CNC: UMA TRAJETÓRIA DE 121 ANOS (II)

(Alguns capítulos da caminhada do Náutico, através dos tempos)



Lenivaldo Aragão



VALIOSO PRESENTE DE ANIVERSÁRIO


Campeões de 1934, no primeiro título conquistado pelo Náutico: Edson, Estácio, Taurino, Osvaldo Salsa, Fernando Carvalheira, Salsinha, João Manoel, Artur Carvalheira, Zezé Carvalheira, Rafael e Epaminondas (Foto: Twitter)

O primeiro título de campeão obtido pelo Náutico foi o de 1934. Como o Campeonato Pernambucano só terminou no ano seguinte por causa de adiamentos, jogos interrompidos e motivos outros, houve uma feliz coincidência por ter o Timbu dado a volta olímpica, ao passar a formar no grupo dos campeões pernambucanos, integrado pelo Sport (7 conquistas), América (5), Santa Cruz (3), Torre (3), e Flamengo (1). Quis o destino que o Alvirrubro estreasse no trono, como o “rei” de Pernambuco, justamente no dia 7 de abril de 1935, quando festejava o 34º aniversário de sua fundação. Um motivo para a torcida do clube aristocrático, como o Náutico era tratado na imprensa, fazer explodir de alegria o estádio da Avenida Doutor Malaquias, pertencente ao Sport e localizado onde está hoje a AABB – Associação Atlética Banco do Brasil, a poucos passos do seu reduto, situado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, bairro dos Aflitos. O técnico era o paulista Joaquim Loureiro, substituto do prestigiado uruguaio Umberto Cabelli, primeiro treinador do Timbu na era do profissionalismo, que ainda estava engatinhando no Brasil.

No seu livro “O Náutico, a bola e as lembranças”, cuja segunda edição teve a capa ilustrada por Abelardo da Hora, o artista que já não está entre nós e soube levar para o papel todo o sentimento que nutria pelo clube dos Aflitos, o médico escritor Lucídio José de Oliveira assim se refere aos motivos que retardaram o encerramento daquele campeonato e ao grande feito do Náutico:

Na verdade, de acordo com a tabela, o certame deveria ter sido encerrado em dezembro. Náutico e Sport fariam o último jogo do turno final no domingo, dia 16. Restaria ainda um outro domingo livre, antes das festas de fim de ano, reservado para a decisão, no caso de ser necessário jogar-se uma extra, caso ocorresse um empate na primeira colocação. Acontece que algumas partidas, como aquele Náutico x Encruzilhada do início do certame, não tinham sido concluídas por razões as mais diversas, desde a falta de luz, tornando impraticável o futebol no lusco-fusco do entardecer, até os casos de indisciplina incontrolável, diga-se também corriqueira, dos idos dos anos trinta. E esses jogos inacabados teriam de ser completados, era uma exigência do regulamento. Até mesmo o clássico Náutico x Sport, o jogo final da tabela, não havia chegado ao fim. O time alvirrubro vencia por 2 x 1. Era um jogo decisivo, uma partida oficial.

É que dali poderia até mesmo sair o campeão do ano, em caso de vitória do Sport. O time leonino estava um ponto atrás do Santa Cruz, até um empate lhe servia. Ao Náutico, com 19 pontos na tabela, só a vitória interessava. Ficaria em igualdade de condições com o clube tricolor, com quem teria de decidir tudo num jogo extra. Mas o clássico entre alvirrubros e rubro-negros acabou em bagunça. A pancadaria comeu solta. Houve muita baderna. Um juiz totalmente perdido, e mais um jogo do certame de 34 ficaria paralisado.

