O desaparecimento de Laursa



No comando da equipe do Náutico pela primeira vez, em 1964, o técnico Duque pediu aos treinadores Benedito Gomes, o popular Seu Biu, do juvenil, e Mituca, do aspirante, um dos supercampeões de 1957 pelo Santa Cruz, relatórios detalhados sobre os jogadores que dirigiam. Os dois tiveram muito trabalho, pois aquilo para eles era novidade. Mas cumpriram a missão.

Seu Biu desfrutava de muito prestígio nos Aflitos, para onde levara gente talentosa, muitos garimpados no bairro de Campo Grande, onde ele dirigia a equipe do IGB – Indústria Gráfica Brasileira. Foram para os Aflitos por seu intermédio, Nino, Lala, Didica, Gena, Toinho, Fraga, que participaram da campanha do hexacampeonato (1963/68). Ele indicou também o lateral-esquerdo Fernando Biquara, o ponta-esquerda Iaponã, o meia-armador Rafael e o volante Laursa – os jogadores achavam-no parecido com o tradicional personagem do carnaval pernambucano, daí o apelido.  Laursa era o mais promissor jogador da equipe, considerado um novo Salomão, este um dos maiores ídolos do Timbu em todos os tempos.



Dadas as devidas informações, Biquara, Laursa, Iaponã e Rafael passaram por determinação de Duque a treinar entre os profissionais. O treinador  pediu aos dirigentes Wilson Campos e Bido Krause, pai de Gustavo e Romeu Krause,  providências para Laursa ficar residindo na concentração da Rua Santo Elias, ali pertinho, visando a melhorar sua condição física, com uma alimentação adequada.

O jovem jogador Laursa evoluiu consideravelmente, em todos os sentidos. Pouco tempo se passou para que começasse a ser assediado pela imprensa e pela torcida. Cier Barbosa, um olheiro do Vasco da Gama, rondava os Aflitos e os demais clubes do Recife. Duque propôs ao Náutico fazer com o quarteto um contrato de gaveta, tendo o passe preso.

Tratava-e de um recurso muito usado, na época. O contrato era assinado pelo jogador amador, geralmente de menor. O documento  ficava engavetado para ser registrado na Federação, no momento oportuno. Assim, bloqueva-se a ação de aliciadores. Bido Krause encarregou Seu Biu de fazer a devida comunicação a Laursa.

– Eu não sei o que houve, deve ser algum clube te rondando, mas eles querem te prender. Leva esse contrato pra teu pai assinar (Laursa era de menor), que eu dou um jeito na situação – disse o técnico do juvenil ao jogador.

Laursa ficou sem entender, mas o termo prender fazia parte do dia a dia do futebol e significava amarrar o atleta, preservando ao clube os direitos sobre ele.

Enquanto Seu Biu saía para atender a um telefonema na secretaria da sede da Av. Conselheiro Rosa e Silva, numa época em que nem sonhava com telefone celular, o roupeiro Tavares, que tinha ouvido a conversa, atrás de uma porta, deixava o jogador aterrorizado.
– Laursa, o que foi que tu fizesse, homem? Tu vai ser preso. Não se brinca com gente grande, ainda mais sendo doutor. Cai fora e te esconde, não confia em Seu Biu não.

O garoto ficou apavorado e saiu de circulação. Seu Biu, depois de dois ou três dias, comunicou o fato aos diretores. Surgiu uma grande confusão. Laursa tinha sido “laçado” por Cier Barbosa ou alguém do ramo, pensaram todos. Àquela altura já deveria estar longe do Recife, entregue aos lobos, acreditavam.

Bido Krause botou a culpa no treinador dos juvenis que, para ele, tinha sido inábil ao deixar o atleta escapar. Além de surgir como uma grande promessa, Laursa era muito querido no clube. Não se poderia deixá-lo ir embora, sem mais nem menos. O Náutico iniciou uma busca intensa, só faltando espalhar cartazes pela cidade com o clássico “procura-se”.

Uns 15 dias depois, apareceu uma comitiva no clube, com Laursa à frente, tendo o pai do jogador, que exercia a profissão de pescador; Bite, jogador do Sport, vizinho da família; e um araque de polícia. Laursa foi maravilhosamente recebido, juntamente com seu séquito.  Bido Krause, eternamente alegre, brincalhão e gozador, espalhava seu sorriso de um canto a outro da boca, mais ainda depois de ouvir a explicação de Laursa sobre seu desaparecimento:
– Eu soube que o senhor e seu Wilson queriam me prender. Fiquei apavorado. Sou pobre, mas nunca matei nem roubei. Fui aconselhado por Tavares a fugir. Por sorte conversei com Bite e ele me explicou direito o significado desse negócio de  passe preso.

Dito isto apresentou o contrato de gaveta já assinado pelo pai, para alívio de Bido, Wilson e Seu Biu.  



Comentários

  1. Kkkkkkkkkkkkkkkk tempo bom também assinei contrato de gaveta no América 1967.

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