MEMÓRIA DO FUTEBOL

Murro na mesa marcou primeira crise do Santa


 


Por Lenivaldo Aragão


Alexandre,, décadas após a decisão histórica (Reprodução: do livro Santa Cruz de Corpo e Alma por  Iago Aragão)


Quando o Santa Cruz ainda engatinhava, poucos meses depois de fundado, por um triz não foi desfeito. O clube necessitava de 35 mil réis e só tinha em caixa 6 mil. É bom lembrar que a meninada cuja idade chegava no máximo aos 16 anos. Embora sendo da classe média, muitos residentes na Rua dos Coelhos, acostumados a bater peladas na Campina do Derby, não tinha como arrecadar a quantia de que necessitavam com tanta facilidade.

Numa movimentada reunião, um dos presentes teve uma ideia estapafúrdia. Por ele, a agremiação  seria dissolvida e, com os 6 mil réis existentes, a turma faria uma senhora ‘farra’ no Caldo de Cana Elétrico, uma novidade que se constituía na maior sensação do Recife, naquela segunda década do século XX. Funcionava no Bar Constantino, na Rua da Aurora. Lá, as moendas que espremiam a cana já não eram movidas pelo braço humano, mas pela eletricidade.  

Na verdade, aquela inexperiente e imberbe rapaziada procurava uma maneira de superar a primeira crise surgida no recém-nascido alvinegro do bairro da Boa Vista – o acréscimo do vermelho viria mais tarde, quando a Liga  Sportiva Pernambucana organizava a primeira edição do Campeonato Pernambucano, disputado em 1915. Como o Flamengo, que levantaria o campeonato, único de sua trajetória, tinha as mesmas cores, foi realizado um sorteio para decidir qual dos dois clubes manteria o visual original. A disputa foi vencida pelo concorrente do Santinha. Foi quando a turma do “time dos meninos” resolveu incluir o encarnado, ou seja, o vermelho. (“É encarnado, branco e preto / É encarnado e branco / É encarnado, preto e branco / É encarnado e preto...” cantou Jsckson do Pandeiro no seu célebre rojão “Um a Um”.

 FRASE HISTÓRICA

Naquela agitada reunião, Alexandre Carvalho, sócio fundador número um do Santa Cruz, que nunca possuiu a carteirinha social,  considerou uma afronta a sugestão de ‘moer’ o time na engenhoca. Numa reação fulminante, deu um murro na mesa e pronunciou uma frase histórica:

– O Santa Cruz nasceu e vai viver eternamente!

Logo partiu em busca de uma solução, nem que para isso o Santa tivesse que sair à rua “esmolando para missa pedida”, como era costume naquele tempo.

Em companhia de outro sócio, Quintino Paes Barreto, foi procurar  um abastado empresário do ramo da construção civil, amigo de seu avô. 

Time do Santa, um ano depois de fundado (Arquivo do Blog)

Vale salientar que quando o Santa nasceu, o menino Alexandre já não tinha pai. Este, o oficial do Exército Francisco Augusto Carvalho Morais havia falecido. Juntamente com a mãe, o adolescente morava com o avô, o desembargador José Maria da Rocha Carvalho. Ao explicar ao amigo do doutor José Maria a finalidade da visita, obteve um não, categórico, seguido de um conselho:

– Menino, esse jogo de bola é para estrangeiro. Para vocês existe cinema na Rua Nova. Diverte muito mais.

lexandre não conseguiu esconder seu desapontamento. O ricaço sentiu sua angústia e quando ele ia se despedir, fez um ligeiro ar de riso, puxou-o para um canto da sala e indagou:

– Cem mil réis dão pra vocês começarem?

Não precisa dizer que os dois improvisados emissários do Santa entreolharam-se estupefatos. O aperto coral desapareceria com apenas 29 mil réis, já que havia necessidade de 35 mil (como já foi dito, existiam 6 mil em caixa) para a aquisição de material esportivo. Como nunca tinham visto uma cédula de cem mil réis, arregalaram os olhos ao receber a nota novinha em folha. Era a primeira grande doação feita ao futuro Clube das Multidões. 

SEGREDO REVELADO

Uma condição apresentada pelo doador era que o fato ficasse em sigilo. E ficou. Só em 1967, quando o Santa festejava o 53º aniversário de fundação, seu nome foi revelado. Era Francisco Maciel, membro de uma ilustre família que tempos depois forneceria vários colaboradores ao Tricolor, entre eles José do Rego Maciel, prefeito do Recife (1953-54) e presidente do clube (1963-64). O ilustre tricolor dá nome ao estádio do Arruda, para cuja implantação teve significativa participação, a começar pela aquisição do terreno.


Voltando à reunião. Espanto geral acompanhado de uma esfuziante gritaria, quando os intrépidos Alexandre e Quintino comunicaram o sucesso de sua investida. O clube adquiriu o material de que necessitava e ainda ficou com uma boa reserva. Diante de fato tão inesperado, o garoto que queria transformar o Santa em caldo de cana ficou com a cara no chão, tendo que bater palmas para o agora tranquilo e exultante Alexandre Carvalho.

 

 

 

Comentários