Chegou a ser divertido. O árbitro escalado, o senhor Harry Lessa, bem que tentou levar a peleja adiante, mas não conseguiu. Foi então substituído pelo senhor Eduardo Antunes, numa tentativa de dar um jeito à bagunça, mas este também não foi levado em conta. Foi tão abertamente desobedecido e desrespeitado, que teve de assistir, impotente, aos jogadores abandonarem o campo carregando consigo a única bola do jogo. Um absurdo. A tarde caiu, ficou escuro de vez, ninguém mais enxergava a bola. Nada mais restava ao árbitro fazer ali. Futebol já não era mais possível naquele dia. O jeito era todo mundo – jogadores, autoridades, torcedores – voltar para casa. E faltavam apenas pouco mais de cinco minutos para o encerramento da partida.

Esse jogo gerou uma crise daquelas. Teve que ser disputado de novo, inteirinho. Foi o que decidiu o Tribunal. Antes, porém, logo no início do ano de 35, outros jogos do certame, que não tinham igualmente chegado ao fim, tiveram que ser concluídos. Não haviam sido anulados , como o clássico Náutico x Sport, mas teriam que ser completados, o regulamento era claro.

 Desse modo, no domingo 6 de janeiro, logo após a virada do ano, o time do Náutico teve que voltar a campo para terminar dois de seus jogos suspensos no finalzinho. Uma coisa realmente curiosa. Numa programação divertidíssima, mas séria, que constava de vários pedacinhos de jogos – oito, dez, doze minutos – os timbus cumpriram sua obrigação de terminar seus dois jogos inconclusos, aquele contra o Encruzilhada e o seu jogo contra o Flamengo. O Encruzilhada, que perdia por 4 x 2, quando o jogo foi interrompido, fez mais um tento, mas terminou assim mesmo, derrotado; contra o Flamengo também não houve alteração na contagem dos pontos do Náutico, que estava apanhando de 2 x 1, tomou mais um gol nos poucos minutos que foi obrigado a jogar. Saiu de campo derrotado do mesmo jeito. De nada havia adiantado disputar mais aqueles minguados minutos. Era apenas divertido, além de uma exigência do regulamento.

Quanto a Náutico x Sport, foi marcada outra partida, o jogo foi anulado por inteiro. Depois da guerra de bastidores, muitas reuniões, notas, declarações pelos jornais, finalmente é marcada nova a peleja, campo da Avenida Malaquias, palco de grandes jogos, domingo 31 de março.

Estava escrito que aquele seria, finalmente, o ano do Náutico: a vitória de dezembro, o apertado 2 x 1 contestado pelo Sport, seria amplamente confirmada, agora por meio de sonora e inequívoca goleada, a maior que o Náutico jamais conseguiu impor ao seu mais ferrenho adversário: 8 x 1. E lembrar que a vitória daria o título ao Sport!

A goleada deixou toda a cidade boquiaberta. Fernando (3), Artur (2), Estácio (2) e Zezé (10) foram os autores dos gols, os autores da lavagem histórica. O Náutico, com mais dois pontos, totalizando 21, havia encostado no Santa Cruz. Teriam agora que jogar uma extra. Alvirrubros e tricolores foram, então, para a ansiosamente aguardada decisão.

Naquele domingo de muita festa no campo da Avenida Doutor Malaquias, o Náutico levou a melhor sobre o Santa Cruz por 2 x 1, obtendo seu primeiro título e evitando o tetra que o Tricolor do Arruda perseguia após ter feito a festa em 1931/32/33. Arbitragem de Manuel Pinto, e gols marcados por Fernando e Estácio (Nau) e Tará (San).

O Náutico teve como destaque ao longo da jornada, o trio Carvalheira, formado pelos irmãos Artur Fernando e Zezé. Ao mesmo tempo contou com os irmãos Osvaldo e José Salsa, este conhecido como Salsinha. O time campeão, o da vitória na final sobre o Santa foi este: Epaminondas; Salsa e Salsinha; Taurino, Edson e Rafael; Zezé, Artur, Fernando, Estácio e João Manuel.

