Gol de Haroldo Praça entrou para a história da Ilha




“Parece que eu vejo/ Valfrido Cebola no passo/ Haroldo Fatia, Colaço/ Recife está perto de mim”
Anos 40 do século passado. O banzo que vez por outra dominava seus sentimentos, em que pese a vida agitada como radialista, jornalista e homem da noite, no Rio de Janeiro, levou o célebre Antônio Maria a manifestar, através de vários frevos-canção, a falta que faziam sua cidade natal e os amigos. Saíra do Recife, já como locutor esportivo.

 A primeira mensagem veio com o Frevo nº 1 do Recife. Três personagens da capital pernambucana eram focalizados por Maria: Valfrido Cebola, treinador dos juvenis do Santa Cruz; Haroldo Fatia, ex-atacante do Sport; e Colaço, um boêmio irreverente, apaixonado pelo Leão, como Haroldo e o compositor.


(Do Blog Fernando Machado)


A PLACA DA MEMÓRIA
Imortalizado no disco, o jornalista Haroldo Praça – o Fatia era uma decorrência de sua magreza – tem o nome escrito numa placa no hall dos elevadores do Estádio Adelmar da Costa Carvalho. Lá está a relação dos 11 jogadores que formaram a equipe leonina na vitória de 6 x 5 sobre o Santa Cruz, na chuvosa manhã do domingo 4 de julho de 1937, quando da inauguração do estádio rubro-negro. Muniz; Morato e Gelsomino; Ernesto, Ademar e Amarino; Haroldo, Djalma, Danzi, Pitota e Pedro – foi este o time que entrou para a história, derrotando o Santa Cruz de Neco; Sidinho II e João Martins; Ademar, Rubem e Ernane; Malaquias, Lauro, Tará, Sidinho I e Siduca.

APELO ATENDIDO
Sempre que recordava o célebre evento, Haroldo parecia estar ouvindo as palavras do presidente do Sport, José de Andrade Médicis, num apelo dramático para que os jogadores rubro-negros benzessem “o campo com uma vitória”. Que aconteceu.

 – Muita gente acha que eu fiz o primeiro gol na Ilha. É engano, fiz o último, o da vitória – recordou o ex-ponta-direita, numa das inúmeras entrevistas a mim concedidas.
            O jogo estava marcado para 08h50, mas só foi iniciado às 10h, por ter chovido torrencialmente. Apesar do estado escorregadio do campo, o encontro foi movimentadíssimo, com as equipes jogando um futebol franco.

Era um amistoso, mas rubro-negros e tricolores realizaram um verdadeiro Clássico das Multidões, em que foram assinalados 11 gols.

Coube a Danzi abrir o placar, fazendo assim o primeiro gol no novo palco que se descortinava no futebol pernambucano. O Santa Cruz empatou com Tará, mas o Sport botou nova vantagem. Outra vez Danzi balançou a rede tricolor. Danzi marcou mais dois para o Sport, que teve ainda gols de Djalma e Haroldo. Este fez o gol consagrador.

A partida estava empatada em 5 x 5, quando, faltando poucos minutos para o término, uma cabeçada certeira vencia o goleiro Neco, do Santa. Tará fez os outros dos visitantes, à exceção de um que se perdeu no tempo.

JOGO DA COPA
Treze anos depois da inauguração, o Estádio Adelmar da Costa Carvalho – o nome foi dado ao benfeitor e presidente do clube no ano do cinquentenário (1955) – tornou-se a primeira praça de esportes do Nordeste a receber um jogo da Copa do Mundo. Isso aconteceu em 1950, no primeiro Mundial realizado no Brasil.

O fato orgulhou, não apenas a galera rubro-negra, mas o público desportivo pernambucano de um modo geral, pois naquele tempo havia rivalidade, mas não de maneira exacerbada.

O jogo foi entre Estados Unidos e Chile. No seu livro “História do Futebol em Pernambuco”, o jornalista Givanildo Oliveira dedicou um capítulo àquele jogo. Vejamos:

“Os adversários (Chile e Estados Unidos) eram fracos, sabia-se disso, mas só pelo fato de a CBD ter escolhido Recife como única cidade do Norte e Nordeste para assistir a uma partida válida pela Copa Jules Rimet, já era motivo de orgulho e euforia para o povo pernambucano.

