Salomão, Lucídio e Ivan (Fotos: Divulgação |
(Discurso do médico e escritor LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA na reunião do Conselho Deliberativo do Náutico em que os dois ídolos alvirrubros foram homenageados)
É de minha obrigação confessar de início aos companheiros desta assembleia que me sinto honrado com o convite, atendendo indicação por parte do presidente Alexandre Carneiro e do conselheiro Fábio Nery – a quem agradeço, a ambos, pela escolha do meu nome – com a missão de ser o porta-voz da homenagem que neste momento o Conselho presta aos ex-atletas Ivan Brondi de Carvalho e Salomão Sales Couto por ocasião da chegada dos mesmos ao respeitável clube dos octogenários. E agradecer também pela oportunidade ímpar que me é concedida de poder falar de dois queridos amigos – duas das mais destacadas estrelas da gloriosa jornada do Hexa –, amigos a quem tanto prezo e a família alvirrubra tanto deve.
Dois
elementos dispomos como ferramentas para juntar as palavras quando se trata de
homenagear pessoas, lembrando-os como heróis e enaltecendo-lhes por seus feitos
do passado: memória e tempo.
Discurso |
Memória.
De natureza afetiva, porque permitido é que seja selecionada e articulada em
reflexões do que aconteceu, relembrar o que se viu e aquilo que foi guardado
como lembrança. Tempo. O tempo de memória. O tempo que marca os dias e os anos
em que os fatos lembrados aconteceram, quando o mundo real se transmuda para o
tempo futuro, se faz presente para sempre, entra para a história. No nosso
caso, falamos dos tempos dourados do Hexa, dos vitoriosos anos alvirrubros da
década de 60 do século passado e de dois dos seus mais destacados
protagonistas.
E como
estamos falando de tempo, é preciso lembrar, antecipadamente, que desde os
primórdios do futebol de nossa era – quando os ingleses organizaram e
estabeleceram esquemas de jogo, na virada do século XIX, passando a serem
considerados os Reis do Futebol –, desde então, o meio do campo de um time foi
denominado a casa de máquina – local onde se pensa e se constrói o que acontece
numa partida. Não importa quantos jogadores irão participar dessa tarefa, o
importante é saber que ali está quem pensa e quem cria novas jogadas ofensivas
que poderão resultar em gols. No time do Náutico, no início da jornada do Hexa,
em 1963, seguindo o modelo e os costumes em uso na época, uma dupla se
encarregava dessa função, dupla composta precisamente por Salomão e Ivan, o
médio volante e o meia-esquerda do time. O esquema em moda era o 4-2-4.
Enquanto Ivan, o meia de ligação, poucas vezes esteve ausente dos jogos no
correr dos seis anos, o mesmo não aconteceu com o seu companheiro Salomão. O
craque paraibano participou apenas do bicampeonato inicial, não se fazendo
presente em nenhuma partida nas campanhas do tri, em 1965, do tetra em 66,
assim como no derradeiro ano da jornada, no glorioso 1968; Isso porque retornou
ao clube para jogar somente o ano de 67, envolvido e decidido que estava em
concluir o curso médico, a matrícula provisoriamente trancada.
Conselho Deliberativo alvirrubro reunido |
Salomão e Ivan – Jogadores de características e estilos distintos, completavam-se como se tivessem nascido um para o outro, ajuste perfeito na árdua tarefa de destruir para, em seguida, iniciar a jogada que levava o time da defesa para o ataque e ao gol. Transparência e simplicidade, palavras que marcam o comportamento da dupla Salomão e Ivan. Dentro e fora dos gramados.
No
futebol e na vida, grandes amigos até hoje! O futebol, a grande paixão, jogado
por ambos com clareza e simplicidade. A jogada sempre limpa, fácil de entender.
O lance cristalino, sem nenhum adorno. Firula zero. Fora do gramado, o sonho
bem claro e desde cedo definido como projeto supremo de vida. O desejo de ser
médico, de Salomão, correndo paralelamente com o sonho do companheiro e amigo
Ivan, o de ser dentista. Deixei tudo isso registrado em livro que lancei há
dois anos.
