O sumiço de Mr. Lowe
Em
1950, Pernambuco sediou os Jogos Universitários Brasileiros, um evento que, na época,
era muito valorizado, principalmente o futebol. Havia vários universitários que
defendiam equipes profissionais por esse Brasil afora. Às vezes, porém, o
jogador era matriculado de araque numa faculdade, só para poder competir.
Um
ano antes do JUBs no Recife tinha sido realizada uma competição idêntica, em
caráter extraordinário em Salvador, comemorando o Dois de Julho, a data magna
de lá, que os baianos consideram a verdadeira Independência do Brasil.
Ao
chegar à Boa Terra, de navio, a delegação pernambucana foi recebida, entre
outros, por Leça e Zeca Peneira, goleiros pernambucanos, titulares do Bahia e
do Vitória, respectivamente.
Entretanto,
naquele momento, a pernambucanidade falava mais alto e os dois estavam lado a
lado para dar as boas-vindas aos conterrâneos. Era uma oportunidade para se
atualizarem com os acontecimentos e as fofocas da terrinha em época de
comunicações ainda precárias.
Por
intermédio da dupla, a turma de Pernambuco ficou sabendo que a seleção
universitária baiana de futebol estava repleta de jogadores profissionais.
O
próprio Leça tinha sido consultado sobre a possibilidade de “matricular-se” na
Escola de Ciências Econômicas de Salvador para poder entrar no time. Não topou.
Mas outros jogadores concordaram. A mutreta comia no centro em toda parte.
De
cara, Pernambuco derrotou a Bahia num jogo supercatimbado, no campo da Graça,
que não existe mais.
Voltemos
ao JUBs pernambucano. No futebol, o tampa de crush era o Paraná, com nada menos
do que oito jogadores pertencentes ao Coritiba, entre os quais o festejado
Fedato, que pouco tempo depois chegaria à Seleção Brasileira.
Pernambuco
também contava com uma equipe respeitável, mas bem menos cotada em relação aos
representantes da terra das araucárias, os quais, confrontados na análise com o
time da terra dos altos coqueiros levavam ampla vantagem.
A
formação básica da equipe da casa era Paulinho Viana; Baixinha e Becão; Dico,
Adiles e Ribot; Paulo Ramos, Lulinha Barbosa Lima ou Armando Carvalheira,
Varejão ou Clóvis Correia, Júlio Jésum de Carvalho, o Julinho, do América, mais
tarde advogado, deputado e dono da Rádio Relógio Musical, e Carlos Roberto, o
popular Galo Doido.
Jogavam
ainda Brivaldo, Bequinho, irmão de Becão, Paulo Uchoa, Zé Mário e Genival. Todo
esse pessoal fazia algum curso para valer, sendo a maioria dividida entre Medicina
e Direito.
Wladimir
Pugliesi, ex-zagueiro do Náutico, era o presidente da Fape (Federação Acadêmica
Pernambucana de Esportes). Na equipe da camisa azul e branca havia gente do
Náutico, como Lulinha Barbosa Lima, enquanto Clóvis Correia tinha atuado pelo
Sport ao lado de Ademir, Magri (argentino) e Djalma (não confundir com o meia
que morreu em 2012).
Pernambuco
e Paraná classificaram-se para a grande final. O jogo tomou conta da cidade. Na
esquina da Sertã, na Avenida Guararapes, ou no Café Lafayete, pontos de
encontro dos torcedores, só era no que se falava. Pato Cego, o chefe da torcida
pernambucana engendrava mil e uma maneiras de tirar o sossego dos sulistas.
Talvez ele não soubesse que a cartolagem da terra também procurava descobrir
uma fórmula para evitar que o Paraná levasse a taça.
Fora
do futebol, as campanhas eleitorais corriam soltas. João Cleofas e Agamenon
Magalhães disputavam o governo do Estado, e no plano nacional havia três
pretendentes ao Palácio do Catete, pois o Rio de Janeiro anda sediava a capital
do País. Os candidatos eram o brigadeiro Eduardo Gomes (União Democrática
Nacional-UDN), Cristiano Machado (Partido Social Democrático-PSD) e Getúlio
Vargas (Partido Trabalhista Brasileiro-PTB), que seria eleito.
