O juiz que não levava desaforo para casa
Lenivaldo
Aragão
Antes
de ser um disputadíssimo treinador do futebol pernambucano – atuou ainda no Rio
de Janeiro e na Bahia –, José Mariano Carneiro Pessoa fez parte do quadro de
árbitros de Pernambuco. Temperamental, o conhecido Palmeira era ao mesmo tempo,
uma criatura afável e educada, que estava todos os dias na calçada do Café
Lafayete e da Cristal, na Rua do Imperador, e depois no Bar Savoy, na Avenida
Guararapes, pontos de encontro de dirigentes, torcedores e jornalistas. No
Lafayete chegou a se engalfinhar com Zago, zagueiro do Sport e mais tarde
árbitro.
Geralmente
de terno branco e sapatos lustrosos, Palmeira era facilmente identificável.
Como árbitro, foi contemporâneo de Argemiro Félix de Sena, o famoso Sherlock.
Certa vez adquiriu um cronômetro, o que lhe possibilitava parar a marcação do
tempo de jogo sempre que a partida fosse interrompida. Uma grande novidade, que
rendeu até notícia em jornal. Palmeira era tão acreditado e respeitado que, já
exercendo o cargo de treinador do Santa Cruz, depois de ter abandonado o apito,
duas vezes teve que reassumir a antiga função, voltando a apitar por ter sido
escolhido pelo Náutico e pelo Sport para comandar duas edições do Clássico dos
Clássicos. Sem dúvida, um exemplo de extrema credibilidade.
MOMENTOS HISTÓRICOS
Palmeira
sempre recebia convites para apitar fora de Pernambuco, em campeonatos
estaduais. Por outro lado, como era costume, as equipes ao excursionar sempre incluíam
um árbitro na delegação, mais de uma vez Palmeira foi solicitado. Assim, participou
de dois momentos que ficaram na história do futebol de Pernambuco: a pioneira
viagem do Sport ao Centro-Sul (dezembro de 1941 a janeiro de 1942) e a Embaixada Suicida, do Santa Cruz (janeiro a
abril de 1943).
Na
excursão dos rubro-negros, ele seguiu como árbitro, e na temporada tricolor no
Norte e Nordeste, assessorava o presidente da delegação, jornalista Aristófanes
da Trindade, que era também o encarregado de botar o time em campo.
TROCA DE SOPAPOS
Quando
estava viajando com o Sport, na primeira vez em que uma equipe pernambucana ia
além da Bahia numa excursão ao Sul, o famoso juiz foi questionado pelos
jogadores do Leão na derrota por 2x1 para o Coritiba, na estreia no Paraná. O
grandalhão Zago, visivelmente irritado, perguntou-lhe a razão da anulação de
dois gols legítimos do Sport e da confirmação do tento da vitória dos
paranaenses, marcado em franco impedimento.
No seu História do Futebol em
Pernambuco, Givanildo Alves registrou esse diálogo entre o zagueiro e o árbitro:
–
Palmeira, que safadeza é essa?
–
Calma, Zago, calma, os homens acertaram um negócio aí pra haver uma negra. Fale com Seu Hibernon –
referia-se ao chefe da delegação, o advogado Hibernon Wanderley.
Na
revanche, o Leão aplicou uma goleada de 4x0. Veio a partida tira-teima, com
estádio lotado. Deu Sport novamente:
3x1.
Ainda
em Curitiba, dirigindo um jogo da equipe leonina contra o Britânia, Palmeira
paralisou a partida faltando cinco minutos para o encerramento, tendo ido até a
plateia para discutir com um torcedor que lhe hostilizava. Os dois se
engalfinharam, mas foram separados por outros torcedores. O árbitro
pernambucano sequer respeitou ou temeu o fato de se encontrar em terra alheia.
Deu o troco, à sua maneira. Passado o incidente, simplesmente voltou para
dentro de campo, como se nada tivesse acontecido, e deu prosseguimento ao
amistoso.
CADEIRA CONTRA SOMBRINHA
Mais
tarde, no Rio Grande do Sul, o Sport estava derrotando o Internacional, num
jogo cujo pontapé inicial fora desferido simbólica e solenemente pelo prefeito
de Porto Alegre, Loureiro da Silva, que vinha dando toda a assistência à equipe
pernambucana, como Presidente de Honra da delegação. A violência tomou conta da
partida, principalmente porque o Leão chegou a estar vencendo por 2x0, e os
gaúchos não aceitavam o resultado. O placar final foi um empate por 2x2.
Encerrado o primeiro tempo, com o Sport ganhando por 2x1, os pernambucanos quase não chegam ao vestiário, tamanha a hostilidade da torcida. Palmeira foi xingado por um torcedor e não teve a menor dúvida, pegou uma cadeira e jogou-a em direção ao povo. Os torcedores reagiram. Formou-se uma enorme confusão, e uma sombrinha foi atirada para dentro de campo, atingindo o jogador Furlan, da equipe rubro-negra.
Assim era Palmeira, que, como árbitro ou como técnico não levava desaforo para casa.
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