O AMÉRICA ATRAVÉS DOS TEMPOS (01)

Uma tradição  do futebol pernambucano



Por Lenivaldo Aragão

América e seu primeiro título, na imprensa carioca (Foto: reprodução)



Zezinho, Julinho, Djalma, Edgar e Oseas – a foto destes 11 heróis ainda ocupa um lugar de honra na sede do América Futebol Clube, na Estrada do Arraial, bairro de Casa Amarela e refere-se à sexta e última conquista do título de campeão pernambucano da Primeira Divisão, no longínquo ano de  1944. Antes, o Alviverde havia levantado os campeonatos de 1918, 1919, 1921, 1922 e 1927. A conquista que mais marcou foi a de 1922, ano em que o Brasil festejou o primeiro centenário de sua independência. Valeu a denominação de Campeão do Centenário, dada também a outros campões estaduais, como o Corinthians.

            O América sempre teve gente de destaque em sua direção, como o comendador Arthur Lundgren, proprietário da Fábrica de Tecidos Paulista e fundador das Casas Pernambucanas. Também reunia famílias, a exemplo dos Moreiras e os Cabral de Melo.

Surgido em 12 de abril de 1914, o América está vivendo nesta terça-feira (12/04/2022) o 108º aniversário de sua fundação.

Na caminhada para obter o último título, o de 1944, o América levantou um turno, e o Náutico, dois. Houve um jogo extra, vencido pelo Alviverde por 3 x 2. Veio uma melhor de três, que se transformou em melhor de duas. Nos Aflitos, no dia 9/2/1945 – era comum o campeonato passar de um ano para outro – vitória do América por 2 x 0, gols de Valdeque e Oseas. Na Ilha do Retiro, em 18/02/2009, outra vitória americana, agora por 3 x 0 – Oseas (2) e Zezinho.  


No jogo final, a formação do campeão difere daquela da  foto existente na sede, apenas pela presença de Valdeque em vez de Djalma.  O técnico era o gaúcho Álvaro Barbosa, que em pleno campeonato foi obrigado a fazer uma improvisação. O lateral-esquerdo Rubens, carioca, teve que regressar ao Rio de Janeiro para prestar serviço militar. Sem outro jogador para a posição, improvisou o ponta-direita Astrogildo. Deu certo. Tanto que Astró, como era conhecido na intimidade do futebol, permaneceu na lateral esquerda até encerrar sua carreira.

 ACUSAÇÃO INJUSTA

 Daquela disputa com o Náutico ficou a triste lembrança do brusco afastamento do lateral Natal no dia do primeiro jogo. Em seu lugar entrou Deusdeth. A medida foi tomada pelo diretor de futebol, Rubem Moreira, mais tarde presidente da Federação, durante 27 anos ininterruptos, e irmão do presidente do clube, José Augusto Moreira. A notícia de que Natal tinha sido dispensado, de repente, logo espalhou-se, com uma versão que varou o Recife numa velocidade de raio: suborno. Foi essa ‘verdade’ que durante muitos anos prevaleceu. Todavia, numa entrevista ao autor desta reportagem, em agosto de 1977, portanto, 33 anos depois do incidente, o goleiro Leça, que acompanhou o caso de perto, restabeleceu a verdade.

 – O que aconteceu é que Natal era muito mulherengo e no dia do primeiro jogo, um domingo, o centromédio Capuco acordou antes das cinco horas, como de costume, para apanhar mangas, pois havia várias mangueiras na concentração. Quando acordei já vi Capuco em pé. Foi quando ele me mostrou uma mulher pulando a janela que dava para a rua, ajudada por Natal. Capuco achou aquilo um absurdo, queria logo bater no cara. Interferi, mas ele não se conteve e terminou entregando Natal a Álvaro Barbosa, que telefonou para Rubem Moreira. Rubem chegou furioso, soltando palavrões, como sempre, e de revólver à mão, deu meia hora pra Natal pegar seus pertences e se mandar. O negão Natal ainda apelou, chegou até a chorar, mas não teve jeito” – contou Leça, um dos maiores ídolos de todos os tempos do América.