Quanto
ao jogo, o pessoal do Paraná tinha suas cismas, temendo alguma sacanagem, o que
era uma praxe nos Jogos. Porém, a tranquilidade e a confiança passaram a reinar
na delegação, depois que surgiu a notícia de que a final seria dirigida por Mr.
Lowe, um inglês que pertencia ao quadro de árbitros da Federação Pernambucana
de Desportos, mais tarde Federação Pernambucana de Futebol. Já os pernambucanos
não gostaram porque o britânico era correto demais para o gosto deles.
No
dia da decisão, um sábado de sol e muita movimentação, logo cedo os torcedores
foram chegando ao Estádio da Ilha do Retiro, que não demorou muito para ficar
lotado. Receava-se até uma tragédia, pois o jogo foi de portões abertos.
Com
a aproximação da hora da partida, os paranaenses, que já estavam receosos,
tremeram nas bases ao serem informados de que Mr. Lowe não apitaria o badalado
encontro por ter sido acometido de um mal súbito.
Os
sulistas entreolharam-se um tanto desiludidos, já antevendo o que estava para
acontecer. Quiseram até indicar Baby – o advogado Nelson Oliveira – para ser o
juiz. É que Baby, irmão de Ivan Ruy, militar e futuro presidente do Sport,
tinha dirigido um jogo deles, saindo-se muito bem. Mas Baby julgou-se suspeito,
posto que embora já tivesse terminado o curso de Direito, continuava muito
ligado à diretoria da Fape.
A
missão coube a Leon Markman, tendo como auxiliares, Batista da Conceição e
Ponciano, todos da FPD, sendo que Ponciano era unha e carne com os diretores da
Fape.
Ao
adentrar o gramado, vendo aquele povão pronto para empurrar o time da casa à
vitória, a turma sulista deve ter pensado que sua hora havia chegado.
Não
saía da cabeça dos paranaenses a ideia de que algo tinha sido “fabricado” para
dar o título aos pernambucanos.
O
jogo, como se esperava, foi duríssimo e tenso. Vitória do time da casa por 1 x
0. O gol surgiu numa cobrança de escanteio. Clóvis Correia aproveitou-se da
confusão na chegada da bola e atirou nos olhos do goleiro um punhado de cal,
propositadamente retirado da linha demarcatória da área.
Comportamento
antiético e até desumano, mas certos princípios estavam pouco interessando
naquele momento. Além do mais, aquela maneira escabrosa de procurar levar
vantagem não consistia em nenhuma novidade. Foi assim que Clóvis conseguiu
assinalar o único gol do jogo.
O
estádio explodiu, e enquanto a turma do Paraná protestava, inutilmente, o
bandeirinha Ponciano dava pulos de alegria, junto com os torcedores. Era a
glória, Pernambuco campeão.
Sim,
e Mr. Lowe? O inglês, àquela altura, curtia uma ressaca das brabas, no Grande
Hotel, atual Fórum Thomaz de Aquino, no centro do Recife. Era lá que ele
residia.
Como
todo britânico que se preza, o árbitro estrangeiro tinha o hábito de todos os
dias, na hora do almoço, geralmente no Pina, tomar um drinque. Naquele sábado,
por “coincidência”, apareceu no restaurante predileto do britânico, Olímpio
Mendonça, acadêmico de Direito, e um dos dirigentes da Fape, mais tarde
jornalista e deputado estadual.
Os
dois travaram uma conversa amistosa, e Olímpio prontificou-se a levá-lo ao
estádio, no seu carro, logo que terminasse a refeição.
Só
que em vez da Ilha tomou foi o rumo da distante e pouco habitada praia de
Piedade. Parou numa palhoça situada em local ermo, onde nem ônibus passava. Só
carro de aluguel.
Mr.
Lowe estranhou o lugar, reclamou, estrebuchou, mas como já estava no embalo,
foi convencido a tomar mais uma dose de uísque, seguida de outras, às custas de
seu “algoz”.
Ao
notar que o gringo já estava pronto, o universitário colocou-o num carro de
praça, mandando deixá-lo no hotel e, missão cumprida, saiu à toda para a Ilha,
onde pegou um restinho da festa. E foi festejado como herói.
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