HISTÓRIAS DO LENDÁRIO PALMEIRA (5)

 Náutico na Alemanha e o trem das oito e meia

  



Lenivaldo Aragão


Jogadores do Náutico na Alemanha, na frente de uma cervejaria. Em pé, à esquerda, o locutor Fernando Ramos e o ponta-esquerda Zeca. Na outra extremidade, Ivanildo (E), o capitão do time, e Genário, lateral, médico e intérprete da delegação. Entre os sentados, o segundo é Dico, jogador e futuro engenheiro. Junto dele, exibindo uma gigantesca caneca de chope, o goleiro Manuelzinho. À entrada do estabelecimento, um cartaz anunciando uma exibição dos alvirrubros na cidade.(Arquivo do Blog)

 


Com sua célebre excursão à Europa, em 1953, o Náutico foi o primeiro time pernambucano do Norte-Nordeste a cruzar o Atlântico. A equipe alvirrubra viajou sob a tutela do célebre  empresário de futebol José da Gama. Tratava-se de um português enfronhado no futebol, inicialmente radicado no Recife, onde chegou a se ligar ao Santa Cruz. Depois foi viver no Rio. Esperto, no auge de sua atividade chegou a ter seis times brasileiros varando o Velho Mundo ao mesmo tempo.   

No seu livro O NÁUTICO, A BOLA E AS KEMBRANÇAS, o médico e escritor Lucídio José Oliveira afirma que até então, somente um clube fora do eixo Rio-São Paulo tinha ido à Europa. Fora o Atlético Mineiro, sob o comando do uruguaio Ricardo Diez, que atuou em Pernambuco, antes e depois de ter comandado o Galo. Na Terra dos Altos Coqueiros, Dom Ricardo, como era conhecido nas Alterosas, dirigiu as equipes do Sport, Santa Cruz e Náutico.

Na excursão do Timbu, o lateral e mais tarde médico Genário Sales servia de intérprete para toda a delegação, pois falava francês fluentemente e ainda quebrava o galho no inglês. Já frequentando a faculdade, assumiu a parte médica do Alvirrubro na histórica viagem. 

O jornalista Hélio Pinto, nascido na famosa família cearense de sobrenome Rola, radicado no Recife, além de fazer a cobertura para o DIARIO DE PERNAMBUCO, representava Zé da Gama junto à delegação. Hélio terminaria se transformando em empresário.

O JORNAL DO COMMERCIO tinha na comitiva seu editor de Esportes, o português Antônio Almeida. A RÁDIO JORNAL DO COMMERCIO, com seu famoso slogan “Pernambuco falando para o mundo” ou “a voz mais potente do Brasil”, contava com o narrador Fernando Ramos. Vejamos um pouco do capítulo do livro de Lucídio Oliveira, sobre o célebre giro dos alvirrubros:

“A delegação embarcou – era a segunda quinzena de maio – no avião da moda, o Constallation da Panair do Brasil. Recepção festiva na passagem em Lisboa. O DIÁRIO DA NOITE estampava no alto da primeira página, em destaque, a fotografia da rapaziada com seu vistoso terno de cor clara, paletó e gravata. O líder Ivanildo à frente de todos, recebendo os aplausos e o carinho dos patrícios, um pouco antes do início de um jogo local, Sporting x Lusitano. A reportagem vinha assinada pelo veterano Antônio Almeida, enviado da empresa JORNAL DO COMMERCIO. Hélio Pinto também acompanhava a delegação, mandando notícias para o DIARIO DE PERNAMBUCO. Os jogos eram transmitidos pelas ondas curtas da RÁDIO JORNAL DO COMMERCIO. Pernambuco vivia momentos de intensa expectativa com seu representante exibindo o valente futebol nordestino em campos do Velho Mundo. Havia ansiedade e deslumbramento.

O técnico Palmeira levou 19 jogadores: Vicente, Manuelzinho, Caiçara, Lula, Irani, Gilberto, Jaminho, Elói, Alheiros, Hélio Mota, Ivanildo, Ivson, Djalma, Marcos, Zeca e Wilton, todos campeões de 1952 e mais Dico, Alcidésio e Genaro, jogadores que estiveram afastados da disputa do título do ano anterior, mas que faziam parte do elenco há tempo.  Ninguém mais. Nenhum jogador contratado de última hora, como costuma acontecer nessas ocasiões, os tais reforços do Sul nem sempre da melhor qualidade. Era somente o time tricampeão e pronto! Ausente somente Fernandinho, que não reunia mais condições físicas para continuar jogando.

