Uma latinha na Serra Gaúcha

Campeonato Brasileiro de 1972. Pernambuco era representado pelo Santa Cruz e pelo Sport, campeão e vice do ano anterior. O Santa jogou num domingo em Curitiba, contra o Coritiba, e o Sport encarou o Internacional na quarta-feira, em Porto Alegre. Assim, o pessoal da imprensa que cobriu o jogo na capital paranaense, deslocou-se depois para a capital dos Pampas a fim de acompanhar a equipe rubro-negra. Era prático e bem mais econômico para as empresas.

Os dois times eram razoáveis. Não ficavam no topo, mas também não desciam para o rabo da fila. Não havia acesso e decesso, como hoje. Os critérios de participação não eram muito bem definidos. Havia os convites. Houve uma época em que a CBF era presidida pelo almirante Heleno Nunes, que, quando servia no Recife, foi ligado ao Portela, um time amador de Jaboatão dos Guararapes, rival do Locomoção. Pois bem, em 1979, o Brasileirão – o aumentativo tinha cabimento – chegou a contar com 94 equipes. Ou seja, quase uma centena. Havia vários grupos classificatórios espalhados pelo País.


Era no tempo do bipartidarismo. Havia o governista Arena – Aliança Renovadora Nacional, e o oposicionista MDB – Movimento Democrático Nacional. Muitas vezes, equipes menos cotadas por aí afora entravam na base do jeitinho político. Tanto que chegou-se a criar um slogan, na base da gozação: “Onde o governo vai mal, um time no Nacional”.

Mas, voltemos a Curitiba. Eu estava lá, a serviço do Diário de Pernambuco. Deveria voar às cinco da tarde da segunda-feira para Porto Alegre, no confortável e seguro Electra 2 da Varig. Voo tranquilo, de 50 minutos. Como teria o dia vago, posto que a delegação do Sport só desembarcaria no Aeroporto Internacional Salgado Filho perto de meia-noite, resolvi seguir de ônibus para ir conhecendo um pouco aquela região. São 12 horas de estrada, cortando Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Saída ao meio-dia e chegada à meia-noite. Sem medo de assalto. Naquele tempo, é claro. Gosto dessas aventuras.

Botei a passagem aérea na valise e segui para a Rodoviária. Eis que aparece à minha frente o amigo Rui Lira, que trabalhava para a Rádio Cultura do Nordeste, de Caruaru. Tivera a mesma ideia minha. Achei ótimo, pois teria um companheiro de viagem. Tempo nublado, fomos conversando e admirando a paisagem, bem diferente da nossa.

Tarde fria, como diz a música de Cauby Peixoto, mas havia as mantas do ônibus para a gente se agasalhar. Por volta das 10 da noite, uma parada em Caxias do Sul, num restaurante. Pedi um café. Rui preferiu uma cerveja em lata. Só havia a Skol, que era novidade. O rapaz tirou uma latinha da prateleira e colocou no balcão. Rui chiou. 
– Amigo, eu pedi gelada.
– Mas essa aí tá gelada. Mais gelada é impossível – respondeu o gaúcho.

Foi aí que o caruaruense Rui Lira, meio desconfiado, se ligou. Estávamos em plena Serra Gaúcha, onde o precioso líquido não precisa ir à geladeira para esfriar. Na verdade, a latinha estava era fumaçando de tão fria.



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