HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 

 

Rildo Uchoa (com o microfone), Renato Silva e Vicente Lemos transmitindo um jogo no antigo Estádio Pedro Victor de Albuquerque, hoje Lacerdão. Eu estou sentado no chão (D). (Foto do Blog)


 

O inibido Vicente Lemos e os dois lados de Rubão, o vice-rei



 

O paraibano Vicente Lemos, narrador, ou locutor esportivo, como se dizia antigamente,  saiu jovem, da Rádio Tabajara, de João Pessoa, para trabalhar na Rádio Clube de Pernambuco. Em idas e vindas na profissão experimentou os dois lados do comportamento do mais famoso cartola de Pernambuco, Rubem Moreira, presidente da Federação Pernambucana de Futebol durante 27 anos ininterruptos. O temperamento do poderoso cartola oscilava entre uma explosão vulcânica e um mar de cordialidade.

No fim de 1959, ainda novato no Recife, o inibido Vicente foi designado para gravar uma entrevista com o mandachuva da FPF sobre a Cacareco, assim chamada a Seleção Pernambucana que representou o Brasil num campeonato sul-americano (a Copa América de hoje) no Equador. A gravação transcorria naturalmente, quando Vicente, pautado pelo chefe da equipe esportiva da PRA-8, Adonias Moura, perguntou quem chefiaria a delegação.

Rubem estava designado para a função, mas corria o boato de que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) havia escalado um de seus figurões para o cargo. Diante da pergunta, o Comodoro, assim também chamado por ter sido o primeiro desportista a exercer a presidência, ou comodoria, do Cabanga Iate Clube,  fechou a cara e, com seu vozeirão, respondeu compassadamente, demonstrando irritação:

– Rubem Rodrigues Moreira!

E antes que o trabalho prosseguisse,  o cartola tomou uma atitude que deixou desconcertado o entrevistador, ainda desconhecendo o terreno onde pisava. Usando um de seus costumeiros palavrões, Rubão ordenou, com seu jeito mandão:

– Apaga isso aí...

O narrador-repórter sentiu um impacto. Ficou cheio de dedos, mas desfez a gravação. Quando já ia se retirando, juntamente com o operador de som, que naquele tempo era necessário diante do tamanho e da complexidade do aparelho, recebeu um chamado do dirigente, que resolvera conceder nova entrevista.

– Agora não quero mais não – replicou o radialista, deixando espantada Mariinha, a secretária do cartola, acostumada com o jeito mandão e as intemperanças do seu chefe.

Anos depois, Vicente Lemos, acompanhado de Geraldo Freire, que ainda estava em início de carreira, chegou a Belo Horizonte a fim de narrar um jogo do Santa Cruz para a Rádio Capibaribe. Assessor  de imprensa da FPF e sabendo das dificuldades que cercavam a emissora, o também narrador Walter Spencer procurou saber em que condições a dupla havia se deslocado do Recife para a capital mineira.

Tinham chegado a Minas Gerais viajando de ônibus e assim voltariam. Ao tomar conhecimento da situação, Rubão determinou que Spencer providenciasse passagens aéreas, sob as custas da Federação, para o regresso dos dois, quando fosse encerrada sua missão nas Alterosas. Enfim, estavam trabalhando para divulgar o futebol pernambucano, raciocinou. Funcionou aí o lado generoso do irritadiço e temperamental Rubem Moreira.

O cartola já deixou este mundo há bastante tempo, e o radialista acaba de partir.

(Este é um dos inúmeros episódios por mim catalogados para o livro que estou escrevendo sobre Rubão, o vice-rei do Nordeste.)

Em 18 de março de 2024

 

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