HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 

Estádio Antônio de Souza, onde tombou o grande benfeitor do Vera Cruz (Reprodução)


 

O gol que fulminou o "dono" do Vera Cruz no campo da Rua Preta



 

Uma citação que fiz há pouco tempo ao Estádio Antônio Inácio de Souza, despertou o interesse de um leitor em saber o motivo de o antigo campo do Vera Cruz Esporte Clube, hoje pertencente à Liga Desportiva Caruaruense (LDC), ter esse nome.

Trata-se de uma homenagem a um dos diretores do Curtume Souza Irmãos, fundado por Pedro Joaquim de Souza, juntamente com os manos Antônio Inácio,  José, João e Cícero. Empresário muito bem sucedido, Pedro de Souza chegou a ser prefeito de Caruaru, entre novembro de 1947 e janeiro de 1951, eleito pelo povo. 

O Curtume Souza Irmãos surgiu em 1922 e, segundo os historiadores, chegou a empregar 600 pessoas. Foi considerado a segunda indústria de couro do País e a primeira do Nordeste. Em meio ao burburinho de funcionários que todos os dias movimentavam a famosa Rua Preta – uma denominação popular, pois oficialmente o nome nunca existiu –, Antônio Inácio, um dos cinco irmãos Souza, resolveu criar um time de futebol para diversão dos empregados da indústria e seus filhos.

Assim, em 13 de setembro de 1941, era fundado o Vera Cruz, nas cores branco, vermelho e preto. Localizado numa área popular, o novo clube logo caiu na afeição do povão. O campo foi implantado em terreno da firma. Na estreia, o Vera Cruz, segundo conta a historiadora Josabel Barreto, no seu livro “Caruaru, Ontem e Hoje”, enfrentou o Altinense, de Altinho, uma das cidades situadas na região centralizada pela Capital do Agreste. A escritora dá destaque a um gol de bicicleta marcado por Lula Coveiro.

O Tricolor da Rua Preta aparece na imprensa caruaruense como um dos fundadores, em 28/02/1941, da Liga Desportiva Caruaruense. Os outros foram  Centro Esportivo Rosarense, Comércio Futebol Clube e São Paulo Futebol Clube –  assim chamado, por ter surgido na Rua São Paulo, ao lado do Lacerdão, como hoje é popularmente chamado o estádio do Central. Seu criador foi Marcionilo Francisco da Silva, o famoso Tutu, um dos melhores jogadores da Patativa em todos os tempos.

Logo foi organizado o Campeonato Caruaruense, promovido pela Liga, com a participação dos quatro fundadores da Liga e mais o Central, este o mais antigo de todos, nascido em  15/6/1919 e atualmente com 115 anos de atividades. Em 1951 participou o Jocaru Futebol Clube, formado por gráficos do Jornal de Caruaru, que no dia 12 de dezembro daquele ano foi estrondosamente goleado pelo Central por 23 x 0.  

A disputa do título de campeão citadino, como denominavam os jornais da cidade, todos semanais, pegou fogo. A cada ano, Central, Comércio e Vera Cruz se engalfinhavam na disputa da taça. São Paulo e Rosarense eram meros participantes, mas vez por outra atrapalhavam algum integrante do trio. Com o tempo nasceu uma forte rivalidade entre Central e Vera Cruz, que teve seu ponto culminante em 1957, ano do Centenário de Caruaru. Contei a história mais de uma vez, mas não custa repeti-la. Vejamos:

O CAMPEÃO DO CENTENÁRIO DE CARUARU

Corria o ano de 1957, quando o município de Caruaru festejava seu centenário. O campeonato da cidade foi arduamente disputado pelo Central, Vera Cruz, Comércio, São Paulo e Rosarense. A luta final pelo título de Campeão do Centenário colocou frente a frente o alvinegro Central e o tricolor (preto, branco e vermelho) Vera Cruz, o clube mais popular da Capital do Agreste. A decisão foi no Estádio Antônio Inácio de Souza, do Vera Cruz. Na chamada Terra dos Avelozes só se falava na grande final. No Botequim do Barbosa, bar e salão de sinuca pertencente a um dos fundadores do Comércio, Barbosa Treme Treme, ponto de encontro de torcedores de todas as tendências, as apostas multiplicavam-se.

