(Alguns capítulos da caminhada do Náutico, através dos tempos)
Lenivaldo
Aragão
VALIOSO
PRESENTE DE ANIVERSÁRIO
O
primeiro título de campeão obtido pelo Náutico foi o de 1934. Como o Campeonato
Pernambucano só terminou no ano seguinte por causa de adiamentos, jogos interrompidos
e motivos outros, houve uma feliz coincidência por ter o Timbu dado a volta
olímpica, ao passar a formar no grupo dos campeões pernambucanos, integrado
pelo Sport (7 conquistas), América (5), Santa Cruz (3), Torre (3), e Flamengo
(1). Quis o destino que o Alvirrubro estreasse no trono, como o “rei” de Pernambuco,
justamente no dia 7 de abril de 1935, quando festejava o 34º aniversário de sua
fundação. Um motivo para a torcida do clube aristocrático, como o Náutico era
tratado na imprensa, fazer explodir de alegria o estádio da Avenida Doutor
Malaquias, pertencente ao Sport e localizado onde está hoje a AABB – Associação
Atlética Banco do Brasil, a poucos passos do seu reduto, situado na Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, bairro dos Aflitos. O técnico era o paulista Joaquim
Loureiro, substituto do prestigiado uruguaio Umberto Cabelli, primeiro treinador
do Timbu na era do profissionalismo, que ainda estava engatinhando no Brasil.
No seu livro “O Náutico, a
bola e as lembranças”, cuja segunda edição teve a capa ilustrada por Abelardo
da Hora, o artista que já não está entre nós e soube levar para o papel todo o
sentimento que nutria pelo clube dos Aflitos, o médico escritor Lucídio José de
Oliveira assim se refere aos motivos que retardaram o encerramento daquele
campeonato e ao grande feito do Náutico:
Na verdade, de acordo com a
tabela, o certame deveria ter sido encerrado em dezembro. Náutico e Sport
fariam o último jogo do turno final no domingo, dia 16. Restaria ainda um outro
domingo livre, antes das festas de fim de ano, reservado para a decisão, no
caso de ser necessário jogar-se uma extra, caso ocorresse um empate na primeira
colocação. Acontece que algumas partidas, como aquele Náutico x Encruzilhada do
início do certame, não tinham sido concluídas por razões as mais diversas,
desde a falta de luz, tornando impraticável o futebol no lusco-fusco do
entardecer, até os casos de indisciplina incontrolável, diga-se também corriqueira,
dos idos dos anos trinta. E esses jogos inacabados teriam de ser completados,
era uma exigência do regulamento. Até mesmo o clássico Náutico x Sport, o jogo
final da tabela, não havia chegado ao fim. O time alvirrubro vencia por 2 x 1. Era
um jogo decisivo, uma partida oficial.
É que dali poderia até mesmo
sair o campeão do ano, em caso de vitória do Sport. O time leonino estava um
ponto atrás do Santa Cruz, até um empate lhe servia. Ao Náutico, com 19 pontos
na tabela, só a vitória interessava. Ficaria em igualdade de condições com o
clube tricolor, com quem teria de decidir tudo num jogo extra. Mas o clássico
entre alvirrubros e rubro-negros acabou em bagunça. A pancadaria comeu solta.
Houve muita baderna. Um juiz totalmente perdido, e mais um jogo do certame de
34 ficaria paralisado.
Chegou a ser divertido. O
árbitro escalado, o senhor Harry Lessa, bem que tentou levar a peleja adiante,
mas não conseguiu. Foi então substituído pelo senhor Eduardo Antunes, numa
tentativa de dar um jeito à bagunça, mas este também não foi levado em conta.
Foi tão abertamente desobedecido e desrespeitado, que teve de assistir, impotente,
aos jogadores abandonarem o campo carregando consigo a única bola do jogo. Um
absurdo. A tarde caiu, ficou escuro de vez, ninguém mais enxergava a bola. Nada
mais restava ao árbitro fazer ali. Futebol já não era mais possível naquele
dia. O jeito era todo mundo – jogadores, autoridades, torcedores – voltar para
casa. E faltavam apenas pouco mais de cinco minutos para o encerramento da
partida.
Esse jogo gerou uma crise
daquelas. Teve que ser disputado de novo, inteirinho. Foi o que decidiu o Tribunal.
Antes, porém, logo no início do ano de 35, outros jogos do certame, que não
tinham igualmente chegado ao fim, tiveram que ser concluídos. Não haviam sido
anulados , como o clássico Náutico x Sport, mas teriam que ser completados, o
regulamento era claro.
