HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 Bilhete de mentira, tática de Charles Muniz diante do Cruzeiro  

 

O competente e ardiloso Charles Muniz (Blog do Mequinha-reprodução)


Aflitos, domingo à tarde. Precisando da vitória, que significava sua permanência no Campeonato Brasileiro, o Náutico ia enfrentar o Cruzeiro.

Era o ano de 1990. Fazia pouco tempo que Falcão havia assumido o comando da  Seleção Brasileira. O futebol pernambucano ainda estava por cima, longe de ser esta merreca atual. O novo treinador da Canarinha  programara uma visita ao Recife para ver o Náutico ou o Sport jogar, pois pretendia observar alguns jogadores sobre os quais  recebera boas informações.

Em outubro, num belo domingo de sol ardente, o Náutico recebeu o time estrelado de Minas Gerais pelo Nacional, como era chamado o hoje Brasileirão. Falcão anunciou sua viagem à capital pernambucana, onde, além dos jogadores do Timbu, que conhecia apenas de ouvir falar, certamente aproveitaria para dar uma conferida em alguns craques da equipe das Alterosas que estavam nas suas cogitações. Viria acompanhado de seu auxiliar e cicerone, o gaúcho Otacílio Gonçalves, até pouco tempo treinador do alvirrubro pernambucano. Otacílio saiu valorizado do Timbu, uma vez que foi direto  para a Canarinha, atendendo convite de Falcão. No Alvirrubro, Otacílio foi substituído pelo  pernambucano Charles Muniz, um aplicado estudioso do futebol, sempre risonho  e contador de muitos ‘causos’ que vivenciou ou testemunhou. Era da casa, funcionando, ora como preparador físico, ora como assistente técnico.  

 Naquele dia, não só os atletas, mas os torcedores do Náutico e os jornalistas estavam agitados diante da possibilidade de Falcão a qualquer  momento aportar no estádio alvirrubro.

Por causa de algum imprevisto, o treinador não apareceu, mas a expectativa por sua presença ficou no ar. Muitos achavam que ele estava em alguma cabine no Reservado da Imprensa, talvez disfarçado, para não ser molestado. Tudo imaginação, pois a verdade é que ele no Estádio Eládio de Barros Carvalho não botou o pé. E se tivesse vindo ao Recife pouco teria visto de bom na equipe pernambucana, pelo menos no primeiro tempo.

Com a fase inicial terminando, o sagaz Charles Muniz tirou proveito da anunciada vinda de Falcão e preparou um plano com o supervisor João Evangelista, o popular Joca, a fim de assanhar seus jogadores.

Depois do fraco primeiro tempo diante dos estrelados, com a equipe dos Aflitos mais do que nunca ameaçada de não participar da fase seguinte – ainda não era tempo dos pontos corridos – a malandragem do esperto Charles foi posta em prática.

Quando ele  estava conversando com o elenco, dando as instruções para o segundo tempo, Joca chegou apressadamente ao vestiário, pediu licença e lhe entregou um papel amassado.

O matreiro Charles, em voz alta, fez que lia uma mensagem inexistente, depois de dar um carão – de araque – em Joca, por ter o supervisor atrapalhado sua preleção. Dando continuidade à farsa, o técnico,  simulando contrariedade e decepção comentou alto e bom som:

 – Era melhor Falcão não ter vindo. Logo hoje, que esse time tá ruinzinho que dá pena ...

Logo, Charles sentiu que o blefe começava a dar resultado. Jogadores com semblante bastante atiçado, se aqueciam com muito empenho, instantes antes de  voltarem a campo. Os caras comeram a grama na segunda fase para mostrar serviço ao treinador da Seleção, e o Náutico terminou ganhando a partida por 1x0, com um golaço de Augusto, que driblou toda a defesa mineira, depois de partir com a bola dominada, do meio do campo. O bilhete de mentira foi a fórmula mágica para o Náutico vencer. Isso é o que se chama doping psicológico.

O time do Náutico naquele dia, 28/10/1990, foi este: Celso Cajuru; Levi, Barros, Freitas e Célio Gaúcho; Lúcio Surubim, Fábio Oliveira (Gena Sergipano) e Augusto; Buião (o novo), Bizu e Possi.


 

 

 

 

 

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