O CAPITÃO DO HEXA

 

Foto: Tássio Alves


Ivan, eterno ídolo alvirrubro



(Matéria publicada na revista 60+, da Engenho de Mídia, com alguns acréscimos nesta edição do Blog)


LENIVALDO ARAGÃO




Com uma vitória por 2 x 0 sobre o Centro Limoeirense, nos Aflitos, no dia 19 de maio, o Náutico estreou no Campeonato Pernambucano de 1963. Não passava pela cabeça de ninguém que o Timbu iniciava a caminhada que o levaria ao hexacampeonato – 1963 a 1968 –,  consumado em 19-07-1968, também nos Aflitos, com  um triunfo por 1 x 0 sobre o Sport, gol de Ramos na prorrogação. Dos 69 jogadores utilizados pelo Timbu na longa caminhada, só Ivan, o capitão do time, atuou na partida de abertura e naquela que fechou o ciclo. É lógico que no período de seis anos, a equipe estava bastante alterada. No início da caminhada do Hexa, o time comandado pelo argentino Alfredo Gonzalez foi este: Waldemar; Zé Luíz (Gernan), Zequinha Paraibano, Gilson Costa e Clóvis; Evandro e Ivan; Nado, Bita, China e Rinaldo. Na vitória final sobre o Sport, que tornou o Náutico hexacampeão, o mineiro Davi Ferreira, o consagrado Duque, contou com Valter; Gena, Ivan Limeira, Fernando Matias e Toinho; Jardel (Eder) e Ivan; Miruca (Rato), Ramos, Nino e Lala.  

Ivan esteve em ação nos seis anos históricos e, ao mesmo tempo, foi o jogador que mais vezes atuou em toda a trajetória do Hexa. Dos 140 jogos da série, participou de 125. Portanto, só ficou de fora em 15.

PONTA-ESQUERDA A CONTRAGOSTO

Ivan Brondi de Carvalho, paulista de Santa Cruz do Rio Pardo, nascido numa família presbiteriana, em 7 de outubro de 1941, estando, portanto, com 82 anos, tinha 21 quando no primeiro semestre de 1963 veio defender o Náutico. Aos 17 havia emigrado para a capital, São Paulo, a fim de fazer o científico, equivalente ao atual curso médio. Apareceu no Palmeiras para participar de um treino peneira, foi aprovado e começou a percorrer as divisões básicas. Em 1958, no Verdão, conheceu o centroavante pernambucano China, este já profissional, seu futuro companheiro de time em Pernambuco.

Ivan era meia atacante, e em 1960 foi incluído na delegação do Palmeiras para um giro pela América do Sul. Assumiu a vaga do célebre Julinho Botelho, que participava do Brasileiro de Seleções por São Paulo. Nos jogos no Peru, Colômbia e Equador, foram 6 vitórias, 4 empates e 1 derrota em 11 jogos. Ivan jogou em todas, mas contra sua vontade, foi escalado na ponta esquerda. Ainda como amador, em 1960 integrou a Seleção Brasileira na Olimpíada de Roma, na qual estava também Gerson, que se consagraria anos depois como o Canhotinha de Ouro.

Antes do Náutico, esteve emprestado ao Botafogo de Ribeirão Preto-SP, e em  1962,  o técnico do Alvirrubro, o argentino Alfredo Gonzalez, ex-jogador palmeirense, de grande prestígio no Parque Antártica, quis trazê-lo, uma vez que o meia Bita passaria por uma cirurgia. Porém, prestando serviço militar, Ivan deixou para vir no ano seguinte.

Na sua chegada ao Recife, passageiro do concorrido turbo hélice Viscount, da VASP, a hoje extinta Viação Aérea São Paulo, num meio de semana, quando os ponteiros do relógio já estavam perto de anunciar a chegada de um novo dia, o rapaz com sotaque caipira, que ainda hoje carrega um pouco, foi recebido por Gonzalez, China e este repórter. Vez por outra, Ivan lembra que fui o primeiro cronista esportivo de Pernambuco que manteve contato com ele. No Fusca de Gonzalez fomos do Aeroporto Internacional dos Guararapes Gilberto Freyre para a casa de primeiro andar, com amplo quintal, que o Náutico mantinha alugada na Rua Santo Elias, no bairro do Espinheiro, a uma curta distância do clube. O percurso era facilmente percorrido a pé. O casarão da Rua Santo Elias, como a imprensa gostava de mencionar, além de servir de concentração do Timbu às vésperas de jogos, alojava atletas vindos de outras cidades, solteiros ou mesmo casados que não traziam a família. Foi lá, então que Ivan passou a morar.  