Desse modo, no domingo 6 de janeiro, logo após
a virada do ano, o time do Náutico teve que voltar a campo para terminar dois
de seus jogos suspensos no finalzinho. Uma coisa realmente curiosa. Numa
programação divertidíssima, mas séria, que constava de vários pedacinhos de
jogos – oito, dez, doze minutos – os timbus cumpriram sua obrigação de terminar
seus dois jogos inconclusos, aquele contra o Encruzilhada e o seu jogo contra o
Flamengo. O Encruzilhada, que perdia por 4 x 2, quando o jogo foi interrompido,
fez mais um tento, mas terminou assim mesmo, derrotado; contra o Flamengo
também não houve alteração na contagem dos pontos do Náutico, que estava
apanhando de 2 x 1, tomou mais um gol nos poucos minutos que foi obrigado a
jogar. Saiu de campo derrotado do mesmo jeito. De nada havia adiantado disputar
mais aqueles minguados minutos. Era apenas divertido, além de uma exigência do
regulamento.
Quanto a Náutico x Sport, foi
marcada outra partida, o jogo foi anulado por inteiro. Depois da guerra de
bastidores, muitas reuniões, notas, declarações pelos jornais, finalmente é
marcada nova a peleja, campo da Avenida Malaquias, palco de grandes jogos,
domingo 31 de março.
Estava escrito que aquele
seria, finalmente, o ano do Náutico: a vitória de dezembro, o apertado 2 x 1
contestado pelo Sport, seria amplamente confirmada, agora por meio de sonora e inequívoca
goleada, a maior que o Náutico jamais conseguiu impor ao seu mais ferrenho adversário:
8 x 1. E lembrar que a vitória daria o título ao Sport!
A goleada deixou toda a cidade
boquiaberta. Fernando (3), Artur (2), Estácio (2) e Zezé (10) foram os autores
dos gols, os autores da lavagem histórica. O Náutico, com mais dois pontos,
totalizando 21, havia encostado no Santa Cruz. Teriam agora que jogar uma
extra. Alvirrubros e tricolores foram, então, para a ansiosamente aguardada
decisão.
Naquele domingo de muita festa
no campo da Avenida Doutor Malaquias, o Náutico levou a melhor sobre o Santa
Cruz por 2 x 1, obtendo seu primeiro título e evitando o tetra que o Tricolor
do Arruda perseguia após ter feito a festa em 1931/32/33. Arbitragem de Manuel
Pinto, e gols marcados por Fernando e Estácio (Nau) e Tará (San).
O Náutico teve como destaque
ao longo da jornada, o trio Carvalheira, formado pelos irmãos Artur Fernando e
Zezé. Ao mesmo tempo contou com os irmãos Osvaldo e José Salsa, este conhecido
como Salsinha. O time campeão, o da vitória na final sobre o Santa foi este:
Epaminondas; Salsa e Salsinha; Taurino, Edson e Rafael; Zezé, Artur, Fernando, Estácio
e João Manuel.
Outros jogadores que participaram
da maratona alvirrubra foram:
Goleiros – Lula e Victor
Zagueiro – Guimarães
Médios – Pereira, Portela,
Periquito e Hélio
Atacantes - Lula II e Moreno.
O Náutico realizou 15 jogos, com
11 vitórias, 1 empate e 3 derrotas.
O campeão assinalou 55 gols e
levou 28. Foi do Náutico, o principal artilheiro do campeonato, o centroavante
Fernando Carvalheira, com 28 gols.
OS JOGOS
Primeiro Turno
1934
01/05
NÁUTICO 4 x 3 Encruzilhada,
Aflitos. Gols: Estácio (2), Fernando e João Manoel
20/05
NÁUTICO 7 x 3 Íris, Aflitos.
Gols: Fernando (3), João Manoel (2), Estácio e Zezé
10/06
NÁUTICO 7 x 2 Torre, Aflitos.
Gols: Fernando (5), João Manoel e Estácio
17/06
NÁUTICO 0 x 2 Santa Cruz,
Aflitos
22/07
NÁUTICO 4 x 2 Flamengo,
Aflitos. Gols: Fernando (2), Artur e João Manoel
29/07
NÁUTICO 2 x 2 Sport, Aflitos.
Gols: Fernando e João Manoel
19/08
NÁUTICO 3 x 1 América, Jaqueira.
Gols: Fernando (2) e Zezé
Segundo Turno
02/09
NÁUTICO 3 x 2 Íris, Jaqueira. Gols:
Fernando (2) e João Manoel
04/11
NÁUTICO 1 x 3 Flamengo,
Jaqueira. Gol: Fernando
15/11
NÁUTICO 5 x 2 Torre, Av.
Malaquias. Gols: Fernando (2), João Manoel, Zezé e Taurino
18/11
NÁUTICO 6 x 1 Encruzilhada,
Av. Malaquias. Gols: Fernando (3), João Manoel (2) e Artur
25/11
NÁUTICO 0 x 2 Santa Cruz,
Jaqueira
08/12
NÁUTICO 3 x 2 América. Gols:
Fernando (2) e Osvaldo Salsa
1935
31/03
NÁUTICO 8 x 1 Sport, Av.
