ROSTAND PARAÍSO
De uma
maneira não muito nítida, lembro-me de ter ido algumas vezes, ainda criança, aos
campinhos da Jaqueira e da Avenida Malaquias, que pertenciam, respectivamente,
ao
América e
ao Sport Club do Recife. Ali, estive algumas tardes de domingo, levado por meu
pai para
jogos do Santa Cruz, seu time de coração e que, por uma questão quase de
hereditariedade, ficou
sendo o meu.
De calças
curtas, agarrado à sua mão, ficava, a seu lado o tempo todo, vibrando com as jogadas
daqueles fantásticos jogadores de então: os Carvalheiras, do Náutico; Marcionilo, Lauro, Tará e Sidinho, do Santa
Cruz; Rodolfo e Marcílio, do Sport - todos eles, jogadores cuja fama
ultrapassava as fronteiras do Estado.
Forçando
a memória, outros nomes, alguns talvez já dos anos 37, 38 ou 39, me passam pela
cabeça, e, parodiando Ascenso Ferreira, quando ele dizia que “dos engenhos de
minha terra só os nomes fazem sonhar: Esperança, Estrela d’Alva, Flor do Bosque,
Bom Mirar!”, eu diria que,
naqueles
tempos de minha adolescência, só os nomes daqueles jogadores me faziam sonhar, Bermudes,
Zago, Pirombá, Navamuel, Ademir, Djalma, Magri, Vicente, Manoelzinho, Sidinho, Siduca,
Itaguari, Henrique, Jango...
E Tará, aquele
endiabrado atacante, o maior goleador dos nossos campos, Tará, do qual Aramis
Trindade, anos depois, diria tudo: “Vocês viram Pelé. Não viram nada. Eu vi
Tará, no Santa Cruz, jogando ao lado de Sidinho I, Siduca e Lauro. Eu vi Tará,
defendendo a seleção pernambucana contra o escrete da Bahia, enfiando 9x1,
ladeado por Pitota e Orlando. Eu vi Tará, jogando pelo Náutico, marcar
10 tentos em 20 minutos. Eu vi Tará marcar seu milésimo gol e não parar, ultrapassar a
barreira dos 1.000, sem placa comemorativa, sem beijar a bola ou derramar
lágrimas. Eu vi Tará deixar o
futebol para nunca mais voltar. Meninos, eu vi!...”
Eram tempos, aqueles
do fim da década de 30 e início da de 40, de grande projeção para o futebol
pernambucano, quando os campinhos da Malaquias e da Jaqueira começavam a ficar
pequenos para o público que
ali comparecia. Tempos em que o Sport construía, na recém-adquirida Ilha do
Retiro (que os torcedores dos outros clubes insistiam em chamar Ilha do
Maruim...) a sua arquibancada, não mais de madeira, como a da Avenida
Malaquias, mas de concreto armado.
Tempos em que o
Náutico, nos Aflitos, a duras penas, com empréstimo bancário, iniciava a
reforma do seu campo e a construção, também, de uma bela e moderna
arquibancada. Tempos em que o Santa Cruz
sequer sonhava com a construção do colosso do Arruda, hoje o maior estádio de Pernambuco.
Era comum, na época,
que a Pernambuco Tramways, ainda numa boa fase e sempre atenta aos eventos que
aconteciam no Recife, pusesse, nos dias de jogos mais concorridos, nos horários que antecediam e se
seguiam àquelas partidas, bondes especiais à disposição dos torcedores, ao contrário dos tempos
de hoje, quando as companhias de ônibus, temendo as frequentes depredações, retiram seus veículos
das ruas.
Naqueles bondes, dependendo dos resultados, participávamos da euforia dos vitoriosos ou da tristeza dos vencidos e ouvíamos, também, as xingações aos juízes, sempre culpados pelas derrotas, sempre venais, sempre incompetentes, eles e todas as suas famílias, as mães principalmente...
Os bondes vinham repletos de torcedores, muito deles pendurados nos estribos, carregando bandeiras e bandeirolas, num clima alegre e descontraído, muito diferente do atual clima de guerra dos campos de hoje. Tudo de uma maneira pacífica e bem humorada! E, se era época de São João, predominavam os foguetórios e os céus do Recife se enchiam de balões com as cores tricolores, alvirrubras ou rubro-negras.
Naqueles bondes, dependendo dos resultados, participávamos da euforia dos vitoriosos ou da tristeza dos vencidos e ouvíamos, também, as xingações aos juízes, sempre culpados pelas derrotas, sempre venais, sempre incompetentes, eles e todas as suas famílias, as mães principalmente...
Os bondes vinham repletos de torcedores, muito deles pendurados nos estribos, carregando bandeiras e bandeirolas, num clima alegre e descontraído, muito diferente do atual clima de guerra dos campos de hoje. Tudo de uma maneira pacífica e bem humorada! E, se era época de São João, predominavam os foguetórios e os céus do Recife se enchiam de balões com as cores tricolores, alvirrubras ou rubro-negras.
Em minhas
recordações, chego a me lembrar até das conversas frequentes, entre meu pai e
José Borba, o eterno secretário do Colégio Leão XIII, ele também, um ferrenho
tricolor. Os dois comentando as jogadas, analisando os gols feitos ou perdidos,
a arbitragem, etc., tudo dentro, é claro, da ótica do
Santa Cruz.
Não tenho dúvidas em
dizer que foi desse convívio e dessas conversas que, pouco a pouco, foi
nascendo a minha preferência pelo velho Santa, clube que me daria tantas
alegrias nos campeonatos regionais e nacionais. Santa Cruz “de corpo
e alma” (meus jogadores de botão tinham nomes de atletas tricolores: Jango, Sidinho,
Siduca. Interesso-me por tudo que a ele se relacione e, mesmo sem a presença física nos estádios,
eu o carrego no coração, a ponto de ouvir as transmissões radiofônicas e de
ler, rotineiramente, o
noticiário especializado. Uma verdadeira paixão que fez com que me tornasse seu associado e
passasse a participar, com muita honra, do seu Conselho Deliberativo.
E que, agora, quando
ele comemora seus bem vividos 80 anos, me faz torcer pelo sucesso
de sua atual
Diretoria, à frente o meu amigo Luiz Arnaldo, no sentido de levar nosso clube
de volta ao campeonato
brasileiro da primeira divisão, que é o lugar onde pela sua tradição, pelo seu patrimônio e pela sua
numerosa torcida, o velho Santa deveria estar.
(Artigo
escrito pelo médico e escritor Rostand Paraíso por ocasião do 80º aniversário
de fundação do Santa Cruz, que está inserido no livro Santa Cruz de Corpo e
Alma. Sua publicação constitui uma homenagem póstuma deste blog a um recifense
que tanto honrou e propagou suas raízes e seus costumes).
Comentários
Postar um comentário