QUASE PENTA

Fundado como João de Barros, por ter surgido na avenida do mesmo nome, mudou para América por sugestão do desportista Belfort Duarte, um maranhense residente no Rio e ligado ao América de lá. Ele esteve em visita ao Recife, em 1915, numa viagem que realizava pelo Brasil, visando à criação de uma entidade que congregasse o futebol nacional. Eram os primeiros passos para a criação do que é hoje a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Em 22 de agosto daquele ano, portanto, o João de Barros passou a se chamar América. Chegou até a adotar o vermelho de seu homônimo carioca. Depois de dois campeonatos  voltou ao verde original.

            O América esteve perto de tornar-se pentacampeão muitos anos antes do Náutico (1963-67), Santa Cruz (1969-73) e Sport (1996- 2000). Era decantado como o melhor time do Recife. Sagrou-se bicampeão em 1918/19, mas em 1920 afastou-se do campeonato em plena disputa. Depois de derrotar Sport e Náutico por 2 x 1, perdeu para o Santa Cruz pelo mesmo placar. Com queixas da arbitragem abandonou o certame, que foi levantado pelo Sport. No ano seguinte, voltou à competição, tornando-se mais uma vez campeão, em 1921/22. A dedução é que na marcha com que ia derrubando os adversários ano a ano, fatalmente ganharia o título também em 1920.

Outro afastamento ocorreu em 1959. Até então, considerado um clube grande – seu encontro com o Náutico era chamado de O Clássico da Técnica e da Disciplina –, o América tinha começado a entrar em decadência. Pediu licença à Federação, mergulhado que estava numa grave crise financeira. Em 1962 voltava às disputas, mas sem ter a importância de outrora.

            Uma das páginas inesquecíveis do América foi escrita em 3/6/1956, com a goleada de 6 x 3 aplicada no Santa Cruz, na Ilha do Retiro. O goleiro tricolor era nada mais, nada menos que Barbosa, vice-campeão mundial em 1950.

            Hoje, o América, que durante muito tempo ocupou um campo existente no bairro da Jaqueira, mas jamais quis apropriar-se dele definitivamente, peregrina pela Segunda Divisão, a Série A 2,  sem um pouso certo. Ora está aqui, ora, acolá.

            PRIMEIRO TÍTULO

Primeiro bicampeão pernambucano, em 1916/17, o Sport foi superado pelo América nos dois anos seguintes. O Alviverde, com a equipe que era considerada a melhor do campeonato, também foi “bi”. A exemplo do Sport, os americanos trouxeram jogadores de fora para reforçarem seu time. Tal procedimento num futebol essencialmente amador não era visto com bons olhos, embora fosse legal. Assim, em 1918 e 1919, quando mandou no pedaço, o América esteve reforçado do zagueiro Alexi e do center half ou centromédio Bermudes, ambos da Associação Atlética Palmeiras, de São Paulo – nada a ver com a atual Sociedade Esportiva Palmeiras – e do atacante Perez.

            O Alviverde começou arrasador, e de saída foi logo aplicando a maior goleada sofrida pelo Náutico até hoje nas suas 105 participações no certame. Numa tarde em que tudo dava certo para os americanos, o goleiro alvirrubro Nelson foi buscar dez vezes a bola no fundo da rede. Placar final, 10 x 1 para o América. Não ficou nisso. No prosseguimento da sua campanha, o América, cuja torcida crescia paralelamente ao sucesso dentro de campo, metia outro 10 x 1, agora no Torre. O Sport também foi vítima da equipe das famílias Tasso, Cabral de Melo, Loyo e mais tarde Moreira. Só que o Rubro-Negro perdeu por um placar mais “ameno”: 6 x 1.

