BOLA, TRAVE E CANELA – Lenivaldo Aragão

Palmeira atracou-se com um atleta e recebeu o bilhete azul 


Ele foi técnico e árbitro em tempos ainda românticos do futebol

 

O Náutico, campeão de 1950. Em pé, Manuel Lopes (dirigente), Palmeira (técnico), Sidinho, Lula, Azulão, Jaminho, Gilberto e Dico; agachados, Carmelo, Ivanildo, Amorim, Alcidésio e Zeca

Uma das figuras que mais se destacaram no futebol pernambucano através dos tempos foi José Mariano Carneiro Pessoa, o conhecido Palmeira. Comprido e magro, ganhou o apelido quando defendia, como zagueiro, o Encruzilhada, um time do Campeonato Suburbano com rápida participação na Primeira Divisão. Foi juvenil no Sport e no Santa Cruz, mas logo desistiu de ser jogador, dedicando-se à arbitragem. Depois virou técnico, fazendo também o papel hoje desempenhado pelo supervisor, gerente, chefe de delegação, empresário e preparador físico. Os tempos eram outros, é claro. Inicialmente focalizaremos o Palmeira técnico. O texto será completado com suas inusitadas reações na época da arbitragem.

Ele foi recordista de permanência em clubes em Pernambuco. Na primeira vez em que esteve no Santa Cruz reinou três anos e sete meses, ininterruptamente. No Náutico foram quatro anos e 10 meses, e no Sport quatro anos e alguns dias. Seus títulos de campeão pernambucano: Santa Cruz, 1946/47; Náutico, 1950/51/52 (invicto) e participação em 1954, juntamente com Ivanildo Souto da Cunha e Sílvio Pirilo; Sport, 1961/62. Foi ainda campeão baiano, dirigindo o Vitória, tendo comandado também o América-RJ, o América-PE e a Seleção Pernambucana no Campeonato Brasileiro de Seleções.

“Protegido” pelo conhecido pai de santo recifense Zé da Bola, do Barro, Palmeira não permitia que alguém sentasse ao seu lado quando o jogo começava para não quebrar a corrente. Extremamente desconfiado, em determinadas derrotas levantava logo a suspeita de que algum jogador estava no mondé. Mais de uma vez discutiu com um atleta, em pleno vestiário, mas a turma amenizava a situação.

Tricampeão pelo Náutico em 1950/51/52, em 1954 estava para concretizar a quarta conquista, porém, por causa de uma briga tola na concentração foi dispensado, em cima de um jogo contra o Sport, tendo o capitão do time, Ivanildo, assumido o comando provisoriamente. Mais tarde seria substituído por Sílvio Pirilo, vindo do Rio de Janeiro apenas para confirmar mais um título para o clube da Avenida Conselheiro Rosa e Silva.

Notícia publicada em 3 de novembro de 1954 pelo Diario de Pernambuco sob o título “Técnico se atraca com jogador e é demitido pelo Náutico” dá uma ideia de como agia desregradamente aquele lendário personagem do futebol pernambucano. Dizia a matéria:

“Na manhã de domingo, poucas horas antes do encontro com o Santa Cruz (na realidade, Sport) estavam os alvirrubros, técnico e jogadores, em sua concentração, em Beberibe. Em dado momento, o técnico Palmeira divisou os jogadores Manuelzinho, Djalma e Wilton, que vinham do lado do pomar onde está localizada a concentração. Vinham alegres, e Djalma trazia alguns cajus nas mãos. Ao vê-los, Palmeira se dirigiu aos jogadores, dizendo-lhes que eles bem sabiam que aqueles cajus eram dele, Palmeira, e não podiam ser tirados, pois eram para vender.

Djalma respondeu às palavras do técnico com uma brincadeira, o que irritou mais ainda Palmeira, que, a essa altura avançou para Djalma. O jogador revidou a agressão, travando-se um corpo a corpo, que foi logo encerrado pelos outros jogadores presentes.

Poucos instantes depois, chegava um dos diretores do Náutico, por sinal, o diretor de futebol, a tempo de ainda observar qualquer anormalidade. Procurou inteirar-se do ocorrido e, uma vez a par dos acontecimentos, comunicou-se imediatamente com o presidente Eládio de Barros Carvalho. Como não poderia deixar de ser, o presidente do alvirrubro determinou logo o afastamento de Palmeira e Djalma da concentração e afetou o caso à diretoria do clube, que hoje à noite vai apreciar os acontecimentos”.

