HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 



 

Para não apanhar, o  juiz foi se esconder no cemitério

 



Anos 70, domingo de chuva no Recife. O clássico Náutico x Santa Cruz foi adiado porque os dois clubes não estavam dispostos a jogar com arquibancadas vazias e terem um senhor prejuízo. Além disso, malgrado sua excelente drenagem, o gramado dos Aflitos deveria estar bastante escorregadio, expondo os jogadores a lesões. Enquanto isso, no campo da TSAP, no bairro de Santo Amaro, que durante muito tempo abrigou o velho Vovozinhas, enfrentavam-se Ramenzoni e Vassouras. Este era um time dos motoristas de táxi, muito popular entre as empregadas domésticas, daí o nome. Jogo do Vassouras, que tinha Geraldo Freire como porta-voz, era casa cheia. Também, com entrada 0800...

            Mesmo com o campo enlameado a bola rolou. Um escorregão aqui, outro ali, mas tudo dentro dos conformes. Isso até que, estando o jogo para terminar, houve um gol do Vassouras, daqueles que suscitam a clássica indagação “foi gol ou não foi gol?”, levando todo o estádio a acompanhar a reação do árbitro e do seu auxiliar.  A bola bateu numa trave por baixo, o árbitro Francisco Domingos viu o bandeirinha José Gomes da Silva correndo pela lateral, rumo ao meio do campo, no sinal convencional de que o gol tinha sido legal. O juiz não fez por menos: disparou rumo ao círculo central. Ou seja, gol válido.

Só que os jogadores e torcedores do Ramenzoni, que não concordaram com a validação do gol, saíram correndo também, mas em perseguição ao baixinho Chico Domingos. Queriam que o árbitro voltasse atrás, com o que não concordava o pessoal do Vassouras, que não estava ali para fazer concessões a adversário nenhum. Como ninguém se entendia, o pau começou a correr solto. De um momento para outro, o campo estava invadido e os torcedores do time dos taxistas passaram a dar proteção ao trio de arbitragem, que era completado por Romildo Queiroz. Os três encontravam-se num fogo cruzado, procurando uma brecha para escapar.

Chico Domingos saiu na maior carreira, divisou um muro um tanto alto lá na frente e resolveu encará-lo. Era pular ou morrer. Marcou carreira, teve o maior trabalho para subir, mas chegou no outro lado. Ao aterrissar bruscamente, já no começo da noite, o árbitro voador arregalou os olhos, bastante espantado, ao descobrir que estava no Cemitério de Santo Amaro. Porém, nem teve tempo para ter medo. É que alguns torcedores do Ramenzoni saíram no seu encalço e enfrentaram as trevas que já caíam sobre o campo santo. Por sorte, Francisco Domingos encontrou um desses jazigos grandiosos, que mais parecem uma capela e se meteu lá dentro. Seus perseguidores passaram por perto, deram uma busca geral, mas nada viram e foram embora, soltando pragas.

Enquanto isso o temeroso juiz de futebol estava na sua, sem saber se tinha mais medo dos caras que o perseguiam ou das almas que àquela altura deveriam estar zanzando pelo cemitério, pois a noite já avançava.

Só começou a respirar quando mais tarde, acionada pelos seus dois companheiros de desdita, já salvos do assédio da galera do Ramenzoni, apareceu uma guarnição da Rádio Patrulha para lhe dar guarida. Os patrulheiros começaram a chamá-lo pelo nome. Quando, de repente, sentindo-se seguro, o juiz apareceu em cima do mausoléu, na escuridão da noite, no seu tradicional uniforme preto. Teve soldado que ficou arrepiado. Logo o herói Francisco Domingos era resgatado da catacumba, são e salvo.  

             

 

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