outros, participara de alguns treinos do juvenil do Íbis, tendo se bandeado para a Ilha do Retiro.

De lá foi levado por Cier Barbosa, ex-dirigente do Santa Cruz e do Ferroviário, para o Botafogo. Cier, que mantinha uma oficina de conserto de máquinas datilográficas, peças obrigatórias em qualquer escritório, antecessoras dos atuais computadores, funcionava como olheiro de vários clubes sudestinos, no Recife, cidade considerada uma ‘fábrica’ de jogadores.


Santos: em pé, Cejas, Orlando Lelé, Ramos Delgado, Oberdan, Clodoaldo e Rildo; agachados, Davi, Lima, Mazinho, Pelé e Edu (Foto: Revista do Santos)


Em 1958, o garoto franzino, irmão de Bero, aspirante do Santa Cruz, que deixou o futebol para ser bancário, era um dos milhares de torcedores tomando banho nas ruas da capital pernambucana, naquele dia de chuva intensa, para ver a passagem dos campeões do mundo, entre os quais o pernambucano Vavá. Eles rumavam em carro de bombeiros para uma homenagem no Clube Português, na sua não tão bem recebida permanência recifense, de algumas horas, ‘forçada’ pelo presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Rubem Moreira. Após a travessia do Oceano Atlântico, depois da conquista da Copa do Mundo na Suécia, os campeões mundiais pisavam em solo brasileiro pela primeira vez.

Em 1961, Rildo passava a conviver, embora ainda timidamente, com alguns daqueles cobrões que havia visto de perto, no tumultuado desfile pelo Recife, no caso Garrincha, Nilton Santos, Didi e Zagallo. O novo lateral botafoguense soube, depois que já se encontrava em General Severiano, que o Botafogo procurava um reserva para Nilton Santos. Na preliminar de um amistoso com o Sport, o técnico João Saldanha viu Rildo em ação e recomendou sua contratação.

Eu o conheci no Rio. Depois de um jogo em que o Náutico perdeu a duras penas para o Vasco por 1x0, gol contra do zagueiro Mauro ao apagar das luzes, o sempre brincalhão Rildo era um dos muitos pernambucanos a comparecer ao vestiário alvirrubro, no Maracanã, para cumprimentar a turma. Sua calça bastante pra frente, bem ao gosto de um jovem da época, jogador de futebol de uma importante equipe nacional, era alvo de gozação do conterrâneo Ademir, uma referência do futebol mundial, transformado em comentarista de rádio e jornal.

– Vê se não chegas lá (no Recife) com essa roupa, vai pegar mal – dizia Ademir, arrancando risos do próprio Rildo e de alguns defensores do representante de Pernambuco na Taça Brasil.

Algum tempo depois, noutra cobertura na ex-capital do Brasil, estive com Rildo, juntamente com o fotógrafo Antônio Colhado, do Diario de Pernambuco, no apartamento de José Teixeira de Carvalho, árbitro pernambucano que estava apitando no Rio, de onde se transferiria para os Estados Unidos.  

ABC em 1972: em pé, Sabará, Edson, Tião, Nilson, Maranhão e Rildo; agachados, libânio, Alberi, Danilo Menezes, Petinha e Soares(Foto: Facebook)


Daí para frente, estivemos juntos em várias oportunidades, como na inauguração do Rei Pelé, em Maceió, que já estavam chamando de Pelezão, com a presença da equipe do Santos.

Soube que quando o avião se preparava para descer na capital alagoana, ele dirigiu-se aos seus companheiros, como se fosse fazer um discurso. Provocou gargalhadas dos santistas e demais passageiros ao dizer:

– Atenção, Pernambuco fica perto daqui. Depois do Pelezão, vamos para lá inaugurar o Rildão.

Ao encerrar a carreira, fixou residência em Los Angeles, onde mantinha num clube uma escolinha de futebol, dirigida principalmente à comunidade japonesa. Anualmente vinha ao Brasil. Passava o Carnaval no Rio, mas antes ou depois fazia a habitual visita à terrinha, onde mantinha alguns negócios, acompanhados de perto pelo irmão.

Brasil 1965. Em pé, Djalma Santos, Belline, Manga, Orlando, Rildo e Dudu; agachados, Mário Américo (massagista), Garrincha, Ademir da Guia, Flávio, Pelé, Rinaldo e Santana (massagista)

Os almoços com Laxixa transformavam-se às vezes numa farra, não tanto por causa de Rildo, que pedia uma vodka e com ela passava a tarde. Porém, sempre havia circunstantes. Foi numa dessas ocasiões que ele me contou uma experiência vivida com Garrincha, capaz de provocar risos depois, numa roda de amigos, mas que poderia ter atrapalhado sua ainda incipiente carreira.

Rildo ainda estava verdinho no Botafogo, quando teve a oportunidade de fazer sua primeira excursão pelo clube da Estrela Solitária. Destino, México, um país de cultura popular efervescente, com uma sólida ligação e amizade com o Brasil. O pernambucano ainda procurando se adaptar no meio daquelas cobras criadas, numa certa noite em que o pessoal estava liberado, recebeu um convite de Garrincha para dar uma volta. Topou. Foram parar numa boate não tão longe do hotel. Logo Garrincha foi reconhecido e entrou no fuzuê. Haja tequila e dança. Meio perdido, Rildo só fazia observar. E rir.

Lá para as tantas, chegou a hora de retornar ao hotel. Garrincha contratou uma orquestra de mariachis, conjunto musical típico do país, para acompanhá-los. E sai aquela pantomima pela rua até o hotel. Só que o célebre ponta direita tomou o rumo do apartamento, que dividia com Rildo, adormeceu e deixou os músicos esperando para receber a remuneração pelo trabalho exercido. O pessoal da direção botafoguense foi avisado e resolveu a situação, mas no dia seguinte tratou de inquirir Garrincha. Ao descobrir que Rildo também estava na farra e praticamente sem condições de se levantar, o austero e ás vezes brutamontes técnico Paulo Amaral determinou que o menino que tinha vindo do juvenil fosse mandado de volta para o Brasil.

– Tá vendo, Mané, o que você arranjou pra mim? Tô doente e vou ter que regressar.

– Acho que você bebeu tequila demais – argumentou o “anjo das pernas tortas”.

– Só bebi duas doses – respondeu Rildo.

– Então, a culpa é sua porque eu tomei dezesseis e estou aqui, inteiro – estranhou Garrincha.

A ira de Paulo Amaral foi aplacada, depois que o grande Nilton Santos interveio, pedindo clemência para Rildo.

– Deixa o garoto ficar, ele não vai mais fazer isso...

Bom, Rildo permaneceu, mas agora muito precavido, enquanto Garrincha, que se fosse outro certamente seria multado, foi instado a respeitar os horários. E só!        

 

 

 

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