O treinador, como já se esperava, recebeu o bilhete azul.

 O ÁRBITRO PALMEIRA

Temperamental, Palmeira era ao mesmo tempo, uma criatura afável e educada, que estava todos os dias na calçada do Café Lafayete e da Cristal, na Rua do Imperador, e depois no Bar Savoy, na Avenida Guararapes, pontos de encontro de dirigentes, torcedores e jornalistas. No Lafayete chegou a se engalfinhar com Zago, zagueiro do Sport e mais tarde árbitro.

Geralmente de terno branco e sapatos lustrosos, Palmeira era facilmente identificável. Como árbitro, foi contemporâneo de Argemiro Félix de Sena, o famoso Sherlock. Certa vez adquiriu um cronômetro, o que lhe possibilitava parar a marcação do tempo de jogo sempre que a partida fosse interrompida. Uma grande novidade, que rendeu até notícia em jornal. Palmeira era tão acreditado e respeitado que, já exercendo o cargo de treinador do Santa Cruz, depois de ter abandonado o apito, duas vezes teve que reassumir a antiga função, voltando a apitar por ter sido escolhido pelo Náutico e pelo Sport para comandar duas edições do Clássico dos Clássicos. Sem dúvida, um exemplo de extrema credibilidade.

Palmeira sempre recebia convites para atuar em outros Estados, inclusive no Rio de Janeiro. Como era costume, as equipes ao excursionar incluíam um árbitro na delegação. Palmeira participou de dois momentos que ficaram na história do futebol de Pernambuco: a célebre Embaixada Suicida, do Santa Cruz, e a pioneira viagem do Sport ao Centro-Sul.

Quando estava viajando com o Sport, foi questionado pelos jogadores na derrota por 2x1 para o Coritiba, na estreia dos rubro-negros no Paraná. O grandalhão Zago, visivelmente irritado, perguntou-lhe a razão da anulação de dois gols legítimos do Sport e da confirmação do tento da vitória dos paranaenses, marcado em franco impedimento.  No seu História do Futebol em Pernambuco, Givanildo Alves registrou esse diálogo entre o zagueiro e o juiz: 

 – Palmeira, que safadeza é essa?

 – Calma, Zago, calma, os homens acertaram um negócio aí pra haver uma negra. Fale com Seu Hibernon – referia-se ao chefe da delegação, o advogado Hibernon Wanderley.

 Na revanche, o Leão aplicou uma goleada de 4x0. Veio a partida tira-teima, com estádio lotado.  Deu Sport novamente: 3x1. 

Ainda em Curitiba, dirigindo um jogo da equipe leonina contra o Britânia, Palmeira paralisou a partida faltando cinco minutos para o encerramento, tendo ido até a plateia para discutir com um torcedor que lhe hostilizava. Os dois se engalfinharam, mas foram separados por outros torcedores. O árbitro pernambucano sequer respeitou ou temeu o fato de se encontrar em terra alheia. Deu o troco, à sua maneira. Passado o incidente, simplesmente voltou para dentro de campo, como se nada tivesse acontecido, e deu prosseguimento ao amistoso.

Mais tarde, no Rio Grande do Sul, o Sport estava derrotando o Internacional, num jogo cujo pontapé inicial foi dado solenemente pelo prefeito de Porto Alegre, Loureiro da Silva, que vinha dando toda a assistência à equipe pernambucana, como Presidente de Honra da delegação.  A violência tomou conta da partida, principalmente porque o Leão chegou a estar vencendo por 2x0, e os gaúchos não aceitavam o resultado. O placar final foi um empate por 2x2. Encerrado o primeiro tempo, com o Sport ganhando por 2x1, os pernambucanos quase não chegam ao vestiário, tamanha a hostilidade da torcida.  Palmeira foi xingado por um torcedor e não teve a menor dúvida, pegou uma cadeira e jogou-a em direção ao povo. Os torcedores reagiram. Formou-se uma enorme confusão, e uma sombrinha foi atirada para dentro de campo, atingindo o jogador Furlan, da equipe rubro-negra.

Assim era Palmeira, que, como árbitro ou como técnico não levava desaforo para casa.

 

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