            O grande nome da equipe esmeraldina era o atacante Zé Tasso, que havia começado no Santa Cruz e mudara de time por pressão de seus familiares, todos abrigados sob o guarda-chuva alviverde. Era irmão do goleiro Jorge Tasso.

            Em 1918, ano do primeiro título americano, em junho a Liga decidiu devolver o campo dos Aflitos ao seu proprietário, Frederico Lundgren. O Náutico alugou-o por quatro anos, passando a realizar ali os jogos cujo mando lhe pertenciam. Na sua estreia como dono provisório do campo da Avenida Conselheiro Rosa e Silva, o Alvirrubro foi derrotado pelo futuro campeão do ano, o Periquito,  pela contagem de 3 x 0. Ainda foram utilizados os campos da Jaqueira, pertencente ao América, e o da Avenida Malaquias,  perto da Jaqueira e dos Aflitos, nas imediações da AABB – Associação Atlética Banco do Brasil – utilizado pelo Sport.

            O campeonato de 1918 contou com a participação de seis equipes e foi dividido em dois turnos, no sistema de pontos corridos. O América realizou 10 jogos e ganhou 17 pontos (cada vitória valia dois pontos), tendo vencido oito partidas, empatado uma e perdido outra. O vice-campeão foi o Santa Cruz.

            O título foi consolidado em 12 de janeiro de 1909, portanto, já no ano seguinte, com uma vitória por 3 x 1 sobre o Sport, no campo da Jaqueira. Arbitragem de Mr. J. Foster. Os gols foram marcados por Zé Tasso, Juju e Perez – América; Pedro Marzulo – Sport.

           O campeão América alinhou: Jorge Tasso; Ayres e Alexi; Rômulo, Bermudes e Soares; Siza, Perez, Zé Tasso, Juju e Lapa.

            A campanha americana teve os seguintes resultados:

            1º Turno

28 de abril                 Náutico 1 x 10 América

13 de maio                Flamengo 1 x 3 América

09 de junho              Santa Cruz 1 x 2 América

23 de junho              Torre 1 x 6 América

21 de julho               América 6 x 1 Sport

2º Turno

18 de agosto            Náutico 3 x 0 América

07 de setembro        América 1 x 1 Flamengo

08 de dezembro       Santa Cruz 2 x 0 América

22 de dezembro       Torre 1 x 10 América

12 de janeiro (1919)            Sport 1 x 3 América

REFORÇADO PARA O BI

Campeão em 1918, com o reforço dos paulistas Alexi, Bermudes e Antonio Perez, o América Futebol Clube continuava a receber críticas dos seus concorrentes. Estes combatiam a presença de jogadores de fora em qualquer equipe que estivesse disputando o Campeonato Pernambucano. O regime era de puro amadorismo. A importação de atletas tornava-se uma grande deslealdade, alegavam dirigentes de Santa Cruz, Náutico, do novato Varzeano e do Torre. Com essas importações, o Alviverde colocava-se num nível superior em relação aos demais participantes do campeonato. O América, porém, não estava nem aí. Além dos três reforços que haviam disputado o campeonato anterior, o Periquito trouxe ainda, para 1919, Felipe Perez, irmão de Antonio Perez, e Salermo. Portanto, meio time de jogadores importados, contrariando a todos. Os protestos eram estendidos ao Sport, que usava do mesmo expediente. América e Sport alegavam que agiam dentro da legalidade, pois o enxerto era permitido. Que os demais clubes fizessem o mesmo.

Na realidade, nada existia no regulamento do certame que combatesse a inclusão de jogadores de outros centros futebolísticos nas equipes recifenses. O que se fez para evitar que o reforço fosse contratado em cima da hora de uma decisão, por exemplo, foi estabelecer um prazo. O jogador que viesse de fora, teria que respeitar um período mínimo de 60 dias antes de entrar em ação. Estava estabelecida a “lei do estágio”. Já que não era proibido por que não tirar proveito da situação? Era assim que raciocinavam os dirigentes alviverdes.

