Ao
embarque da equipe coral, às 2 horas da madrugada do dia 2 de janeiro de 1943,
compareceram os dirigentes Alcides Lima, Gonçalo de Melo, José Pimentel e
Antonio Pugliesi. O navio Pará navegava com todos os seus aparelhos de
transmissão lacrados. Era a imposição da guerra. A primeira escala foi em
Natal. Havia uma exibição dos tricolores agendada, aproveitando a passagem pela
capital do Rio Grande do Norte.
Uma
hora depois da chegada à capital norte-rio-grandense, o Santa já estava no
Estádio Juvenal Lamartine, goleando a seleção potiguar por 6 x 0. Formação dos
visitantes: King; Cidinho II e Pedrinho; Omar, Capuco (Pelado) e Amaro Caju;
Edésio (Guaberinha), Limoeirinho, Papeira, Cidinho I e Pinhegas.
–
Os jogadores saíram de bordo uniformizados. Tempo de partida normal. Campo
literalmente cheio, em virtude da ampla publicidade feita pela imprensa
potiguar, exaltando a coragem dos pernambucanos em viajar com o País em guerra,
pois cinco ou seis dias atrás, o Araranguá, da Costeira, havia sido posto a
pique nas costas de Sergipe por um submarino alemão. Por incrível que pareça,
nesse encontro amistoso, a torcida foi quase totalmente do Santa Cruz, embora o
adversário fosse o próprio selecionado potiguar – disse no seu relatório sobre
a excursão o presidente da delegação, Aristófanes da Trindade.
Os
jornais abriam manchetes com a guerra:
“Smolensk
parcialmente cercada pelos russos”
“É
fulminante a ofensiva russa no médio Dom e no Cáucaso”
“Declarou
o chefe de Polícia do Rio que partirá rumo à luta em qualquer front a fim de se unir aos que lutam
pela segurança do Brasil.
Assim
que o jogo encerrou-se, os tricolores voltaram para bordo, cumprindo uma
determinação do comando do navio. Viagem em blecaute. Relata Aristófanes da
Trindade:
– Ninguém dormia nos camarotes, com medo.
Todos no convés, e de um modo geral, armados de foices e facas, além do
salva-vidas. Era a guerra.
Na
chegada a Belém, cais superlotado. Todos queriam ver a Embaixada Suicida. De
saída, uma goleada de 7 x 2 no Tranviário.
“Foi,
portanto, auspiciosa a estreia dos santacruzenses no Extremo-Norte, depois de
uma viagem um pouco demorada por via marítima”, noticiava, no Recife, o Jornal do Commercio.
Em
seguida, outra vitória, agora sobre a Tuna Luso Comercial, hoje chamada de Tuna
Luso Brasileira, por 3 x 1.
No
terceiro jogo, derrota para o Remo por 5 x 2, depois de um empate por 2 x 2 no
primeiro tempo. A segunda fase foi disputada sob temporal.
–
O ‘onze’ pernambucano nadou em campo... – afirmou Aristófanes..
No
quarto jogo, contra o selecionado paraense, empate por 3 x 3. Os pernambucanos
reclamaram de “uma penalidade máxima inexistente”, marcada nos minutos finais,
o que evitou que o Santa vencesse por 3 x 2.
Na
despedida, sensacional empate com o
Paysandu, o campeão paraense, por
4 x 4. Até os últimos instantes, o Santa vencia por 4 x 3.
–
A arbitragem do juiz local prejudicou impiedosamente o onze do tricolor do
Arruda – diz o relatório do chefe da delegação.
Em
cinco jogos em Belém, duas vitórias, dois empates e apenas uma derrota.
RECEPÇÃO TRIUNFAL
De
Belém para Manaus num navio-gaiola, o time tricolor percorreu boa parte do Rio
Amazonas. Viagem lenta. O Capitão Assis
puxava uma alvarenga (um tipo de reboque destinado ao transporte de cargas) levando
alimentos para o então Território do Acre. Só desenvolvia 10 milhas por hora. A
turma arranjava mil e uma maneiras de preencher o tempo, e um dia, perto da
meia-noite, todo o time foi flagrado na Casa de Máquinas pelo árbitro Palmeira,
que acumulava o cargo de supervisor da delegação. Estavam todos enchendo a cara, acompanhados
de alguns membros da tripulação.
–
Bebia-se muito. Fora de casa, sem notícias da família, a turma terminava
bebendo. Eu mesmo era um deles – confessou Guaberinha que, para disfarçar
diante da presença inesperada do árbitro e supervisor, ao sorver um gole de cajuína
começou a fazer gargarejo, como se estivesse tratando da garganta. Malandragem
pura!
O
Santa Cruz, que viajava a Manaus a convite do Olímpico, segundo Aristófanes da
Trindade, levou seis dias navegando. De acordo com Guaberinha foram 14. O que tem
alguma lógica, considerando-se que o último jogo em Belém foi em 24 de janeiro,
e a estreia em Manaus, um dia após o desembarque na capital do Amazonas,
ocorreu em 7 de fevereiro.
O
Amazonas vivia o ciclo da borracha, com o dinheiro jorrando dos seringais. O
Tricolor fora o primeiro clube
pernambucano a visitar aquele Estado, o que ocorreu na excursão de
1941/42. Tinha sido uma temporada coroada de êxito. Daí o interesse em levá-lo
novamente.
O
conflito internacional continuava na ordem do dia. Os fatos ocupavam os
jornais: “Aniquiladas as tropas alemãs a oeste de Stalingrado”
“Bombardeio
inglês no porto de Hamburgo”
“Vargas
em Natal para encontro com o presidente Franklin Delano Roosevelt, dos EEUU, na
escala de regresso de Casablanca.
No
Recife, já se vivia o clima do Carnaval. O Vassourinhas realizava seu primeiro
ensaio de rua. Nos dias seguintes viriam outros clubes, blocos, troças,
caboclinhos e maracatus, como Pão Duro, Batutas de São José, Prato Misterioso e
Cachorro do Homem do Miúdo.
Na
chegada a Manaus, uma festa. Com a
palavra, o chefe da delegação:
– Governo e povo tributaram ao Santa Cruz as
maiores e significativas homenagens. Encontramos equipes tão boas em Manaus,
quanto as de Belém do Pará. Profissionalismo no duro. Dinheiro correndo. Os
cinemas abriam pela manhã e, com sessões ininterruptas, funcionavam até a
noite. Vida noturna intensa, digamos de passagem.
O
time do Santa Cruz desembarcou num dia para estrear no outro. Tentou adiar o
jogo contra o Olímpico, mas não conseguiu. Derrota de 3 x 1 debaixo de chuva
intensa.
–
A equipe estava cansada, abatida, trôpega e por cima de tudo foi jogar num
campo muito encharcado – narra Aristófanes da Trindade.
Logo
a Cobrinha reabilita-se, em grande estilo, goleando o Rio Negro por 5 x 1.
Segue-se outra goleada: 6 x 0 sobre o Nacional, bicampeão amazonense. O Rio
Negro pede revanche, procurando desforrar-se da goleada. Jogo disputadíssimo,
encardido, com nove gols. Outra vitória tricolor, por 5 x 4. Na despedida, os corais perdem para a seleção
amazonense por 2 x 1.
(Em breve: Doença a bordo e jogador preso
Comentários
Postar um comentário