Fragmentos da saga alvirrubra (3)



Náutico, primeiro time pernambucano a jogar no exterior


Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA

Depois da exibição histórica contra os argentinos, passaram-se longos 13 anos para que o Náutico voltasse a jogar nova peleja internacional. Desta vez, outro marco histórico estava sendo estabelecido. Tratava-se da primeira apresentação de um clube pernambucano, mais do que isso, nordestino, em terras do exterior. Foi quando ocorreu a vitoriosa e histórica excursão dos alvirrubros à Guiana Holandesa. Era maio de 1950, início de um novo tempo para o Náutico.

O clube dos Aflitos estava se preparando para o grande salto. Iria deixar de ser um time doméstico, comum, para se tornar um grande campeão, por todos respeitados.

Foi um êxito completo a temporada fora do Brasil. O quadro alvirrubro acabara de deixar, vitorioso, a região amazônica. Manaus, Belém e Macapá tinham sido conquistados pelos craques do Timbu. Chegava agora a vez de Paramaribo, território estrangeiro.


Alvirrubros na antiga Guiana Holandesa. Em pé, Erasmo, pessoa não identificada, Dico, Perinho, Jaminho, Vicente, jornalista Hélio Pinto, Válter, Sidinho, Lula e Gilberto; agachados, Schiller, Carmelo, Ivanildo, Amorim, Alcidésio, Bororó, Zeca e J.Magro. Válter é o ex-goleiro e ex-presidente do Comércio,de Caruaru, Válter Lira.


Foram cinco partidas em apenas oito dias, de 7 a 14 de maio, de domingo a domingo. Quatro vitórias, um empate tão-somente, nenhuma derrota. Em uma semana, o Náutico fez nada menos de 29 gols, dez numa só partida! Um retumbante sucesso! Os resultados foram estes:

Náutico 4 x 2 seleção do Suriname
Náutico 2 x 2 seleção do Suriname
Náutico 10 x 0 seleção da cidade de Moengo
Náutico 6 x 4 Militare Clube
Náutico 4 x 1 seleção do Suriname 

INTERNACIONAIS

Estava consagrada toda uma geração de craques – Vicente, Sidinho e Lula; Dico, Gilberto e Jaminho; Carmelo, Ivanildo Amorim, Alcidésio e Zeca, o time titular. E mais: Valter, Erasmo, Perinho, Schiller Diniz, Bororó e J. Magro, os reservas que estavam à disposição do treinador Palmeira. Um punhado de jogadores da melhor qualidade.

Os craques timbus, depois da vitoriosa jornada na Guiana Holandesa, passaram a ser carinhosamente chamados de os internacionais. Eram os únicos do Recife, únicos do Nordeste, a terem jogado em outras terras, em gramados do exterior. Esse mesmo grupo de jogadores voltaria ainda a ser contemplado com a glória de outras partidas internacionais.

 Logo em 1951, um ano após a brilhante temporada, o Náutico voltou a Paramaribo. Os resultados desta vez não foram tão convincentes como da vez anterior. De qualquer modo, porém, o saldo foi positivo: três vitórias, um empate e duas derrotas. Deve-se registrar ainda que o grande capitão Ivanildo não participou de nenhum jogo nessa segunda excursão à Guiana, afastado do time por contusão desde a primeira apresentação alvirrubra, repetindo o roteiro da primeira excursão, na cidade de Belém, ainda em território nacional. Ademais, o ataque já não contava com Amorim, que se mandara para o Rio, estando assim desfeita a dupla que tantas vitórias tinha dado ao Náutico no ano anterior.  

Três amistosos contra equipes estrangeiras, a seguir, foram realizados no Recife pelo time internacional do Náutico, todos no estádio dos Aflitos. Os adversários: Velez Sarsfield, da Argentina (dezembro de 1951), Sporting, de Portugal (julho de 1951), e Chacarita Junior, também da Argentina (dezembro de 1952).

EMPATE NA RAÇA

Um desses amistosos, o jogo contra o Chacarita Junior, terminou entrando para a história como um exemplo do que pode uma equipe de futebol – raça e amor à camisa de um clube – quando essa equipe sente-se ferida nos seus brios. Foi o que aconteceu na tarde de 28 de dezembro de 1952.