E por incrível que possa parecer, a atração foi o time da terra do Tio Sam, que vinha de uma vitória de 1 x 0 sobre a Inglaterra, na primeira grande surpresa da Copa de 1950, pois a segunda e última ficou reservada ao Brasil.

Os norte-americanos chegaram ao Recife na madrugada da sexta para o sábado, tendo à frente o haitiano naturalizado yanke Joseph Grejtern, autor do gol histórico que derrotou o país do futebol em Belo Horizonte.

Debaixo do braço trazia a bola do referido encontro autografada pelos 22 jogadores que disputaram a partida. Ao juiz de futebol Batista da Conceição, intérprete da delegação, os dirigentes norte-americanos respondiam aos repórteres que, dos 18 jogadores, 11 tinham nascido nos Estados Unidos, enquanto os demais eram naturalizados. Um da Inglaterra, dois do Haiti, um da Bélgica, um da Polônia, um da Escócia e um da Itália.

Do aeroporto pegaram o ônibus especial da Autoviária Pernambucana e foram para o Grande Hotel, onde também ficaram alojados os chilenos, que chegaram no sábado, à tarde.
O jogo no Jornal do Commercio (Reprodução internet) 


O domingo 2 de julho de 1950 amanheceu festivo, apesar de uma chuvinha fina que ameaçava a boa renda que se esperava. Todos os jornais saíram com um farto material sobre as duas seleções, e o cronista Pinto Lopes, do Jornal do Commercio, empolgado com o grande acontecimento internacional, escreveu seu comentário em inglês, espanhol e português, dando-lhe o título de Sensation Today.

Embora com o céu nublado e chovendo de vez em quando, a Ilha do Retiro apanhou um bom público (8.501). Na Tribuna de Honra estavam o governador do Estado, Barbosa Lima Sobrinho, prefeito Moraes Rego, Jules Rimet, presidente da Fifa, acompanhado de sua filha Annet, general Americano Freyre, brigadeiro Álvaro Kerskei, além dos Presidentes da Federação e do Sport, respectivamente, Leopoldo Casado e Severino Almeida.

O jogo não agradou. Foi uma autêntica pelada, disseram os jornais. Os Estados Unidos chegaram a empatar por 2 x 2, depois de estarem perdendo por 2 x 0, mas no final o triunfo ficou com os chilenos por 5 x 2, gols assinalados por Cremaschi (2), Robledo, Riera e Prieto, enquanto Wallace e J. Souza fizeram os tentos do quadro norte-americano.

 O árbitro foi o paulista Mario Gardeli, auxiliado pelo peruano Mario Heyn e o boliviano Alfredo Alvarez. A renda foi recorde em Pernambuco, 290 mil cruzeiros.

Estados Unidos – Berghi; Kheoug e Maca; Mallverny, Colombo e Bahr; Wallace, Pirianii, Gretjern, J. Souza e E. Souza.
Chile – Livingstone; Machuca e Alvarez; Busquete, Farias e Rojas; Riera, Cremaschi, Robledo, Prieto e Ibanez.

Não foi fácil a Pernambuco credenciar-se a um jogo da Copa. A tarefa começou 1 ano antes, com a ida ao Rio de Janeiro do presidente José Lourenço Meira de Vasconcelos, que depois abandonou tudo, face sua renúncia à presidência do clube da Ilha do Retiro. Seu sucessor, Severino Almeida, entrou em contatos com o presidente da Federação, Leopoldo Casado, dando sequência aos entendimentos, que estavam no seguinte pé: o Sport teria de construir o alambrado e três túneis. Era condição sine qua. O Sport, além de não ter dinheiro para as obras, consideradas imprescindíveis, estava em crise. Dividido.

 A imprensa apelou para o bom senso e os rubro-negros se uniram, dando início a uma campanha para conseguir areia, cimento, tijolos e tudo mais que fosse necessário à construção do que a Confederação exigia. Os próprios dirigentes carregaram pedras, cimento e tijolos, numa demonstração de amor ao clube jamais vista em Pernambuco. Com poucos meses, a Ilha estava um brinco. Leopoldo Casado, presidente da Federação e rubro-negro, batalhador incansável pela realização do jogo, considerava-se um homem realizado.
Estava gratificado das canseiras.”
  


Comentários