BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 Menino treloso, motorista afobado e o time do Náutico na delegacia

 

Náutico 1977. Em pé, Carlos Alberto Rocha, Ednaldo, Sidcley, Marião, Tonho e Chico Fraga; agachados: Zuza, Jairo Mendonça, Campos, Didi Duarte, Liminha e Miro (massagista) (Foto:  do livro Náutico, Retrospecto de Todos os Jogos, de Carlos Celso Cordeiro - in memorian - e Luciano Guedes Cordeiro)




 



Começo do Campeonato Brasileiro de 1977. Houve um fato em Alagoas, que cheirou ao tragicômico. CSA e Náutico enfrentaram-se no Rei Pelé. Encerrada a partida, a torcida alagoana comemorava a vitória de seu time. Poucos representantes da timbuzada, insatisfeitos, reclamando da arbitragem. O bate-boca entre torcedores das duas equipes foi inevitável. O ônibus que conduzia a delegação do Náutico acabou sendo apedrejado à saída do estádio.

A polícia chegou junto, mas não conseguiu evitar o conflito. Uma pedra atirada pelo menor José Alves da Silva, acabou acertando a filha do dirigente Antônio Amante – foi presidente em 1989/91. A garota levou um corte na testa e foi atendida ali mesmo. Porém, quem acabou perdendo a cabeça foi o motorista do ônibus, Francisco Borges da Silva. Ele não quis conversa. Agarrou o garoto, colocou-o ao seu lado, na parte de frente do veículo, e esbravejou:

– Só vou soltá-lo no Recife.

 E arrancou com o coletivo, rumo à rodovia que liga as duas capitais. A torcida alagoana ficou quieta. A verdade é que o clima já vinha tenso. Três dias antes, uma quinta-feira, tinha havido guerra em Pernambuco, depois do jogo Náutico 1, CRB 0, nos Aflitos. E os alagoanos apanharam. Naquele mesmo domingo do quiproquó em Alagoas, o pau estava comendo na Paraíba. O CRB batia em campo no Botafogo de João Pessoa, mas nas arquibancadas, tome porrada na turma da Terra dos Marechais.

No incidente na capital alagoana, o Centro de Operações da Polícia Militar de Alagoas entrou em ação, depois de ter sido informado de que um menino havia sido ‘sequestrado’ pelo pessoal do Náutico. A Polícia Rodoviária também foi acionada. Na delegacia do centro de Maceió, os pais do garoto e os torcedores do CSA permaneciam de plantão, indignados. Até que o ônibus foi localizado e detido. Já estava na altura da divisa de Alagoas com Pernambuco.

– Cadê o menino? – quiseram saber os policiais.

O motorista disse que ele havia sido liberado, mas a guarnição militar obrigou a delegação voltar. Tudo preso. Revoltados e escoltados, os jogadores do time pernambucano tiveram que suportar aquela humilhação sem chiar para que a coisa não ficasse pior. Pior foi chegar à delegacia sem o ‘sequestrado’.

La na salinha, o acossado e nervoso Francisco ainda tentou desconversar, todavia, terminou dando o serviço. Tinha levado o garoto para lhe dar uma lição, mas o havia liberado, depois de alguns sermões, no Tabuleiro dos Martins, a 20 quilômetros do centro da cidade.

O jeito era esperar que a ‘vítima’ desse sinal de vida. Só que, mais liso do que um muçum, José teve que retornar a pé. Pelo menos foi o que relatou. Uma caminhada e tanto. Mas como no baião de Luiz Gonzaga, que diz “penei, mas aqui cheguei”, o menor arruaceiro terminou aparecendo em sua casa. Ao serem informados de sua chegada, os jogadores exultaram.

 – Estamos livres, já podemos viajar?

 –Ainda não – respondeu o delegado.

É que a história do sequestro havia gerado uma queixa-crime contra o Náutico. O pai do menino estava irado e queria ver todo aquele povo no xilindró. Os alvirrubros tiveram que gastar muita saliva para aplacar o veneno daquela cobra.

Finalmente, já na alta madrugada, quando a queixa foi retirada, os cansados e sonolentos alvirrubros puderam pegar a estrada.

 

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