Agindo dessa forma, o América dividia com o Sport a liderança do futebol pernambucano. Eram os colecionadores de títulos, que ganhavam seguidamente, enquanto os outros se esforçavam e não chegavam lá. Fora da dupla, apenas o Flamengo, isso na primeira edição do campeonato. Depois daquela façanha, o Alvinegro não teve mais a glória de beber o champagne na taça reservada ao campeão. Para os concorrentes de alviverdes e rubro-negros, o poder econômico é que fazia a diferença. Por essa razão, todos voltavam-se contra a aquisição de atletas de Estados onde o futebol estava mais adiantado.

           SÓ UMA DERROTA

Indiferente às críticas, o América foi cuidando de dar tratos à bola. Começou a remover os obstáculos que surgiam à sua frente. Como só houve oito concorrentes, e o campeonato teve apenas um turno, o campeão de 1918, agora lutando pelo bicampeonato, caminhou lépido e fagueiro ao longo do certame. Perdeu apenas um jogo, justamente para o Sport que, como ele, trazia jogadores de fora, principalmente para as decisões.

Logo de saída, uma goleada por 5 x 2 no Santa Cruz, o que queria dizer que o campeão pernambucano estava em ótimas condições de batalhar pelo bicampeonato. No decorrer da campanha, as equipes do Varzeano e do Torre também foram vítimas da volúpia de gols de Zé Tasso e seus companheiros, pois igualmente foram goleados.

            Em se tratando do campeão, cresceu o interesse dos outros times em derrotar o América. Sempre é assim. A equipe que está em evidência é o inimigo a ser abatido. Mas os companheiros do grande artilheiro Zé Tasso iam tirando de letra até a consagração final, quando a conquista do segundo título de campeão e do primeiro bicampeonato foi efusivamente comemorado pela torcida e pelos jogadores americanos.                                                                                                                                                                                                                                                                                      

            No dia 23 de novembro, ao realizar sua sétima e última partida na competição, derrotando o Torre por 5 x 0, o América sacramentava a conquista do bicampeonato, no British Club-América Parque, com 12 pontos, um de vantagem para o vice-campeão Sport, e coroava sua tranquila caminhada no certame.

           FOI BOM ESPERAR

O árbitro do jogo em que o América sagrou-se bicampeão pernambucano, igualando o feito do Sport em 1916/17, foi o Dr. João Lacerda. Antonio Perez, um dos importados, constituiu-se na grande figura do encontro, marcando quatro gols. Zé Tasso completou a goleada.

            AMÉRICA (bicampeão): Salgado; Alex e Ayres; Rômulo, Bermudes e Soares; Felipe Perez, também chamado de Perez II, Zé Tasso, Antonio Perez e Lapa.

            TORRE: P. Ramos; Arthur e Romeu; Austragésilo, Roxura e Paulino; Arlindo, Osvaldo, Alemão, Hermógenes e A. Lins.

            Jogadores e torcedores do América festejaram a conquista de seu segundo troféu no Campeonato Pernambucano naquele 23 de novembro. Torcedor tem o direito de comemorar quando e como bem entender, porém, o clube teve que esperar algum tempo para ser proclamado bicampeão pernambucano.

Náutico e Varzeano protestaram junto à Liga Sportiva Pernambucana, alegando tratar-se de uma injustiça clubes recifenses, no caso, o próprio América e o Sport, recorrerem a jogadores de outros Estados. Por causa dessa pendenga, a Liga só em 13 de dezembro veio a declarar o América campeão de 1919. Todavia, a torcida americana não tinha mais o que festejar, uma vez que o carnaval já tinha sido realizado.

           

A CAMPANHA

04 de maio                Santa Cruz 2 x 5 América

08 de junho              América 2 x 1 Flamengo

06 de julho               América 4 x 0 Peres

24 de agosto             América 0 x 2 Sport

14 de setembro        Náutico 0 x 2 América

12 de outubro                      América 6 x 1 Varzeano

23 de novembro      América 5 x 0 Torre

 

Comentários