O Náutico não vinha bem no jogo, perdia por 2x0. Uma boa parte da torcida, a galera do Sport, começou a pegar no pé dos jogadores alvirrubros. Foi quando o treinador Palmeira resolveu arriscar, lançando em campo o líder Ivanildo, poupado naquele amistoso porque não se encontrava no melhor de sua forma física. A situação estava difícil. Palmeira não tinha outro jeito. Chamou Ivanildo e mandou assinar a súmula para jogar. Naquele tempo, não tinha essa história de ficar esquentando, fazendo exercícios na pista, ao redor do gramado. Era levantar do banco, assinar a súmula e entrar. Foi o que fez Ivanildo, o bravo zagueiro-médio-atacante, o polivalente Ivanildo.

Cabeça levantada, peito estufado, alto e esguio, a imagem de um verdadeiro líder – garra e gama que não são privilégio de camisa ou cores –, Ivanildo tomou conta do jogo, silenciando a afoita torcida contrária, arrastando seus companheiros para um empate que teve sabor de vitória.



O Náutico não se deixara humilhar em sua própria casa. Conseguia, ademais, com gols de Ivson e Hélio Mota, em jogadas elaboradas por Ivanildo, manter intocada uma invencibilidade de 22 partidas. Uma página de glórias para a história do futebol alvirrubro.

EXCURSÃO À EUROPA 

No ano seguinte, em 1953, aquele mesmo grupo de craques excepcionais iria viver ainda as emoções de uma excursão ao exterior, agora por gramados da Europa. Era a primeira vez que um clube nordestino fazia a travessia do Atlântico. O Clube Náutico Capibaribe confirmava a sua vocação de pioneiro em jogos internacionais. Com exceção do Atlético Mineiro, nenhum clube brasileiro que não fosse do eixo Rio-São Paulo, tinha se aventurado a tanto.

A delegação embarcou – era a segunda quinzena de maio – no avião da moda, o Constellation da Panair do Brasil. Recepção festiva na passagem em Lisboa. O Diário da Noite estampava no alto da primeira página, em destaque, a fotografia da rapaziada com seu vistoso terno de cor clara, paletó e gravata, o líder Ivanildo à frente de todos, recebendo os aplausos e o carinho dos patrícios, um pouco antes do início de um jogo local, Sporting x Lusitano. 


Delegação alvirrubra no embarque para a Europa, em maio de 1953. Em pé: Palmeira, Marcos, Vicente, Ivanildo, Eládio de Barros Carvalho (apenas foi desejar boa viagem à equipe), Genaro, Alheiros, Gilberto e Ivson; agachados: Hélio Mota, Alcidésio, Irani, Djalma, Dico, Caiçara e o jornalista Hélio Pinto.
A reportagem vinha assinada pelo veterano Antônio Almeida, enviado da empresa Jornal do Commercio. Hélio Pinto também acompanhava a delegação, mandando notícias para o Diário de Pernambuco. Os jogos eram transmitidos pelas ondas curtas da Rádio Jornal do Commercio. Pernambuco vivia momentos de expectativa com seu representante exibindo o valente futebol nordestino em campos do Velho Mundo. Havia ansiedade e deslumbramento.

O técnico Palmeira levou 19 jogadores: Vicente, Manuelzinho, Caiçara, Lula, Irani, Gilberto, Jaminho, Eloi, Alheiros, Hélio Mota, Ivanildo, Ivson, Djalma, Marcos, Zeca e Wilton, todos campeões de 1952, e mais Dico, Alcidésio e Genaro, jogadores que estiveram afastados da disputa do título no ano anterior, mas que faziam parte do elenco havia tempo. Ninguém mais. Nenhum jogador contratado de última hora, como costuma acontecer nessas ocasiões, os tais reforços do Sul, nem sempre da melhor qualidade. Era somente o time tricampeão, e pronto! Ausente somente Fernandinho, que não reunia mais condições físicas para continuar jogando.

Genaro, terceiranista de Medicina, respondia pela saúde do grupo, visto que não se levava um médico diplomado. E o fazia – diga-se de passagem – com absoluta competência, repetindo mais ou menos o que ocorrera com o centromédio Nariz no Mundial de 38, na França, que seguiu com a delegação brasileira, acumulando as funções de médico, ao lado do dr. Castelo Branco, quando na realidade era apenas acadêmico de Medicina.