Malaquias. Gols: Fernando (3), Artur (2), Estácio (2) e Zezé
EXTRA
07/04
NÁUTICO 2 x 1 Santa Cruz, Av.
Malaquias. Gols: Fernando e Estácio.
FOLCLORE
ALVIRRUBRO
O
boi do Náutico e Pai Edu
Em
1981, o Náutico estava numa fase ruim, e numa entrevista à revista Placar a mim
concedida, o pai-de-santo Edu cobrou uma dívida contraída ainda na época do
Hexa (
A direção de futebol, o empresário da área açucareira e depois de combustíveis Geraldo Uchoa de Medeiros à frente, tratou mais do que depressa de saldar o compromisso com as entidades que povoam o Palácio de Iemanjá, o sagrado templo onde Pai Edu exercia suas atividades. Numa chuvosa noite de sexta-feira, 11 de setembro, cartolas e torcedores, muitos vestindo a camisa alvirrubra, começavam a subir a Ladeira da Sé, numa curiosa procissão em torno de um caminhão conduzindo um boi, imobilizado por uma corda, para ser ofertado a Xangô.
Torcedores do Santa Cruz e do Sport também estavam lá, mas a fim de gozar os adversários. No meio daquela aglomeração distinguia-se facilmente a figura de Cláudio Carneiro, um dos diretores do clube na fase do hexacampeonato, justamente o cartola que, na época, tinha feito solenemente a promessa a Edu.
Em meio à expectativa geral, o séquito chegou ao Palácio de Iemanjá e, para surpresa de todos, prepotente e por cima da carne seca, Edu recusou a oferenda:
- Cadê o presidente? Ele é o dono da casa e tem que estar aqui.
A ordem do pai-de-santo deixou a assistência estarrecida por ter sido acrescida de outra:
- Ele vai ter que dar uma testada no boi...
Além disso, o animal que ali se encontrava, era castrado, e Xangô não aceitaria a oferenda. Teria que ser um boi inteiro.
- Boi capado, não, dizia Edu arrogantemente, enquanto os dirigentes do Náutico entreolhavam-se, numa situação que ultrapassava o ridículo.
Só isso? Não. Edu estava mesmo dominando as circunstâncias e não queria deixar escapar a chance de ir à forra. Disse ainda que a rês teria que ser inteiramente branca. Aquele boi preto, com ligeiras manchas brancas não servia. Humilhando o pessoal do Náutico daquela maneira, Edu vingava-se de um destacado dirigente dos tempos do Hexa, José Calazans de Moura, vindo de Minas Gerais, gerente da filial de um banco mineiro no Recife. Segundo Edu, Calazans, já de pés plantados no Recife, relegara seu trabalho ao afirmar que o Náutico não precisava de catimbozeiro para ser campeão.
A procissão deu meia-volta, conduzindo o boi recusado por Edu, ficando os resignados dirigentes de voltar no dia seguinte com o animal que preenchesse todos os requisitos. Pegaram um na fazenda do conselheiro Gislan Alencar e voltaram no sábado, sendo agora o cortejo engrossado com a presença de alguns jogadores, como Luciano, Lourival, Ney, Lupercínio, Jonas, Carlinhos, Alexandre, Carlos Alberto e Douglas. Essa turma foi mais pela curtição, ou por pura curiosidade, pois o pagamento da promessa já estava chamando a atenção. Quando tudo parecia bem encaminhado surgiu mais um abacaxi, porque o boi, apelidado de “Retardado Mental”, ao descer do caminhão, passou a fazer charminho, disputando a condição de estrela com Edu. Foi bater no chão e deitar-se, merecendo a desaprovação do pai-de-santo.
– Assim não vale. O boi tem que entrar no palácio com os próprios pés. Quero uma entrada triunfal, é uma exigência de Xangô – determinou Edu.
Só que o falatório do pai-de-santo não terminou aí:
– Onde está o presidente do Náutico? Ele que vá coçar o saco do boi pra ele se
levantar...
O recatado presidente Hélio Assis havia comparecido, diante da ordem dada por
Pai Edu na véspera, mas seria humilhação demais atender a mais esse capricho. O
dirigente Pedro de Paula Barreto, o folclórico Pedrão, sempre chegado a esses
movimentos, assumiu de bom grado a missão de futucar o animal, porém não teve
êxito. Foi quando torcedores e dirigentes uniram-se, levantaram o animal nos
braços, entregando-o de mão beijada nos braços de Edu. Por coincidência,
naquela mesma tarde, o Náutico empatou com o Sport em
Dívida paga, o pessoal do Náutico animou-se, certo de que a pátria estava
salva. Abria-se assim o caminho para o título de campeão pernambucano voltar
aos Aflitos, de onde estava distanciado desde 1974.
– Nada disso. Esse boi foi em pagamento de uma dívida antiga. Daqui pra frente
é outra coisa, sentenciou Pai Edu.
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