            O Vera Cruz havia perdido seu técnico, o folclórico mas competente Jaime Guimarães, justamente para o seu maior adversário. Paulo Leal, auxiliar de Seu Jaime, como era conhecido o treinador, assumiu o cargo no Tricolor da Rua Preta. Esse fato esquentou ainda mais a esperada disputa, posto que ‘aluno’ e ‘professor’ iriam medir forças. A Liga Desportiva Caruaruense (LDC), diante da importância do jogo, mandou buscar um árbitro de fora, não tão de fora assim, uma vez que o escolhido foi José De Vits, um paulista contratado para apitar o Campeonato Pernambucano, juntamente com João Batista Laurito (SP), Aparício Viana (RS) e Paulo Simões (BA). Completavam o quadro, o pernambucano Argemiro Félix de Sena, o popular r Sherlock, o alagoano Vicente Lobão e o português Anísio Morgado, os dois últimos vivendo em Pernambuco havia bastante tempo.  Vicente foi goleiro destacado, tendo defendido o Santa Cruz, o Náutico, o América e a Seleção Pernambucana, no Campeonato Brasileiro de Seleções.

            Com o pequeno estádio explodindo de gente, a final tinha um transcurso movimentadíssimo. A certa altura, os torcedores do Central acharam que o juiz estava protegendo o Vera Cruz, passando a protestar através dos palavrões que sempre se ouvem em campos de futebol.  Simpatizantes de outros times, principalmente do elitista Comércio, reforçavam a torcida centralina, ou centralista, como se dizia na época. O que se comentava é que o Alvirrubro, no caso o Comércio, não aceitava a ideia de um título histórico, como aquele, cair nas mãos de um clube que representava um bairro proletário. Razão pela qual se aliara ao Central.

O Vera Cruz era ligado ao Curtume Souza Irmãos e comandado por Antônio Inácio de Souza, na época administrando a indústria de beneficiamento de couros, e por seus filhos Humberto e Gilberto de Souza, situando-se na popularíssima Rua Preta, mais tarde ‘engolida’ pelo bairro São Francisco.

Nas arquibancadas, as ofensas morais e o palavreado impróprio para menores de 18 anos dirigidos a José De Vits eram cada vez mais intensos. Em dado momento, o juiz resolveu dar o troco, balançando os ‘países baixos’ para as arquibancadas. Parecia que o mundo vinha abaixo, tendo até torcedor ameaçado invadir o campo para ir ao corpo a corpo com o homem de preto.

Jogo terminado, com o vencedor (2x1) Vera Cruz comemorando a conquista do título que entrou para a história de Caruaru, o árbitro José de Vits só pôde deixar o estádio sob um forte esquema policial. Seguiu diretamente para o Hotel Centenário, onde estava hospedado. O proprietário do estabelecimento, Aluísio Souza Lima, o conhecido Gata Maga, era um diretor de grande influência no Central, e deu a devida segurança ao hóspede importante, mesmo que por dentro estivesse se comendo de raiva e frustração por causa da derrota da Patativa. Alguns afoitos torcedores alvinegros ainda fizeram uma demorada vigília, na frente do hotel, com a intenção de dar uma surra no árbitro. Este, por via das dúvidas, evitou botar o pé na calçada.

Enquanto isso, o povaréu do Vera Cruz carregava nos braços, sem muito esforço, pois se tratava de um peso pena, o jovem treinador Paulo Leal, que que havia conseguido desbancar seu ex-mestre Jaime Guimarães.

MORTE NO ESTÁDIO

Conta a historiadora Josabel:

“... O Vera Cruz iniciou, então, uma trajetória de muito trabalho, contratando novos jogadores e conseguindo formar um plantel que começou a se destacar no cenário futebolístico da Região. Tornou-se campeão em 1955, 1956 e 1957 – campeão do Centenário de Caruaru sob o comando técnico de Paulo Leal.

Infelizmente, neste festivo ano do centenário de Caruaru um triste acontecimento veio trilhar o brilho da conquista do Tri: a morte de Antônio Inácio de Souza, o grande beneficiador e mantenedor do time. Sua morte ocorreu no dia 12 de maio de 1957 (Dia das Mães) no campo do Vera Cruz. Enquanto ele assistia ao disputadíssimo jogo entre Vera Cruz e Central, teve a alegria de ver o jogador Pernambuco, que ele mesmo havia contratado do Central, fazer um gol no seu ex-time. O coração do velho torcedor não aguentou tanta emoção e enfartou.”

Nada mais justo, então do que se dar ao estádio o nome de seu criador e do grande baluarte do Vera Cruz, que já não existe mais. Com a entrada do Central no Campeonato Pernambucano em 1961, a disputa do certame caruaruense perdeu o antigo brilho, levando à extinção não apenas o Tricolor, mas também o Comércio, outra força do futebol da Terra do Mestre Vitalino.    

(Colaboração de José Torres, jornalista)

 

 

Comentários