BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 Como Santa Cruz do Capibaribe festejou o maracanazo em 1950


 

Nesse 16 de julho de 2021, os argentinos ainda estarão agitando a Praça do Obelisco, festejando a conquista da Copa América. Seus – e nossos – vizinhos  uruguaios certamente recordarão pela mídia  célebre e inesquecível façanha de 16/7/1950. Correndo por fora, sem ninguém acreditar na sua capacidade, o Uruguai levantou a primeira Copa do Mundo realizada no Brasil. Seu feito tornou-se mais significativo por ter sido registrado em cima do país anfitrião, e de virada. Brasil 1 x 2 Uruguai. Foi o célebre maracanazo. Num dos meus livros com histórias engraçadas do futebol, chamado “No Pé da Conversa”, contei a meia comemoração havida em minha terra natal, Santa Cruz do Capibaribe. Sob o título “Foi sem ter sido”, está assim narrado o hilariante episódio ocorrido naquele dia na Terra das Confecções e das Gameleiras:

“Em 1950, Santa Cruz do Capibaribe era uma acanhada vila do município de Taquaritinga do Norte e tentava, com muita dificuldade, sua emancipação política. Já engatinhava na sulanca, na época, chamada de retalho. Não é por acaso que hoje ostenta o título de Capital da Sulanca.

Santa Cruz do Capibaribe no passado bem antigo (Divulgação)


Seu povo, sempre participativo, orgulhava-se da Sociedade Musical Novo Século (4/10/1900) e da Sociedade Esportiva Ypiranga Futebol Clube (3/7/1938). Outro orgulho dos santa-cruzenses era a luz elétrica, implantada em 1922, tanto que havia uma música popular com que o povo daquele tempo em que a luz chegou, ironizava a sede municipal, situada em cima da Serra da Taquara, e que ainda vivia às escuras.

“Taquaritinga parece um cuscuz / Santa Cruz tem luz / Quem foi que botou? / Foi Luiz Alves, que é o homem do dinheiro / Foi no estrangeiro e comprou um motor”.

Eram tempos das badaladas na Matriz do Senhor Bom Jesus, às 6, 12, 18 e posteriormente 21 horas, aqui indicando o momento de rapazes, moças e meninos recolherem-se. Uma hora depois, a luz se apagava.

Sem outro meio de comunicação, os foguetões soltados na Volta do Serrote, hoje já dentro da cidade, davam o aviso quando ia chegando algum visitante ilustre ou os times que iam enfrentar o Ypiranga.

Como em qualquer lugarejo havia um grupo de amigos que estava sempre a aprontar, com suas presepadas: Tiriba ou Severino Cuscuz, meu tio João Moraes, Noronha, Manoel Boneco e Raimundinho Balbino.

Os poucos rádios existentes na vila eram uns verdadeiros trambolhos movidos a válvula. Vez por outra tinha-se que desligar o bicho, senão ele estourava de tanto esquentar. Contavam-se nos dedos.

Vista parcial de Santa Cruz do Capibaribe atualmente (Foto: Wikipédia)


Na Copa do Mundo, não se esperava outra coisa senão a vitória do Brasil sobre o Uruguai, no Maracanã, recém-inaugurado, com o Brasil jogando pelo empate. Só alguns tiveram o privilégio de acompanhar o jogo pelo rádio, transmissão em ondas curtas, com o som fugindo de vez em quando.

Conta o sulanqueiro Zé Romildo, com uma longa vivência em São Paulo, onde durante muito tempo foi vendedor das Casas Pernambucanas, e um estudioso das coisas de Santa Cruz, que na frente da casa de Otávio Limeira Alves – hoje nome do estádio, dado por este colunista –, onde uma turma ouvia o jogo, foi colocada uma girândola para se comemorar a conquista, tanta certeza se tinha.

A história todos sabem. O Brasil só precisava empatar, fez 1 x 0 e terminou perdendo por 2 x 1. Como em qualquer parte do Brasil, os santa-cruzenses mostravam-se tristes e decepcionados com o que ouviam. Entretanto, foi o jogo terminar para se ouvir um foguetório. Espanto geral, uma vez que não havia uruguaios em Santa Cruz para comemorar a vitória de seu time. Só depois de alguns momentos é que se matou a charada: o presepeiro Raimundinho, um dos que faziam parte da patota, pai de Zé Romildo, saíra de fininho e mandou que soltassem a girândola. E tome pipoco no ar. Quem estava ao pé do rádio assustou-se. Quem não estava tão ligado assim, saiu à rua para festejar, com a certeza de que o Brasil tinha sido campeão do mundo.

Santa Cruz do Capibaribe foi, assim, o único lugar no Brasil a festejar a conquista que não houve. Como a Batalha de Itararé.”

 

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