BODE COM TIC-TAC NO CATIMBÓ
DO TÉCNICO DUQUE
Duque à frente do banco, na Ilha, com os dirigentes do Santa, Antônio Cascão, em pé, e Dirceu Lins e Silva, sentado, de branco (Arquivo do Blog) |
Em homenagem ao Dia do Técnico vou contar uma história engraçada envolvendo o mineiro Duque, que marcou época no futebol pernambucano, à frente do Náutico, Santa Cruz e Sport. Vamos lá, então:
Véspera de um jogo importante do Santa Cruz. Duque, como era praxe, consultou uma mãe-de-santo conhecida, pedindo a influência do Além para se sair bem na parada. A mulher lhe pediu um bode cem por cento preto, sem qualquer sinal de brancura, para ser oferecido em sacrifício orixás. Pragmático e obediente às determinações que diziam respeito ao Além, o treinador despachou seus assessores de confiança para irem em busca do caprino capaz de atender às exigências extraterrenas. Uma tarefa não tão fácil. No Agreste ou no Sertão, num abrir e fechar de olhos, a oferenda estaria no terreiro. Mas no Recife...
Lá se foi, num sábado à noite, o
massagista João de Maria, dirigindo o carro do volante Norberto. Com ele, o
roupeiro Luís e Mallada. Este era um médico uruguaio, que havia caído de
paraquedas no Arruda. Foi se chegando, com cara de quem não quer nada e
querendo. E ficou. O titular do Departamento Médico, Bráulio Pimentel, só queria
distância dele. Mas o gringo caiu nas graças do treinador e passou a ser pau-pra-toda-obra
na Cobra Coral.
Bom,
os enviados de Duque ultrapassaram as fronteiras municipais e foram até
Jaboatão dos Guararapes. Em vão. Nenhum bode dando sopa na escuridão. Havia
pressa. João de Maria atolou o pé, na volta. De repente, foi parado por um
soldado do Exército, de fuzil à mão. Foi aí que descobriu que passava muito
acima da velocidade permitida, diante do quartel do 14º RI, na Vila Militar
Floriano Peixoto, em Socorro. Logo apareceu o oficial-de-dia, dando esporro e
ameaçando prendê-los. Todos com muito medo. Finalmente, eram tempos brumosos,
época dos atos institucionais, com os “subversivos” sendo farejados por todos
os quadrantes. No caso do trio, o perigo aumentava por causa da presença de
Mallada. Magro, olhar meio desconfiado, sua aparência tinha tudo a ver com o
apelido de Tupamaro que lhe haviam dado no Arruda. Ainda mais falando
atrapalhado (Tupamaros eram os
integrantes do “Exército de Libertação Nacional”, que, através da guerrilha
urbana, combatia o governo militar no Uruguai. Na realidade, Mallada era um
deles.Fugido de sua terra, apareceu no Arruda lavando os carros dos jogadores.
Depois identificou-se como massagista e começou a ajudar João de Maria. Até que
um dia se declarou médico e revelou sua legítima identidade. E por lá foi
ficando.)
Com muita lábia, a trinca foi
liberada. Ao deixar a área militar, João de Maria, no passado, jogador do
Santa, disparou novamente, agora rumo a Paulista, no lado oposto, depois de
atravessar o Recife e Olinda. Na Praia da Conceição, vibração. Era como se o
Santa tivesse feito um gol no Sport, seu adversário do dia seguinte. Um bode
preto apareceu junto da pista, certamente enviado pelos deuses. Todavia, logo
veio a decepção. Não servia porque a perna direita tinha uma pequena mancha
branca. João de Maria chegou a propor que se pintasse aquela parte com tic-tac, a tinta que os engraxates usam.
Negativo. Se por qualquer motivo a tinta desaparecesse, os três ficariam sujos
com o homem. Conformados com o fracasso, já em plena madrugada, resolveram
regressar. Duque não iria gostar, sabiam, pois se sentiria espiritualmente
descoberto. Mas, fazer o quê?
Só que a aventura não parou ali. Ao
ser abordado pela Polícia Rodoviária estadual, no Janga, João de Maria
descobriu que a documentação do veículo estava irregular. Desculpou-se e identificou-se como massagista do Santinha
em missão oficial. Caiu nas graças de um guarda, tricolor de corpo e alma, que
aproveitou para lhe pedir um favor. “Sou sócio, mas estou com a mensalidade
atrasada. Vocês podiam dar um jeito nisso aí?” Positivo. João pegou a
carteirinha do guarda e botou no bolso, prometendo zerar a dívida. O que jamais aconteceu. Nem também a carteira foi
devolvida. Cioso de sua responsabilidade, o trio ainda passou, inutilmente,
pelo matadouro de Peixinhos, hoje desativado.
Na hora do jogo, os três torceram ardorosamente para o Santa vencer o Sport. Só assim tirariam um peso da consciência e poderiam encarar Duque numa boa. Mas deu o contrário. Vai ver que com o tic-tac no bode teria havido pelo menos um empate.
Comentários
Postar um comentário