Uma ausência além da de Fernandinho era muito sentida, especialmente pelos jogadores – Doutorzinho, dedicado massagista, queridíssimo de todos, à última hora fora cortado da delegação. Palmeira, prevendo muita dureza na Europa, o que terminou se confirmando, preferiu levar em seu lugar mais um jogador de defesa, entrando Elói na lista de passageiros. Até que ponto as milagrosas mãos de Doutorzinho, ausentes naquele instante, fizeram falta na recuperação dos craques timbus contundidos em terras de muito frio? Não se sabe, mas futebol, que é arte e jogo, feito cientificamente e com um pouco de previdência, sempre dá melhores resultados.

A estreia em campos da Europa se deu precisamente no dia 27 de maio, uma quarta-feira à tarde. Foi contra o Olimpique, na cidade de Marselha. O Náutico venceu bem, placar de 3x1, gols de Gilberto, Ivanildo e Wilton. Era um bom começo. Esperança de uma jornada vitoriosa. Dois dias depois, já com alguns titulares afastados por contusão, veio a primeira derrota, em Toulouse, outra cidade do Sul da França. No domingo – cinco dias de excursão, três jogos, três cidades diferentes –, foi a vez do campeão francês, o Stade Reims. O jogo foi em Vichy e os alvirrubros caíram por 5x2. Dois dias depois, nova exibição na França. Outra vitória timbu. Estava equilibrada a contabilidade técnica – duas vitórias e duas derrotas. E, possivelmente, um recorde internacional surgia: quatro jogos em uma semana!

O quadro alvirrubro encontrava-se agora em território alemão. Ia ter início a pauleira. Os jogadores timbus iriam penar diante do futebol-força, marca registrada da escola germânica. Não conheciam aquilo. Os experientes goleiros Manuelzinho e Vicente, ambos com mais de quinze anos de ofício, começaram a falhar, perturbados com a presença constante dos atacantes alemães na porta do gol, nas bolas altas dentro da área, disputando as jogadas corpo a corpo, fustigando-os, acostumados que eram os nossos arqueiros a serem respeitados na pequena área, aqui no Brasil. Foram, então, acumulando falhas desastrosas. Depois, vieram as contusões: Ivson, Hélio Mota, Lula, Irani... (Djalma, reserva de Ivson, teve mais êxito na temporada do que o titular, inclusive marcando mais gols. È que, ao contrário de Ivson, Djalma era de chegar junto, decidir na base do físico, ele um center-forward parrudo, bem melhor dotado de músculos).


O lateral Caiçara esteve bem na excursão

Não foi das mais brilhantes a excursão dos alvirrubros em terras do Velho Mundo. Mas, também, não se pode dizer que tenha sido decepcionante (cinco vitórias, um empate e seis derrotas). A imprensa sulista, sempre de má vontade e preconceituosa com as coisas nordestinas, é que pintou um quadro bem mais negro, carregando nas críticas. Bastaria ter ganho uma daquelas partidas em que um dos goleiros, Manuelzinho ou Vicente, entregou o ouro, para que o número de vitórias fosse superior ao de derrotas.

O que importa é que o Clube Náutico Capibaribe naquele momento estava marcando mais um tento histórico: era o primeiro clube nordestino a fazer uma temporada na Europa. Pela segunda vez na década, praticamente com o mesmo time, os alvirrubros assumiam a posição de pioneiros – inicialmente, com a primeira viagem de um time pernambucano ao exterior (1950); agora, com os jogos no Velho Mundo (1953). Aliás, o Náutico não estava mais do que segurando uma posição de dianteira que tinha adquirido em janeiro de 1937, quando enfrentou o Atlanta da Argentina, no primeiro confronto internacional de um time pernambucano.

OS JOGOS NO VELHO CONTINENTE

França
27/05/1953 Náutico 3 x 1 Olimpique, em Marselha
28/05/1953 Náutico 0 x 2 Toulouse, Toulouse
31/05/1953 Náutico 2 x 5 Stade Reims, Vichy
05/06/1953 Náutico 2 x 1 Sporting Angers, Angers

Alemanha
05/06/1953 Náutico 3 x 3 Saar 05, Searbrucker
06/06/1953 Náutico 2 x 3 Fuerth, Nuremberg
10/06/1953 Náutico 2 x 6 Schakke, Gelsenkirchen
14/06/1953 Náutico 3 x 0 Hamburg 07, Duisburg
17/06/1953 Náutico 1 x 3 Altona 93, Hamburgo
24/06/1953 Náutico 3 x 0 Havre, Havre
26/06/1953 Náutico 3 x 1 Pirmasens, Pirmasens
30/06/1953 Náutico 1 x 3 Saar 05, Searbrucker

No total, 5 vitórias, 1 empate e 6 derrotas






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