Outros jogadores que participaram da maratona alvirrubra foram:

Goleiros – Lula e Victor

Zagueiro – Guimarães

Médios – Pereira, Portela, Periquito e Hélio

Atacantes - Lula II e Moreno.

O Náutico realizou 15 jogos, com 11 vitórias, 1 empate e 3 derrotas.

O campeão assinalou 55 gols e levou 28. Foi do Náutico, o principal artilheiro do campeonato, o centroavante Fernando Carvalheira, com 28 gols.   

OS JOGOS

Primeiro Turno

1934

01/05

NÁUTICO 4 x 3 Encruzilhada, Aflitos. Gols: Estácio (2), Fernando e João Manoel

20/05

NÁUTICO 7 x 3 Íris, Aflitos. Gols: Fernando (3), João Manoel (2), Estácio e Zezé

10/06

NÁUTICO 7 x 2 Torre, Aflitos. Gols: Fernando (5), João Manoel e Estácio

17/06

NÁUTICO 0 x 2 Santa Cruz, Aflitos

22/07

NÁUTICO 4 x 2 Flamengo, Aflitos. Gols: Fernando (2), Artur e João Manoel

29/07

NÁUTICO 2 x 2 Sport, Aflitos. Gols: Fernando e João Manoel

19/08

NÁUTICO 3 x 1 América, Jaqueira. Gols: Fernando (2) e Zezé

Segundo Turno

02/09

NÁUTICO 3 x 2 Íris, Jaqueira. Gols: Fernando (2) e João Manoel

 04/11

NÁUTICO 1 x 3 Flamengo, Jaqueira. Gol: Fernando

15/11

NÁUTICO 5 x 2 Torre, Av. Malaquias. Gols: Fernando (2), João Manoel, Zezé e Taurino

18/11

NÁUTICO 6 x 1 Encruzilhada, Av. Malaquias. Gols: Fernando (3), João Manoel (2) e Artur

25/11

NÁUTICO 0 x 2 Santa Cruz, Jaqueira

08/12

NÁUTICO 3 x 2 América. Gols: Fernando (2) e Osvaldo Salsa

1935

31/03

NÁUTICO 8 x 1 Sport, Av. Malaquias. Gols: Fernando (3), Artur (2), Estácio (2) e Zezé

EXTRA

07/04

NÁUTICO 2 x 1 Santa Cruz, Av. Malaquias. Gols: Fernando e Estácio.

FOLCLORE ALVIRRUBRO

O boi do Náutico e Pai Edu

Em 1981, o Náutico estava numa fase ruim, e numa entrevista à revista Placar a mim concedida, o pai-de-santo Edu cobrou uma dívida contraída ainda na época do Hexa (1963 a 1968). É que naquele tempo, quando o famoso técnico Duque estava à frente do time, o que aconteceu em pelo menos 70 por cento da campanha, Edu era sempre requisitado para dar uns banhos de sal grosso e alecrim no pessoal. A cobrança entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Os dirigentes só se deram por conta, quando o Timbu estava derrotando o Central tranquilamente por 1 a 0, nos Aflitos, e, faltando apenas um minuto, os caruaruenses empataram. Foi uma tragédia, porque o resultado tirou o Náutico do páreo.



