A TURMA DO APITO (1)

   Aramis e a lei do rei Salomão


Luiz Meireles, à direita teve que sair da Ilha para bem longe (reprodução internet)


Em 1964, Pernambuco acolheu mais uma edição dos tradicionais Jogos Universitários Brasileiros, que naquela época se constituíam um verdadeiro acontecimento, com ampla cobertura da imprensa. Como sempre, o futebol era a modalidade que mais despertava o interesse geral. Pernambuco e Minas Gerais classificaram-se para disputar a final, último ato da competição, também chamada de olimpíada universitária. É bom lembrar que os JUBs revelavam muitos talentos que mais tarde defendiam o Brasil nas mais diversas modalidades.

Jogo de portões abertos, Estádio da Ilha do Retiro lotado. Na arbitragem, um árbitro profissional, componente do quadro de árbitros da Federação Norte-Riograndense, Luís Meireles. Tarde de domingo, sol de verão.

Partida disputadíssima, sob intenso nervosismo. Em certo momento, um pernambucano atingiu deslealmente um mineiro. O revide foi imediato, e subitamente, todo o mundo estava brigando, inclusive os reservas. Como os mineiros estavam hospedados na antiga Base Naval, tinham sido presenteados com alguns cintos de fuzileiros navais. A turma das Alterosas não teve dúvida e passou a utilizá-los como instrumentos de ataque e defesa. Porém, apesar das bordoadas que levavam, os da terra formavam uma incomparável maioria, principalmente após a torcida invadir o campo e começar a participar do charivari, como se dizia naqueles tempos. 

            O jogo estava empatado em 1 x 1 e não restou alternativa a Luís Meireles a não ser dar nos calos. E foi o que aconteceu quando ele percebeu que não agradava nem a uns nem a outros e que tanto o pessoal da casa, como os visitantes, queriam sua caveira. Ou seja, situação incontornável.

Olten Aires de Abreu, também nascido no Rio Grande do Norte, mas vivendo em São Paulo – e que anos depois seria contratado pela Federação Pernambucana de Futebol – estava no Recife como um dos árbitros designados para atuar nos Jogos. Metido a valente, Olten protegeu a entrada do vestiário, enquanto Meireles saía dali, conduzido por Carlos Falcão, o conhecido Carlito, do vôlei, e Valdeci Gonçalves, do Sesc. Tremendo mais do que vara verde, uma vez que a ira de uns e outros voltava-se contra ele, Meireles foi conduzido para o antigo Retiro dos Padres, no biarro de Beberibe, ficando, portanto, bem longe do palco dos acontecimentos. Mas, de qualquer maneira apreensivo. Não foi tão fácil deixar o estádio. O papa-jerimum, como o povo potiguar era chamado, na época, teve que se deitar no piso de trás do carro, para não ser descoberto. Enquanto isso, Roberto Córcio de Queiroz, o conhecido Financial, que, mesmo sendo mineiro, era o técnico da equipe pernambucana, procurava contornar a situação, mas sua iniciativa era inútil.

            Foi necessária a realização de uma reunião urgente do Tribunal dos Jogos, na sede da Fape (Federação Acadêmica Pernambucana de |Esportes), que funcionava na Rua do Cupim, no Espinheiro. A Fape, aliás, era comandada por dois Jocas. Tinha como presidente, João Pinto de Azevedo, e como vice, João Caixero de Vasconcelos.

Aramis Trindade, o defensor dos pernambucanos, foi logo condenando a súmula do árbitro – todos sabiam que não havia sido redigida por Meireles, que ainda não estava refeito do susto. Sua autoria segundo o dublê de advogado e cronista esportivo Aramis, cabia a Cisneiros, um pernambucano que morava no Rio e era candidato à presidência da CBDU (Confederação Brasileira de Desportos Universitários) contra o também pernambucano Amaro de Andrade Lima, que seria reeleito. Cisneiros seria, assim, uma espécie de Calabar.


O ardiloso Aramis Trindade


O esperto e bem humorado Aramis provou ainda que ninguém tinha visto o juiz expulsar ninguém, contrariando, assim, o pseudo relatório. Se o Tribunal considerasse os dois times eliminados, o campeão seria o Rio de Janeiro, o que não interessava, logicamente, nem a Pernambuco nem a Minas. A Cisneiros, sim. Ao mesmo tempo, a realização de uma nova partida complicaria tudo porque todas as delegações estavam com a volta a seus pagos marcada para o dia seguinte.

            Exercitando sua veia humorística, Aramis foi logo descontraindo o ambiente ao dizer que não tinha havido agressão do jogador pernambucano ao atleta mineiro. O de Pernambuco é que tropeçara e, ao cair, batera com a mão no rosto do outro. Depois dos risos, o defensor dos pernambucanos fez a proposta, a la Salomão:

– Como não há tempo para outro jogo por que a CBDU não proclamar dois campeões?

Sugestão aceita para o bem de todos e felicidade geral da nação. Uma equipe levou o troféu e a outra ficou com as medalhas.   

 

 

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