Bola, Frevo e Passo (1ª)



Em Pernambuco, frevo e futebol andam irmanados, pois são muitas as músicas compostas nesse ritmo, louvando os três principais clubes, Sport, Náutico e Santa Cruz. Outros menos cotados também são favorecidas.
Como o assunto está em pauta, com a chegada de maisn uma temporada buliçosa na qual a sombrinha e a bolam ficam entrelaçadas, este blog traz esta série de reportagens abordando a questão.
O termo frevo, que já era usado popularmente, a partir de expressões mal pronunciadas, como “tá frevendo”, foi inserida pela primeira vez na imprensa, no Jornal Pequeno, em 12 de fevereiro de 1908, pelo jornalista Osvaldo de Almeida, que usava o pseudônimo de Paula Judeu. 
Segundo o médico e escritor Valdemar de Oliveira, autor do livro “Frevo, Capoeira e Passo” (Companhia Editora de Pernambuco, 1971), a palavra “já bolia na mente dos carnavalescos do Recife muitos anos antes. Ainda com o ‘e’ antes do ‘r’, mas já presente”.


“O Teatro Santo Antônio, que existiu no Recife – prossegue Valdemar de Oliveira –, anunciava, no dia 4 de fevereiro de 1888, o seu ecoante, vertiginoso, fervorescente e rutilante baile de estréia”. Afirma ainda o escritor: “Mais para nós, a palavra mágica daria todas as variantes possíveis – frevança, frevolência, frevolente, frevioca, frevar, por aí afora, entrando na fala comum, como sinônimo de barulho, de folia, de reboliço, até de confusão, de briga doméstica”.
Ritmo e dança popular, o frevo não poderia ficar alheio a outra paixão pernambucana, que é o futebol, como veremos.

ALMIRANTE NO FREVO
“Seja da cobrinha
Seja do timbu
Seja do leão
Eu não faço questão
Quero meu benzinho
Que neste carnaval
Você torça um bocadinho
Pelo meu coração”

Almirante gravou Qual é o Score, Meu Bem?


É fácil deduzir dessa estrofe do frevo-canção do radialista Ziul Matos, com parceria do maestro Nelson Ferreira, que o pernambucano, mesmo durante os dias de intensa loucura carnavalesca, não esquece o futebol. A música, intitulada Qual é o score, meu bem? foi gravada em 1941 pelo carioca Henrique Fóreis Domingos, o célebre Almirante (1908/1980), radialista, cantor, compositor e pesquisador da música popular brasileira.

A música propriamente dita é antecedida da simulação da transmissão de um trecho de um jogo da Seleção Pernambucana, que termina em gol. TVamos à reprodução do disco:
'Atenção! Reiniciou-se a partida! Bola em poder de Jango, que passa a Plínio. Este atrasa para Marques. Que estende para Sidinho. Avança o meia-esquerda do selecionado, que combina muito bem com Wilson. Escapa Wilson, avança em boas condições e centra magnificamente. A pelota vem aos pés de Tará. Este atira forte. Gol!"
Entra, então, a composição:

Seja da cobrinha
Seja do timbu
Ou seja do leão
Eu não faço questão
Quero meu benzinho
Que neste carnaval
Você torça um bocadinho
Pelo meu coração!!!

Casaca! Casaca! Casaca!
Casá...casá...casá!!!
A turma é mesmo boa
É mesmo da fuzarca
No campo do amor
Pelo teu coração
Serei bom jogador
Em qualquer posição
Somente eu lhe peço
É bem pouco o que desejo
Cada gol que eu fizer
Você paga com um beijo'."
Obs.: o casaca, casaca é o grito de guerra da torcida do Clube de Regatas Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, que teria originado o cazá (sic), cazá do Sport Club do Recife.

CAPIBA, SEBASTIÃO ROZENDO E NELSON FERREIRA

Existe um verdadeiro manancial de composições dedicadas a Náutico, Santa Cruz e Sport, as três paixões do torcedor de Pernambuco no terreno futebolístico, mas o frevo prevalece com absoluta superioridade. Os três clubes são reverenciados com frevo-de-rua, o frevo meramente instrumental, e frevo-canção, duas das três categorias em que o popular ritmo é dividido – a outra é o frevo-de-bloco, de canto dolente e saudoso, lembrando as antigas marchas-rancho do carnaval carioca. 


Desde 1930 têm sido feitos frevos para os times pernambucanos. Alguns compositores procuraram externar, através desse rico veio da música popular brasileira, o amor ao time do seu coração. Foi o caso de Lourenço da Fonseca Barbosa, o inesquecível Capiba, nascido em Surubim, no Agreste de Pernambuco (28/10/1904 – 31/12/1997), que gravou uma marcha-exaltação – “Santa Cruz, Santa Cruz / Junta mais essa vitória...” –, que se tornou uma espécie de hino do tricolor pernambucano.

O Santa é também exaltado por Sebastião Rozendo, Marambá – José Mariano Barbosa, irmão de Capiba, e pela famosa dupla Irmãos Valença, que se consagrou nacionalmente com a marchinha “O Teu cabelo não nega” – “O teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor” –, por cuja autoria os Valenças mantiveram uma longa batalha judicial, afinal, ganha por eles, com Lamartine Babo, a quem acusavam de ter se apossado da música, tendo feito nela algumas alterações. Dos irmãos João e Raul Valença, autores do hino oficial do Santa, é o frevo Papa-taças: “Quem é que quando joga a poeira se levanta / É o Santa, é o Santa...”

