A maca




Caruaru, 1968, semana do torneio-início. O presidente da LDC (Liga Desportiva Caruaruense), advogado Dorgival Melo, corria para superar os problemas que iam surgindo. Lembrou-se de que não havia uma maca para transportar algum jogador que se machucasse. Na véspera da grande festa, aguardada com muita expectativa pelos torcedores da então Terra dos Avelozes, Dorgival descobriu que não existia o tal artigo no comércio caruaruense. Teria que mandar uma pessoa ao Recife, solução considerada inadequada, àquela altura do campeonato.

Diante dessa dificuldade, Dorgival Melo resolveu partir para o improviso, adaptando uma cama de lona para o transporte de quem se quebrasse durante alguma partida. Um torneiro mecânico deixou o equipamento nos trinques, inclusive, com acolchoado. Todos que viram, a aprovaram a maca quebra galho. Mas era preciso pagar o trabalho do homem, e a Liga não tinha um tostão. Nas mãos de Dorgival outro abacaxi para ser descascado.

O cartola botou a imaginação pra funcionar e recorreu a João Preto, dono da Autopeças Repórter, garantindo colocar na maca o nome da firma, se ele desse aquela ajuda, tão necessária, à LDC.
– E isso vai ser visto, doutor?
– Vai, porque em torneio-início muito jogador se machuca. Eles serão transportados na maca de um lado para outro, e o estádio vai estar cheio – respondeu o presidente da Liga.
Na festivo evento, realizado no Estádio Pedro Victor de Albuquerque, hoje Luiz José de Lacerda, exibiam-se todos os times do chamado campeonato citadino,  em jogos curtos, até ser conhecido o campeão do torneio-início. Este funcionava como um trailer do campeonato que estava por vir, disputado pelo Central, Comércio, Vera Cruz, Rosarense e São Paulo.

João Preto topou a parada e foi convidado para assistir à festa, da Tribuna de Honra, junto a dirigentes e autoridades. Os dois maqueiros foram instruídos a, no momento em que tivessem que entrar em campo para socorrer algum jogador, abrirem a maca, ostensivamente, para o lado da Tribuna.

As partidas sucediam-se e nada de alguém se machucar. Ao lado de João Preto, Dorgival torcia pela desgraça de algum daqueles atletas. O comerciante de vez em quando dirigia um olhar interrogativo ao cartola. Em dado momento, o impaciente patrocinador, achando que havia jogado dinheiro fora, foi direto ao assunto:
– Como é, ninguém se machuca?

Dorgival pediu calma e desceu às pressas os degraus da arquibancada, rumo ao gramado. Ia começar a final. Explicou seu drama aos dois times. Algum jogador precisava se “machucar”. Finalmente, era a última chance. Foi atendido.

Mal o jogo decisivo começou, houve uma mistura de aplausos, vaias e gargalhadas quando a maca foi aberta na corrida em busca do jogador “contundido”. Todo o mundo viu o Autopeças Repórter, de uma forma bem clara. Era uma coisa inédita.

No outro dia era só no que se falava nas rodas esportivas, para o bem de João Pedro e satisfação de Dorgival.

Comentários