Genaro, terceiranista de medicina, respondia pela saúde do grupo, visto que não se levava um médico diplomado. E o fazia – diga-se de passagem –, com absoluta competência, repetindo mais ou menos o que ocorrera com o centromédio Nariz, no Mundial de 38, na França, que seguiu com a delegação brasileira acumulando as funções de médico ao lado do dr. Castelo Branco, quando na realidade era apenas acadêmico de medicina.   

Uma ausência além de Fernandinho era muito sentida, especialmente pelos jogadores – Doutorzinho, dedicado massagista, queridíssimo de todos, à última hora fora cortado da delegação. Palmeira prevendo muita dureza na Europa, o que terminou se confirmando, preferiu levar em seu lugar mais um jogador de defesa, entrando Elói na lista de passageiros.”

Foram 12 jogos na Alemanha e na França, numa Europa que ainda procurava se recuperar da destruição que sofrera com a Segunda Guerra Mundial. Até que veio a hora do regresso.

DESCONFIÕMETRO LIGADO

O Timbu tinha iniciado o caminho da volta à pátria amada, quando os dirigentes resolveram distribuir o material do time com os jogadores. Cada um incluiria na sua bagagem dois calções, duas camisas, dois pares de meião e um par de chuteira. Assim, parte do peso a que o clube tinha direito seria preenchida com outras coisas. Achando que os cartolas queriam era mais espaço para trazer muamba, os atletas rebelaram-se:

– Isso aí é a bagagem do Náutico e ninguém vai levar nada.

A cartolagem foi à forra, determinando que dali em diante, o ônibus fretado para transportar a delegação internamente não esperaria um minuto, além da hora aprazada. Quem se atrasasse que se virasse. Seu passaporte e sua passagem no cobiçado Constallation da Panair do Brasil, poderiam ser apanhados na Embaixada Brasileira em Paris. Um recado direto para aqueles que costumavam remanchar um pouquinho, principalmente os biriteiros.

 “OUI, OUI, MONSIEUR”

Depois de viajar de trem dentro da Alemanha durante toda uma noite, a partir de Hamburgo, a turma dos Aflitos chegou a Colônia, ainda em solo alemão, onde pegaria nova composição, com destino a Paris. Como sempre fazia, Genário, cearense egresso do Maranhão, que a timbuzada chamava de Genaro,  dirigiu-se imediatamente ao setor de informações para checar se tudo estava nos trinques. Foi informado de que o trem em que a delegação viajaria para a capital francesa partiria às 8h30. Foi advertido para o fato de às 8h15 sair da mesma plataforma, a de número 9, outro comboio, rumo a outra região da Alemanha. Era preciso ter cuidado para não pegar o trem, errado. Genário reuniu toda a delegação e passou o bizu.

Wilton e Alcidésio, que testemunharam o diálogo entre o intérprete alvirrubro e o chefe da estação, acharam que o companheiro não falava patavina de francês, uma vez que, para eles, só sabia dizer “oui” (sim), além do clássico “bon jour, monsieur (bom dia, senhor)” 

Havia um grupo no qual Genário se enquadrava, que gostava de uma brincadeira. Ele mesmo armou uma presepada ali em Colônia. Combinou com Caiçara, Lula e Alcidésio para que entrassem no trem das 8h15, com sua respectiva bagagem. Foi o suficiente para que os cartolas Abel Ventura e Rui Salatiel, bem como o técnico Palmeira, fizessem o mesmo, no que foram seguidos por Hélio Pinto, Antônio Almeida e Fernando Ramos.

A locomotiva já começava a apitar, dando o sinal de partida, quando os três farsantes deram o alarma de araque:

– Entramos no trem errado, não é esse.

Dito isto correram em direção à porta do vagão, provocando um ligeiro tumulto, já que os outros pernambucanos também se levantavam às pressas. Genário, o autor da zorra, morria de rir, às escondidas, do lado de fora. O explosivo técnico Palmeira, depois de jogar sua mala pela janela do trem, começou a usar seu repertório de palavrões, em meio a gestos agressivos:

– Qual foi o filho da puta que disse que o trem era esse? Apareça!

Espantados, os alemães não traduziam o palavreado do “velho Pal”, mas compreendiam sua reação. Enquanto isso, com cara de sonso, Genário explicava:

– Bom, eu avisei que era o das oito e meia, se entenderam errado eu não tenho culpa...

Uma vez no trem que levaria o Náutico a Paris, Palmeira tomou seu lugar, mas viajou um bom tempo de cara amarrada só por pensar que tinha sido vítima de uma tremenda greia.

 

 

 

 

 

 

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