Roberto Vieira, também médico, escritor e historiador alvirrubro ao lado de Lucídio. Ao fundo imagens de Vasconcelos, Jorge Mendonça e Paraguaio,ex-jogadores timbus |
A história do Náutico, desde sua fundação tem como parâmetro, teve como mandamento nos tempos remotos do amadorismo – e é de se lamentar que eu não tenha tido a disposição de pesquisar o assunto mais a fundo – ainda assim me vem à lembrança, neste instante, seguindo a linha de raciocínio, da análise do jogador-estudante e de suas implicações no rendimento do time, nomes que são verdadeiras legendas da história do clube, todos ele campeões com a camisa alvirrubra. Lembro, entre muitos outros (que a lista é infindável), as figuras de Osvaldo Salsa e do irmão Salsinha, estudantes de direito e de engenharia respectivamente, a de Edson Lima e seus irmãos, um deles futuro médico, Edvaldo, os outros dois farmacêuticos, o próprio Edson e Evaldo; a de Bido Krause, estudante de odontologia, a de Rivaldo Alain Teixeira, estudante de medicina e futuramente vereador da cidade, a de Lulinha, bacharel em direito e presidente do clube depois de ter sido campeão em 1945, de Azulão, seu companheiro de escola e de time; lembro Genival e Bororó, estudantes de química industrial, Dico, arquitetura, Zeleão, Carlos Alberto Araújo, Paulinho Viana e Genaro, futuros médicos, George, odontólogo; Aredo, bacharel depois do futebol e participando da política partidária, prefeito da cidade centenária de Olinda... Fernando José, também bacharel em direito, Nancildo, engenheiro-civil, Paraguaio, dentista... São nomes, muitos, são lembranças. Todos eles, antes de chegarem ao diploma de doutor, jogadores-estudantes do Náutico. Até chegar, essa história marcante da vida do Náutico, essa saga do estudante que frequenta a universidade, dedicando ao mesmo tempo um pedaço dele à prática do futebol – uma raridade cada vez mais rara! – a Lúcio Surubim, capitão do time no final dos anos 80, começo dos 90, campeão e capitão do time em 1989 e, depois do futebol, odontólogo do serviço público.
Permitam-me
um pequeno adendo: estamos falando nesta homenagem a Salomão e a Ivan somente
de futebol. O Náutico porém é muito mais. Tem o basquete e seu passado de
glórias com seus jogadores-estudantes – o basquete de Ricardo Breno, o Cacá
Rodrigues, e de irmão Deminha, de Benoni Sá, de Dico, o mesmo que foi do
futebol, o basquete dos irmãos Luciano e Fernando Azevedo, de Gildo e Fernando
Benício; tem a natação – de Adriana Salazar; o voleibol masculino e feminino
dos anos 50 e 60. O futebol de salão de Marcelo Salazar, de João de Deus e de
Pereira, do tempo do eneacampeonato da Taça Brasil, o maior título brasileiro
da categoria. Todos os citados estudantes ao tempo em que defendiam as cores
alvirrubras na condição de atletas, todos amadores.
É preciso
neste momento, antes de falarmos de Salomão e Ivan. de situarmos os dois no
contexto em que foram personagens da história. Os anos são os 60 do século
passado. O futebol pernambucano acabara de sair da fase áurea do Eldorado da
década de 50. Agora não era mais a vez do jogador importado do Sul Maravilha. O
futebol pernambucano se vira obrigado, de uma hora para outra, literalmente, a
ter que se coser com as suas próprias linhas. Era a vez do jogador da terra ou
da região. No Náutico, no momento, aconteceu então um fenômeno. Fenômeno
vislumbrado como se fora ele um visionário, pelo apaixonado Alexandre Borges,
profissional de Educação Física levado à condição de treinador. Era o momento
do aproveitamento da prata de casa. E o fenômeno se fez vitorioso nos Aflitos
precisamente porque o material de que dispunha Alexandre era da melhor
qualificação – uma geração de rapazes quase todos eles estudantes
secundaristas, todos naturalmente interessados no sucesso pessoal através do
futebol até mesmo como uma ponte para o futuro.
Nildinha, tão apaixonada pelo Náutico, quanto o marido, com Salomão e Lucídio |
É a
geração que reúne em um mesmo time – porque o destino quis ou sei lá o quê –
¬além de Salomão, vindo de Campina Grande em busca do ensino no Recife para se
tornar médico –, os jogadores Didica, que pretendia estudar Economia, Gílson
Saraiva, medicina, Bita, vestibulando de medicina. A esse maravilhoso grupo de
jogadores-estudantes vem se juntar Ivan, vindo do interior de São Paulo,
decerto tendo o futebol como o único meio de sustento na luta em busca também
de um diploma, o de odonlologia. Ivan é a excessão. Todos os demais são daqui
mesmo, do Recife ou de cidades próximas.
