HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

Um murro na mesa fez o Santa escapar de virar caldo de cana


Alexandre Carvalho, o autor do grito, já adulto (Arquivo do Blog)

 O caso que vou narrar foi por mim contada neste espaço, antes mesmo de ser incluída na trilogia “Santa Cruz de Corpo e Alma”, coordenada pelo falecido abnegado tricolor João Caixero de Vasconcelos, lançada em 2016.

Trago o texto à tona, para lembrar aos inúmeros torcedores do Clube das Multidões espalhados por todo o Brasil, que embora passe por um dos momentos mais cruciais e vergonhosos de sua história, desclassificada da Série D, a Quarta Divisão do Campeonato Brasileiro, a Cobra Coral há de encontrar meios para ressurgir das cinzas, tal qual a mitológica Fênix. Vamos, portanto, à narrativa:

Fundado na segunda década do Século XX (03-02-1914), por um grupo de adolescentes, quase todos estudantes do Colégio Americano Batista, que queriam se divertir jogando futebol, um esporte ainda incipiente por estas bandas, o Santa Cruz, cuja existência pra lá de centenária tem sido marcada por sucessivas crises financeiras, viveu seu primeiro grande momento de dificuldades, poucos meses depois de nascido.

Por um triz, o time dos meninos do Pátio de Santa Cruz, do central bairro da Boa Vista, não foi desfeito. O clube necessitava de 35 mil réis (algo parecido com 35 reais hoje), só tinha em caixa 6 mil e não havia a mínima possibilidade de obter os 29 mil restantes. Numa agitada reunião, um dos presentes teve uma ideia estapafúrdia: o clube seria dissolvido e o dinheiro existente passaria para os bolsos dos sócios-diretores para gastarem no caldo de cana elétrico, uma novidade que era a grande sensação no Recife naquela época. A rigor, a turma jovem da sociedade recifense fazia ponto lá.

Alexandre Carvalho, um dos fundadores, considerou uma afronta tal proposta. Inesperadamente deu um murro na mesa e pronunciou uma frase histórica:

– O Santa Cruz nasceu e vai viver eternamente!

Logo partiu em busca de uma solução, nem que para isso o Santa tivesse que sair à rua “esmolando para missa pedida”, como era costume naquele tempo.         

Em companhia de Quintino Paes Barreto, também fundador, Alexandre foi procurar um construtor abastado, amigo de seu avô. Ao explicar a finalidade da visita obteve um não categórico, e, em seguida, recebeu um conselho:

– Menino, esse jogo de bola é para estrangeiro. Para vocês existe cinema na Rua Nova. Diverte muito mais.

Alexandre não conseguiu esconder seu desapontamento. O ricaço sentiu a angústia do rapaz e quando ele já se despedia, fez-lhe um ligeiro ar de riso, puxou-o para um canto da sala e indagou:

– Cem mil réis dão pra vocês começarem?

Não precisa dizer que Alexandre e Quintino ficaram estupefatos. O aperto coral desapareceria com apenas 29 mil réis, contando com os 6 mil existentes em caixa. Como nunca tinham visto uma cédula de cem mil réis, arregalaram os olhos quando receberam a nota novinha em folha. Era a primeira grande doação feita ao Santa.  Uma condição apresentada pelo empresário era que o fato ficasse em sigilo. E ficou.

Só em 1967, quando o Santa Cruz festejava o 53º aniversário de fundação, o nome do doador histórico foi revelado. Era Francisco Maciel, o primeiro membro de uma ilustre família que forneceu vários colaboradores ao clube, entre os quais o patrono do estádio do Arruda, José do Rego Maciel, um dos presidentes do Santinha e pai do mais tarde vice-presidente e presidente provisório da República várias vezes, Marco Antônio Maciel.

Espanto geral entre os demais garotos, quando souberam do sucesso da empreitada. O clube adquiriu o material de jogo e treino, incluindo bolas, de que necessitava, e ainda ficou com uma boa grana de reserva. E o cara que queria transformar o Santa em caldo de cana festejou com os dois vitoriosos emissários e os demais sócios fundadores do hoje chamado Clube das Multidões.

 

 

 

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