HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 O clássico da Mustardinha

Museu Mundial do Futebol/Futebol em Charges-reprodução



Tempo quente no popular bairro da Mustardinha, no Recife. Planetinha e Barra Forte iam se enfrentar.  Quando os dois se encontravam, dificilmente o jogo chegava ao fim. A inhanha começava logo cedo. As ameaças de “dou no futebol e dou na tapa” eram uma constante e partiam dos dois lados. Por precaução, para aquele encontro pediram um árbitro à federação.

            Nas barracas e em qualquer ‘pega bebo’ daquele pedaço da capital pernambucana, à medida em que a temperatura, graduada pelas libações alcoólicas, ia subindo, recrudesciam os insultos. O povo sabia que no dia em que as duas equipes se cruzavam, tudo poderia acontecer. As mães faziam mil recomendações aos filhos, quando estes saíam de casa. Às vezes, a partida era adiada por falta de um juiz que topasse enfrentar aquelas feras – as de dentro e as de fora de campo. Um lema muito em voga nos campos suburbanos dominava o panorama do duelo Barra Forte x Mustardinha: “Do pescoço pra baixo, tudo é canela.”

            Diante do clima de hostilidade que se criava a cada encontro, dirigentes dos dois clubes chegaram certa vez a uma decisão radical, evitando que seus times se enfrentassem. E nem se sonhava com torcida organizada. Mais tarde, torcedores das duas equipes, inconformados com o recesso, passaram a pressionar os cartolas para a volta do clássico da Mustardinha. Foram atendidos, e depois de dois anos de jejum, Planetinha e Barra Forte marcaram um amistoso. Teria que ser em terreno neutro, e o local escolhido foi o campo do Ferroviário, situado nas imediações, na Vila Ypiranga, junto da estação do trem. O árbitro não poderia ser qualquer um, razão pela qual os clubes apelaram para a antifa FPD (Federação Pernambucana de Desportos), tendo sido atendidos.

            Veio o dia do esperado encontro. Logo cedo, uma parte da população da Mustardinha deslocou-se para o local do desafio. Na época, o campo do Ferroviário não tinha muro nem alambrado. Em seu entorno havia uma tênue cerca. Na verdade, não era nem o Ferroviário ainda, mas seu antecessor Great Western.

            Bola em jogo. Para honrar a tradição, o pau começou a cantar já no primeiro minuto. O buruçu teve início, depois que Saguim deu um traço em Amaro Grande. Este, atônito com os gritos da plebe ignara, como dizia Nelson Rodrigues, reagiu com uma pernada, mandando Saguim para bem longe. O juiz não se fez de rogado e advertiu o meliante, para usar a linguagem dos antigos repórteres policiais.

 – Se der outra sai, vai pro chuveiro – advertiu o homem do apito.

            A partida prosseguiu, com os ânimos cada vez mais exaltados. Aqui, acolá, uma lamborada firme na canela de um adversário desatento. Lá para as tantas, com o jogo quase terminando, o juiz marcou um pênalti contra o Planetinha. Apesar dos protestos, foi feita a cobrança. A bola bateu na rede pelo lado de fora e o árbitro apontou para o centro do gramado. Festa do Barra Forte e desespero do Planetinha, cujos jogadores passaram a pressionar o árbitro, pedindo a invalidação do gol que, na realidade, não existira mesmo. Levando empurrão por tudo o que era lado, o homem de preto fez uma consulta sui generis ao goleiro do Planetinha:

            – Seja homem, se essa bola fosse pra dentro, você pegava?

            – Não – respondeu o goleiro, com muita franqueza.

            Diante de tanta firmeza, o juiz deu a sentença final:

            – Então, foi gol e pronto.

            Para variar, mais pontapé, rasteira, joelhada e cotovelada dentro de campo, e carreira no juiz, tudo dentro do figurino do Clássico da Mustardinha, principalmente depois que correu o boato de que, mesmo sendo do quadro da federação, o juiz morava na Mustardinha e tinha uma certa queda pelo Barra Forte.

 

 

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