Nos Aflitos, não gostou de ser escalado nos treinos como ponta-esquerda. Chegou a dizer ao treinador que para jogar ali preferia regressar a São Paulo. Não sabia que Gonzalez já tinha resolvido fazer uma troca entre ele e o então meia armador Rinaldo. Aliás, este também chiou com a mudança, mas logo aceitou, depois que o treinador profetizou sua chegada à Seleção Brasileira, o que logo foi confirmado.

– Gonzalez nunca tinha sido meu treinador. Ele estava sempre acompanhando jogos dos times da base do Palmeiras e me descobriu – conta o eterno ídolo da torcida alvirrubra.

A estreia de Ivan aconteceu no tradicional amistoso de portões abertos, de 1º de maio, Dia do Trabalho, com casa cheia. Derrota de 3 x 2 para o Santa Cruz, na Ilha do Retiro. No mesmo local, 12 dias depois, Ivan ajudava o Náutico a golear o mesmo Santa Cruz por 4 x 0, em 40 minutos, na final do Torneio-Início de 1963, no qual o Timbu se sagrou bicampeão. Combativo, com lançamentos na medida, Ivan formou no Alvirrubra uma excelente dupla de meio-campo com o volante Salomão.

Após a saída do paraibano para o Santos, teve ao seu lado, através dos anos, Evandro, Rossi, Deda, Gilson Costa, Didica, Pires, Benedito, Vadinho, Zé Carlos, Rafael, Tadeu, novamente Salomão e Jardel. Fez parte do chamado “ataque das quatro letras”, Nado, Bita, Nino, Ivan e Lala, sem dúvida, um quinteto arrasador.

AQUECIMENTO DIFERENTE

Em Pernambuco permaneceu estudando. Na concentração, matava o tempo se aprimorando com os livros e exercícios escolares. Naquela época treinava-se apenas uma vez por dia. Apesar da dedicação ao estudo, as obrigações profissionais levaram-no à segunda época no encerramento do científico, no Colégio Padre Félix, localizado na Boa Vista. Ivan já estava de olho no vestibular que o levaria à faculdade, de onde sairia formado em odontologia. Ainda exerce a profissão, no Edifício Círculo Católico, na Rua do Riachuelo, centro do Recife. Lá está instalado há décadas.

A prova final coincidiu com o dia da decisão do campeonato de 1963. Ivan estudava à noite, e o encontro decisivo com o Sport seria às 21h15, nos Aflitos. Licenciado por Gonzalez, deixou a concentração para cumprir o dever escolar. Encerrada a prova, pegou um táxi apressadamente. Lá na frente, o trânsito travou na Conselheiro Rosa e Silva, caminho direto para o estádio alvirrubro. Com o tempo avançando, não pensou duas vezes, encerrou a viagem à altura do Clube Português e saiu correndo pela calçada, driblando os transeuntes. No vestiário, trocou de roupa a mil por hora, ouviu a preleção do treinador e ajudou o Timbu a conquistar o primeiro dos seis títulos do Hexa, derrotando o Leão por 4 x 2.

– A corrida pela calçada me serviu de aquecimento para o jogo – graceja o ex-craque.

Valeu a estratégia porque além do título, ele passou na prova e ficou apto a encarar o vestibular.

UMA VITÓRIA INESQUECÍVEL

No Náutico, Ivan viveu tempos memoráveis, como as sensacionais campanhas na Taça Brasil e a participação na Copa Libertadores da América, na condição de vice-campeão brasileiro, depois de uma renhida final da Copa Brasil com o Palmeiras, no Maracanã.

A glória maior foi a espetacular vitória por 5 x 3 sobre o Santos, na noite de 16-11-1966. Já se falava em Bita, o goleador do Náutico, porém,  as imagens dos jogadores não se espalhavam em questão de segundos, como hoje. Matreiro, o técnico Duque determinou que o  “Homem do Rifle” trocasse sua camisa 8 com a 5, do quarto zagueiro Gilson Costa. Se queria tapear o adversário, conseguiu. Bita foi o dono da noite, tendo marcado quatro gols – Miruca fechou o placar. Quando o  técnico Lula, do Santos, descobriu que caíra numa arapuca, a vaca tinha ido para o brejo.

A grande vitória alvirrubra no jornal (Arquivo do Blog)


– Já estávamos ganhando de quatro, quando dei um passe a Bita e gritei ‘Negão, segura aí a bola, que o banco tá gritando, o jogo terminou’. Ele resolveu dar um chute, a bola pegou no peito de Gylmar e escapou. Foi o nosso quinto gol, um frango. Pelé pegou a bola dentro da rede e comentou, quando caminhava para tirar o centro, soltando um palavrão: ‘Esse goleiro tá acabando com a gente há muito tempo’”. Gylmar, convém lembrar, tinha sido bicampeão da Copa do Mundo pelo Brasil, em 1958/62, e mundial de clubes pelo Santos, em 1952/63. Várias vezes, o grande goleiro destacou o fato de Bita ter sido o único a jogador a vazar sua meta quatro vezes numa só partida.