Essa
qualificação profissional do grupo vai facilitar a tarefa de Alexandre. É óbvio
que serão esses jogadores os líderes do grupo. E é claro também que serão eles
as figuras mais destacadas do time ¬– não apenas líderes fora do gramado, mas
também no vestiário e, mais importante para o resultados dos jogos, dentro de
campo na hora do jogo. São aqueles que tomam as decisões. Não é sem razão então
que entre os citados estejam as mais destacadas figuras do elenco,
especialmente Ivan e Salomão. Não resta dúvida de que o time do Náutico naquele
momento foi amplamente beneficiado com a qualificação extracampo de suas
principais estrelas.
Não é
tarefa difícil essa que me foi concedida, a de juntar palavras, minhas ou dos
outros, para homenagear a dupla Salomão-Ivan. É o que faremos agora. Sem perda
de tempo, falemos de Ivan e de Salomão.
Ivan
Brondi de Carvalho, paulista de São Cruz do Rio Pardo, nascido a 7 de outubro
de 1941, conserva em sua biografia – naturalmente além da honra de ter servido
no começo da carreira, ainda semi-amador recém saído do interior em São Paulo,
à seleção brasileira olímpica no Jogos de 1960 em Roma – [Ivan guarda em sua
biografia, repito], duas marcas indeléveis com a camisa do Náutico, alcançadas
quando veio para Pernambuco. Marcas representadas por números e feitos que a
memória bem os registra e o tempo não apaga.
É ele o
jogador que mais vezes participou dos jogos na jornada dos seis anos, de 1963 a
1968, tempo do Hexa. Cento e vinte e cinco é o número exato, e não é pouco, de
partidas em que esteve presente nas 140 de toda a campanha do hexacampeonato,
presente quase sempre como capitão, posto que ascendeu a partir de 1964, no
segundo ano da jornada, não mais cedendo a honra e as reponsabilidades de ser o
capitão a nenhum outro companheiro de time.
Dele foi
dito em jornal, e deixei registrado em “O Náutico – a bola e as lembranças”,
palavras simples mas precisas, escritas pelo editor de esportes do DIÁRIO DA
NOITE na reportagem dedicada à célebre amistoso da época, o da seleção
pernambucana contra a da Alemanha, em julho de 1965, vitória dos pernambucanos
por 1x0. Palavras do jornalista, [abre aspas]: – “Se um cidadão pode jogar
futebol deve ser tanto quanto Ivan. Mais é impossível!” [fecha aspas]. Ivan
tinha sido a maior figura na vitória épica dos pernambucanos na noite anterior,
na Ilha do Retiro, em cima daqueles que seriam vice-campeões mundiais no ano seguinte
na Inglaterra.
No mesmo
livro, agora falando do nosso querido Náutico, e me referindo em apreço ao
maior feito de nossa história, à conquista do Hexa, deixei registrado a
propósito da Ivan, a pergunta emblemática: – “não teriam sido os deuses do futebol
que levaram Ivan a fazer parte daquele time que disputou a primeira partida de
toda a jornada, no longínquo 19 de maio de 1963, ali mesmo nos Aflitos [eu ne
referia ao jogo Náutico 2x0 Centro de Limoeiro, primeiro jogo do
hexacampeonato], e, ao mesmo tempo, ser o único a estar presente na última
batalha, no jogo da consagração final e definitiva? [agora estava me reportando
ao inesquecível 1x0, o jogo do gol de Ramos, o jogo do Hexa].
Ivan é
hoje reconhecido pela história e pelos torcedores avirrubros de todas as
gerações – os mais antigos e os mais jovens, os que viram e os da geração do
pós-hexa que apenas ouviram dizer – [é reconhecido] como o Eterno Capitão do
Hexa! Nada mais tem a se acrescentar na composição de sua biografia de atleta
exemplar e vitorioso. O título de Eterno Capitão o eleva à condição de ser
equiparado, na história do Náutico, à figura lendária de Ivanildo Souto da
Cunha de um passado, ainda que recente na época, um pouco mais distante.
