GOLEIROS-GLÓRIA E DESVENTURA (1)

 

Barbosa, Palito, Lucas, Aldemar, Calico, Ananias, Jorge de Castro, Luiz Marine, Marinho, Amaury e Zeca (Reprodução)

No Arruda, outra tragédia que Barbosa, o de 1950, viveu

 


Lenivaldo Aragão


 

(O triste momento vivido por Alex, o goleiro do Central, que falhou redondamente na derrota para o Santa Cruz por 3 x 1, sábado passado, 25 de março, e foi imediatamente afastado do elenco alvinegro, com a determinação de passar em casa os últimos dias de seu contrato, que está prestes a terminar, lembra fatos ocorridos em que grandes goleiros tiveram seu dia de completa infelicidade. Começamos, então, com o inesquecível Barbosa e sua passagem pelo Santa Cruz)

 

“O América arrancou a máscara do Santa Cruz”, “Barbosa levou seu clube à derrocada”, “Placar de bola de meia no clássico”, “Barbosa em tarde negra”.

As manchetes dos jornais recifenses não podiam ser diferentes na segunda-feira 4 de junho de 1956. Na véspera, o Santa Cruz tinha sido goleado pelo América, tido ainda como clube grande, por 6 x 3. O goleiro Barbosa, o mesmo da Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil foi vítima da raça de Obdulio Varela e seus companheiros da Seleção Uruguaia, seis anos depois parecia refeito daquele golpe. Sua chegada ao Recife no ano anterior, para defender o Santa, tinha sido uma apoteose. Bastou um treino no Alçapão do Arruda – ainda não existia o Mundão – com os torcedores dando uma contribuição espontânea, para o clube arrecadar os 200 mil cruzeiros empregados para trazê-lo.

– Nunca vi em toda a minha vida, tanta gente num treino – confessava um encantado Barbosa, profissional já vivido, principalmente no Vasco da Gama e na Seleção. E olhe que era um dia útil.

 

DOMINGO TRÁGICO

Todavia, naquele domingo fatídico, o até então ídolo tricolor, via, de repente, seu prestígio se esfarrapar numa lamentável atuação, uma vez que andou levando gols inadmissíveis para um goleiro tarimbado como ele. Dias antes manifestara sua vontade de voltar para o Rio, uma vez que o Vasco o queria de volta. Foi o suficiente para muitos torcedores acharem que ele estava agindo deliberadamente para forçar a saída.

Nas antigas gerais da Ilha  do Retiro, a massa tricolor não escondia sua revolta. O Santa Cruz de Barbosa; Palito e Guto; Zequinha, Aldemar e Edinho; Jorge de Castro, Wassil, Isauldo, Rubinho e Otávio, um timaço. entrara em campo como franco favorito para enfrentar o América de Leça, Geroldo e Cido; Claudionor, Rosael e Claudinho; Zezinho, Dimas, Macaquinho, Celly e Gilberto.

Com a bola rolando, os prognósticos foram se dissipando. Aos 15 minutos, Dimas faz 1 x 0, depois de bater Aldemar, denominado o Príncipe, devido à elegância com que desarmava os adversários e comparecia às festas sociais. O Santa Cruz consegue empatar aos 19, com Rubinho. O povão passa a esperar a virada, mas quem volta a marcar é o América, com o argentino Celly, aos 40. No segundo tempo, aos 7, chute de Dimas, fraco, Barbosa defende parcialmente, mas a bola termina calmamente tomando o caminho da rede: América 3 x 1. Aos 32, Otávio marca para o Tricolor, reanimando o povão. Três minutos depois, o desânimo volta a pairar sobre a massa tricolor. Gol de Macaquinho, o quarto do Alviverde. No minuto seguinte, o ponta-direita Zezinho, limoeirense, mais tarde, quando defendia o Náutico, apelidado de Zezinho Caixão, faz um lançamento para a área. A bola toma o caminho do gol, e Barbosa fica parado, vendo-a cair mansamente dentro da rede. América 5 x 2, numa extrema humilhação para o Santa Cruz, que investira pesado. Isauldo ainda desconta para os corais, mas Zezinho volta a marcar e liquida a fatura.

 

MOMENTOS DE TERROR Terminado o jogo, o vestiário do Santa, localizado na parte do estádio que dá para a sede do Sport, foi cercado por torcedores enfurecidos, que queriam a todo custo linchar Barbosa. Este, inconsolável, estava acuado num canto do camarim, lamentando-se entre os companheiros e temendo o pior. Só conseguiu sair, depois que a Rádio Patrulha, com seus gigantescos e bem armados soldados encostou. Em dado momento, a porta foi aberta. Tricolores armados de pau e pedra ameaçavam agredir o goleiro, em meio a uma verdadeira torrente de impropérios. De súbito, ouviu-se a advertência ameaçadora:

– Vou sair com o homem. Pra bater nele, têm que bater primeiro em mim.

A voz era do presidente Boanerges Costa, do Santa Cruz, que rapidamente conduziu o infortunado Barbosa para seu carro, estacionado a alguns metros, e levou-o para lugar seguro. Estava assim encerrada, de maneira trágica, a passagem do grande goleiro pelo Arruda.

As circunstâncias e a repercussão eram outras, mas Barbosa não deixava de fazer alguma ligação com o episódio de 16 de julho de 1950, no Maracanã, vivido por ele e uma gama de craques, incluindo o pernambucano Ademir. Favorito absoluto, o Brasil, que só precisava empatar e chegou a abrir o placar, por um vacilo, ao perder por 2 x 1, deixou o título de campeão do mundo escapar  para mãos uruguaias, em pleno Maracanã. Desastrosa, dolorosa e inesquecível derrota que nossos tradicionais adversários ainda hoje chamam de “maracanazzo”.

No Recife, dias depois da catastrófica derrota de 6 x 3 num jogo no qual o Santa, tal qual o Brasil em 1950, surgia como favorito, Barbosa tinha seu contrato rescindido e regressava ao Rio, sem aplauso e sem glória.

 

 

 

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