Torcedor do Santa, mas não tão fanático quanto Capiba, o maestro Nelson Ferreira, pernambucano de Bonito (9/12/1902 – 21/12/1975) homenageou os três grandes do Recife, conforme veremos adiante.

O Náutico é o clube que detém o maior acervo musical, graças a uma série de concursos promovidos pelo dirigente Rafael Gazzaneo, um verdadeiro gigante, principal responsável pela ampliação do Estádio Eládio de Barros Carvalho.

A primeira música de que se tem notícia, feita para homenagear o clube dos Aflitos, é o Timbu Coroado, surgida na década de 30. Trata-se de um frevo-canção, composto por três remadores alvirrubros e tinha a finalidade de mexer com a turma de remo do Sport, que, no Carnaval, irmanava-se ao maracatu Leão Coroado. Os remadores alvirrubros tinham seu maracatu, o Timbu Coroado, que ainda hoje desfila, no domingo de carnaval por ruas adjacentes ao clube. Só que de macaratu, passou a troça, cresceu muito em volume de foliões, hoje já é considerado um bloco, mas perdeu a originalidade.

ATÉ O REI PELÉ

Quando a Seleção Brasileira, depois de ter levantado seu terceiro título de campeã mundial, no México, em 1970, preparava-se para disputar a Copa de 1974, na Alemanha, na qual ficaria em quarto lugar, houve uma verdadeira comoção nacional pela permanência de Pelé, que tinha anunciado seu propósito de deixar a Canarinha, o que terminou acontecendo.

O fato não passou despercebido pelo compositor e folclorista Sebastião Lopes, autor de Volta, Pelé, na verdade um dramático pedido para que o Rei disputasse mais um Mundial. Eis a letra:

“Milhões de brasileiros
Estão em aflição
Com
a saída de Pelé
De nossa seleção
O rei tricampeão
Promete que vai voltar
Volta, Pelé, volta, Pelé
Na sua Canarinha
Acabou-se aquele olé
Volta, Pelé, volta, Pelé
II
Oitenta milhões em ação
Esperando
o show de pé
Mostre que é tricampeão
Mostre que tem coração
Tá todo mundo sofrendo
Com essa nossa seleção
Obrigado, Pelé
Pelo tri mundial
Pra bem da Canarinha
Seleção nacional”

O maior craque de todos os tempos foi ainda citado num frevo de Mário Filho, radialista e pesquisador musical. No frevo-canção Quem me quer, o compositor fala em esperar o seu amor no Quem-me-quer, um trecho da Rua do Sol, entre as pontes Duarte Coelho e Boa Vista, mais conhecida como Ponte de Ferro, à margem direita do Rio Capibaribe, no centro do Recife. Em tempos longínquos, local de paquera. Diz Mário Filho na sua primeira estrofe:
“Vou esperar o meu amor
No Quem-me-quer
No Quem-me-quer
Eu sou o rei Pelé”.

GLORIOSO YPIRANGA!

Com a volta da Sociedade Esportiva Ypiranga Futebol Clube à primeira divisão nacional, em 2004, um dos seus torcedores mais ferrenhos, José Roberto Beserra Neves, compôs Glorioso Ypiranga!, inicialmente gravado como frevo baiano, ou frevo eletrônico, pela santa-cruzense Ana Cláudia Mestre. A música foi repaginada, tendo sido regravada por Marlos Machado, agora como autêntico frevo pernambucano. Eis a letra:

“Glorioso Ypiranga
Esplendor de Santa Cruz
Sempre em cada conquista
Nela teu brilho reluz

Sempre avante, Ypiranga
A vitória é tua lei
Mais vitória, mais conquista
Nelas todas vibrarei
Mais vitória, mais conquista
Nelas todas vibrarei

Na luta pela conquista
Mostras tua galhardia
Sempre avante, Ypiranga
Por mais vitória a cada dia
Sempre avante, Ypiranga
Por mais vitória a cada dia”


ARROZ, TINGUINHO E TRUBANO

Nessa união do frevo com o futebol merece destaque o frevo-canção Grande Fla-Flu, em que o caruaruense Carlos Fernando, autor de vários sucessos nacionais, como Banho de Cheiro, reproduz na voz de Lenine e Lula Queiroga, um jogo entre as seleções de Caruaru e Pesqueira, duas cidades do Agreste pernambucano.

Carlos Fernando: louvação ao futebol do interior

Esse frevo, lançado em 1984, faz parte da coleção Asas da América, e menciona os nomes engraçados de jogadores de Caruaru, de um passado já bem distante. Eles realmente existiram, mas nem todos jogaram ao mesmo tempo e num mesmo time.
O comerciante José Teixeira, um ex-presidente do Central, teve o cuidado de fazer a junção e formou uma hipotética seleção da Capital do Agreste, o que foi bem aproveitado por Carlos Fernando, num também hipotético jogo transmitido pelo locutor Cordovil Dantas, que marcou época na crônica esportiva caruaruense:

“Domingo de futebol no interior
De muito sol, muito gol
A seleção de Pesqueira
Caruaru enfrentou
Uma zabumba animava um frevo
Na locução Cordovil
E alegria na cara da massa.
Quando no campo aplaudiu
Arroz/
Tinguinho /
E Trubano /
Doutor /
Do-Chefe /
Zubai /
Inhãe /
Prãe /
Nhô /
Leré /
Buiu/
E não fugindo à regra
De todo Fla-Flu /
O jogo terminou /
Num grande sururu /
Sururu, sururu, sururu”.


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