De
Salomão Sales Couto, da pequenina cidade de Pocinhos na região do Cariri
paraibano, nascido no mesmo mês de outubro de 1941, quatro dias antes de Ivan –
Salomão é do dia 3 –, muito se escreveu e muito se falou sobre seu encantador
futebol, feito de arte, beleza e competência. Dele se disse – para ficarmos
somente no terreno da poesia e da imaginação, que fazem do futebol esporte
menos árido e da vida tarefa menos penosa – que ele, Salomão, “fazia um
‘pas-de-deux’ com a bola”. Que “não a chutava até porque não se chuta uma
dama”. Em vez de chutes, passes açucarados. No lugar de chutões, passes macios
do meio do campo, de onde “deslizava a bola para os companheiros. Lançamentos
suaves como bolhas de sabão...” – as palavras carregadas de poesia são do
publicitário Norton Ferreira e foram retiradas de “Todos Juntos, Vamos/Memórias
do Tri”, de Alex Medeiros. E mais disse dele, na mesma ocasião, o renomado
profissional da comunicação. Palavras que o consagram como consagrariam
qualquer um entre os melhores artista da bola: “Salomão era o nosso Ana Botafogo.
E tinha nome de rei”.
Participando
bem menos do que seu companheiro Ivan da jornada do Hexa, como já foi lembrado
– presente apenas em 47 partidas, perfazendo 33% dos jogos, um terço de toda a
jornada –, Salomão deixou porém registradas marcas também consagradoras. Está
entre os primeiros quinze jogdores do total de 69 que foram utilizados na
campanha de 140 jogos; e é com 15 gols marcados, apesar de meio-campista, o 8º
artilheiro do pelotão liderado por Bita, autor de 75 gols, pelotão em que estão
incluídos Nino, Miruca, o próprio Ivan, Lala, Rinaldo e China. Bicampeão em
63-64, como também foi dito, e tendo ido buscar melhores oportunidades no
Santos ao lado de Pelé, depois passando uma temporada no Vasco da Gama, outra
equipe de destaque na época, Salomão retornou ao Náutico para ser pentacampeão
invicto e vice-campeão brasileiro no mesmo ano, tudo isso jogando apenas nos
últimos meses de 1967, mas contribuindo de forma decisiva, inclusive marcando
gols, ~também decisivos, para essas conquistas históricas.
Depois do
futebol, Salomão e Ivan continuaram alvirrubros como sempre foram após terem
aprendido a sê-lo desde os tempos de atletas profissionais, na chegada de ambos
aos Aflitos. Juntos, depois de pendurarem as chuteiras, tocaram por algum
tempo, na condição de pioneiros e sem remuneração alguma, o departamento que
ajudaram a implantar, o que criava o CT da Guabiraba – local onde jovens da
base passaram a ser encaminhados com o compromisso do respeito e do amor ao
Náutico acima de tudo.
Na
oportunidade, a convocação feita por ambos, a Gena e a Lala, dois autênticos
representantes do Hexa, seus ex-companheiros de jornada, levados pela
generosidade da dupla – Salomão e Ivan – à condição de colaboradores, é o
melhor exemplo do amor que perdura no coração daqueles que, mesmo na condição
de profissionais, um dia vestiram e incorporaram como coisa do coração a
gloriosa camisa alvirrubra do Clube Náutico Capibaribe.
Por tudo
o que foi dito, a dupla Salomão e Ivan representa o que há de mais querido e
idolatrado pela torcida timbu. Juntos conquistaram títulos.
Juntos
conduziram, como líderes dentro das quatro linhas, os jovens jogadores do
elenco do Hexa e o próprio clube aos mais altos postos da glória futebolística
de um time da região naquela época.
Juntos,
entraram para a história do Náutico entre os jogadores mais queridos da torcida
em todos os tempos. Dois ídolos. Dois campeões! Uma memorável e inesquecível
dupla. A magistral dupla de meio-campo do Hexa Salomão e Ivan!
Recebam
eles, pois, neste momento, o nosso aplauso!
O nosso
“parabéns pra vocês”, entoado com alegria e orgulho!
6Roberto Vieira, Abdon Jordao Filho Jordao Filho e outras 4
pessoas
Uma honra e uma satisfação ímpar falar de Salomão e Ivan. Um tema fácil. O Náutico é rico!
ResponderExcluir.