Com referência à Taça Brasil, não sai da lembrança de Ivan, o clima hostil criado em 1964, quando após eliminar o Paysandu, com uma goleada de 6 x 0, em Belém, o Timbu encarou o Ceará, tricampeão cearense. Nos Aflitos, vitória pernambucana  por 3 x 0.

– O Diário da Noite (vespertino da Empresa Jornal do Commercio) publicou uma manchete, chamando o Ceará de tricampeão de bozó. Isso foi considerado uma ofensa ao clube, tendo sido explorado pela imprensa. Perdemos de um a zero e o terceiro jogo virou uma batalha. Quando chegamos no vestiário havia um cara morto, na mesa de massagem, certamente para intimidar a gente – recorda,

O pior é que Salomão foi violentamente atingido ainda no primeiro tempo, não retornou para o segundo, vomitou sangue no vestiário e saiu diretamente para um hospital. O Náutico foi goleado por 4 x 0 debaixo de muita pancada.

– Salomão não voltou com a delegação no dia seguinte, ainda passou uns dois dias em Fortaleza, e na volta teve que operar um rim.   

PERNAMBUCO BOTOU ALEMÃES NA RODA

Ivan participou do amistoso internacional na Ilha do Retiro, em 10 de junho de 1965, no qual a seleção de Pernambuco derrotou a da Alemanha por 1 x 0. Os alemães, que no ano seguinte seriam vice-campeões mundiais na Inglaterra, haviam sido derrotados pela Seleção Brasileira, no Maracanã, por 2 x 0. O notável pernambucano Nelson Rodrigues escreveu em sua crônica diária no Jornal dos Sports, que ele e o colega João Saldanha tinham se equivocado ao dizer que o Brasil só vencera no Rio porque tinha Pelé e Garrincha. Porém, Pernambuco, sem Pelé e sem Garrincha tinham mostrado que os dois estavam errados.   

A renda no estádio, sem contar o apurado nos vários postos de venda espalhados pela cidade  foi de 25 milhões e 500 mil cruzeiros – naquele tempo não se divulgava o público. Na arbitragem, um trio peruano formado por Alberto Tejada, no apito, Arturo Jamasak e Carlos Rivero. O gol foi do volante Gojoba, aos 40 minutos do segundo tempo.

A sensacional vitória contada pelo Diario de Pernambuco 


Pernambuco alinhou Dudinha (Central); Gena (Náutico), Alemão (Sport), Baixa (Sport) e Jório (Santa Cruz) – depois Toinho (Náutico); Gojoba (Sport) e Ivan (Náutico);  Nado (Náutico), Bita (Náutico), Nunes, também chamado de Pelezinho (Sport) – depois Nino (Náutico) e Lala.(Náutico). Técnico, Antoninho (Náutico).

Dirigida pelo consagrado Helmut Schoen, a Alemanha Ocidental alinhou: Mangletz; Piontec, Novah, Steenman (Lorentz) e Seiiofez; Weeb e Steenman (Lorentz) e Seiiofez; Weeb e Kueppers; Theelen (Libuda), Kramel, Kodekamp e Heiss.

Surgiu uma polêmica após o técnico alemão fazer uma comparação entre Garrincha e o ponta-direita Nado. “Nado é melhor do que Garrincha” foi a frase que chegou aos ouvidos dos jornalistas pronunciada pelo intérprete, funcionário do Consulado Alemão no Recife. Para os jornalistas sudestinos, Helmut Schoen queria dizer que Nado estava melhor do que Garrincha. Infelizmente, este já em fim de carreira já não seria o mesmo no fiasco brasileiro na Copa do Mundo.

Alemão, Dudinha, Baixa, Jório, Gojoba, e Gena; agachados, Nado, Bita, Nunes, também chamado de Pelezinho, Ivan e Lala


TIRAGOSTO NO RITUAL

Na época de Duque, o famoso Pai Edu era sempre chamado pelo técnico para dar uns banhos de arruda, sal grosso etc. no time. As sessões realizavam-se na concentração da Rua Santo Elias. Não faltava uma garrafa de aguardente, com o técnico e cada jogador sendo obrigado a tomar um gole, reverenciando Zé Pilintra, entidade importante no ritual dirigido por Edu.

– Havia jogador que passava pela cozinha e vinha de lá com um pedaço de carne escondido para usar como tira-gosto   recorda o capitão do Hexa, que fixou raízes no Recife, de onde não saiu mais. Depois do futebol passou a exercer, com sucesso, a profissão de odontólogo. Chegou a ser presidente do Náutico, por acaso. Era vice. E o titular Marcos Freitas adoeceu. Não era sua praia e terminou renunciando. Antes participou dos primeiros passos dados para a implantação do Centro de Treinamento Wilson Campos.


 

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