A direção de futebol, o empresário da área açucareira e depois de combustíveis Geraldo Uchoa de Medeiros à frente, tratou mais do que depressa de saldar o compromisso com as entidades que povoam o Palácio de Iemanjá, o sagrado templo onde Pai Edu exercia suas atividades. Numa chuvosa noite de sexta-feira, 11 de setembro, cartolas e torcedores, muitos vestindo a camisa alvirrubra, começavam a subir a Ladeira da Sé, numa curiosa procissão em torno de um caminhão conduzindo um boi, imobilizado por uma corda, para ser ofertado a Xangô.
Torcedores do Santa Cruz e do Sport também estavam lá, mas a fim de gozar os adversários. No meio daquela aglomeração distinguia-se facilmente a figura de Cláudio Carneiro, um dos diretores do clube na fase do hexacampeonato, justamente o cartola que, na época, tinha feito solenemente a promessa a Edu.
Em meio à expectativa geral, o séquito chegou ao Palácio de Iemanjá e, para surpresa de todos, prepotente e por cima da carne seca, Edu recusou a oferenda:
- Cadê o presidente? Ele é o dono da casa e tem que estar aqui.
A ordem do pai-de-santo deixou a assistência estarrecida por ter sido acrescida de outra:
- Ele vai ter que dar uma testada no boi...
Além disso, o animal que ali se encontrava, era castrado, e Xangô não aceitaria a oferenda. Teria que ser um boi inteiro.
- Boi capado, não, dizia Edu arrogantemente, enquanto os dirigentes do Náutico entreolhavam-se, numa situação que ultrapassava o ridículo.
Só isso? Não. Edu estava mesmo dominando as circunstâncias e não queria deixar escapar a chance de ir à forra. Disse ainda que a rês teria que ser inteiramente branca. Aquele boi preto, com ligeiras manchas brancas não servia. Humilhando o pessoal do Náutico daquela maneira, Edu vingava-se de um destacado dirigente dos tempos do Hexa, José Calazans de Moura, vindo de Minas Gerais, gerente da filial de um banco mineiro no Recife. Segundo Edu, Calazans, já de pés plantados no Recife, relegara seu trabalho ao afirmar que o Náutico não precisava de catimbozeiro para ser campeão.
A procissão deu meia-volta, conduzindo o boi recusado por Edu, ficando os resignados dirigentes de voltar no dia seguinte com o animal que preenchesse todos os requisitos. Pegaram um na fazenda do conselheiro Gislan Alencar e voltaram no sábado, sendo agora o cortejo engrossado com a presença de alguns jogadores, como Luciano, Lourival, Ney, Lupercínio, Jonas, Carlinhos, Alexandre, Carlos Alberto e Douglas. Essa turma foi mais pela curtição, ou por pura curiosidade, pois o pagamento da promessa já estava chamando a atenção. Quando tudo parecia bem encaminhado surgiu mais um abacaxi, porque o boi, apelidado de “Retardado Mental”, ao descer do caminhão, passou a fazer charminho, disputando a condição de estrela com Edu. Foi bater no chão e deitar-se, merecendo a desaprovação do pai-de-santo.
– Assim não vale. O boi tem que entrar no palácio com os próprios pés. Quero uma entrada triunfal, é uma exigência de Xangô – determinou Edu.

Só que o falatório do pai-de-santo não terminou aí:

– Onde está o presidente do Náutico? Ele que vá coçar o saco do boi pra ele se levantar...
O recatado presidente Hélio Assis havia comparecido, diante da ordem dada por Pai Edu na véspera, mas seria humilhação demais atender a mais esse capricho. O dirigente Pedro de Paula Barreto, o folclórico Pedrão, sempre chegado a esses movimentos, assumiu de bom grado a missão de futucar o animal, porém não teve êxito. Foi quando torcedores e dirigentes uniram-se, levantaram o animal nos braços, entregando-o de mão beijada nos braços de Edu. Por coincidência, naquela mesma tarde, o Náutico empatou com o Sport em 0 a 0, nos Aflitos, sagrando-se bicampeão juvenil, o sub-20 atual, e o boi, que poucos dias depois viraria churrasco, ainda teve direito a um saco de farelo, doação do gordo Guerrera, um dos componentes do staff alvirrubro.
Dívida paga, o pessoal do Náutico animou-se, certo de que a pátria estava salva. Abria-se assim o caminho para o título de campeão pernambucano voltar aos Aflitos, de onde estava distanciado desde 1974.
– Nada disso. Esse boi foi em pagamento de uma dívida antiga. Daqui pra frente é outra coisa, sentenciou Pai Edu.

 

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