Literatura e Futebol


                                                                                                                                                                                                                    
                                                                                                                                                   ANTÔNIO MATOS

(Jornalista, escritor e delegado de Polícia na Bahia, é autor do livro Heróis de 59, recentemente lançado, que narra a conquista do primeiro campeonato nacional conquistado pelo Bahia). 



Até a Academia Brasileira de Letras já discutiu, no seminário ‘Brasil, Brasis’, se existe literatura quando o tema é futebol.

Apesar de ser a maior paixão do brasileiro, infelizmente o futebol ainda é tratado como ‘coisa pequena’.

Não é à toa que, em todas as redações de jornais que conheço, as editorias de Esporte e de Polícia, tidas como de menor importância num contexto geral, estão juntas, geograficamente num mesmo espaço.

São nelas que os iniciantes, os estagiários, os ‘focas’, mesmo sem afinidade com estas áreas, invariavelmente começam.

Na verdade, há muito tempo, desde Graciliano Ramos, já se faz no Brasil literatura com o futebol.

Não se pode, por exemplo, esquecer Mário Filho, fundador do tradicional ‘Jornal dos Sports’, e o seu clássico livro O Negro no Futebol Brasileiro, editado, pela primeira vez, em 1947.

Nem o consagrado Armando Nogueira, pioneiro do telejornalismo brasileiro e responsável, na TV Globo, pela criação do ‘Jornal Nacional’, primeiro com transmissão em rede e ao vivo da história da televisão brasileiro. É de sua autoria o conhecido livro Na Grande Área.
E, muito menos, o contista e dramaturgo Nelson Rodrigues, irmão de Mário Filho, que se travestia de cronista esportivo, ao escrever a coluna “À sombra das chuteiras imortais’, eternizada nas páginas de O Globo.

É dele a criação do misterioso personagem ‘Sobrenatural de Almeida’, responsável por todos os males que afligiam o seu querido Fluminense e que, um dia, iria cair em desgraça, passando a morar em Irajá e viajar nos superlotados trens da Central do Brasil.

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores representantes da segunda geração do Modernismo brasileiro, também misturou futebol com literatura, ao escrever ‘Quando é dia de futebol’, seleção de crônicas e poemas publicada nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, onde analisava mundiais, campeonatos estaduais, rivalidades entre times brasileiros e lances geniais de Pelé e Garrincha.

Em A Cidade da Bahia, publicado em 2008, o laureado escritor Jorge Amado, minimizando a má fase que atravessava o Ypiranga, assim descreveu a sua paixão pelo clube: “O Ypiranga pode perder à vontade, porque já ganhou demais, já deu muita alegria aos seus fiéis torcedores”.

Dizia ainda: “No futebol baiano, não há nenhum clube de tão gloriosa tradição quanto o Ypiranga, o time de Popó, antigamente poderoso, milionário, invencível, supercampeão, hoje pobre e batido, mas, em glórias, quem se compara a ele? Nem o Bahia, nem o Vitória, nem o Galícia, nem o Leônico”. 

Poeta e diplomata João Cabral de Mello Neto, jogador de futebol na adolescência e que escreveu a emblemática poesia 'Morte e Vida Severina', compôs uma ode para homenagear o craque palmeirense Ademir da Guia: 

“Ademir impõe com seu jogo 
o ritmo do chumbo (e o peso), 
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo. 

Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o 

Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando

o mais irrequieto adversário”.
Numa outro poema, enalteceu a bola:
“A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão”.

Outros acadêmicos, como João Ubaldo Ribeiro e José Lins do Rego, também se juntaram a João Cabral, utilizando o futebol como mote em alguns dos seus trabalhos, o mesmo acontecendo com o poeta e jornalista Paulo Mendes Campos.

Torcedor do Vitória (e também do Vasco e do Confiança), era comum nos artigos de João Ubaldo, veiculados em diversos jornais do país, falar do primeiro título estadual conquistado pelo time rubro-negro baiano em 1953 e da comemoração, com banho de cerveja, feita pelos comerciantes do antigo mercado da Barra.

Sabia de cor todos os jogadores campeões e elogiava muito o atacante Quarentinha [que, mais tarde, se transferiu para o Botafogo e chegou à Seleção Brasileira] e o volante Purunga.  Já Lins do Rego escreveu o livro de crônicas Flamengo é puro amor e Mendes Campos, o Gol é necessário.

Na trilha de João Saldanha e Ruy Castro, os grandes nomes da crônica esportiva do Sudeste, em especial os profissionais ligados à televisão, como Maurício Noriega, Roberto Assaf, Marcelo Barreto, Mílton Neves, Juca Kfouri e Mílton Leite, têm publicado livros bem interessantes. Também o ex-jogador Tostão, há muito integrado à mídia, já lançou bons títulos no mercado literário dentro desta temática.

No Nordeste e, em particular, na Bahia, apesar de recentes publicações e de nomes como o pernambucano Lenivaldo Aragão, o cearense Pedro Mapurunga, o alagoano Lauthenay Perdigão e os baianos Jorge Sanmartim, José Barreto, Afrânio Salles, Alexandre Teixeira, Carlos Casaes, Clara Albuquerque, Eduardo Guimarães, Elieser César, Elton Serra, Nestor Mendes Jr, Newton Calmon, Normando Reis, Paulo Leandro, Ruy Botelho e Ruy Guimarães Botelho, ainda temos uma escassa bibliografia sobre futebol. 

Uma frase lapidar do professor e escritor catarinense Deonísio de Souza, creio, sintetiza este artigo: “Os escritores brasileiros, em sua maioria, têm evitado o futebol. Talvez seja porque o esporte, à semelhança da guerra e do amor, seja tão grandioso, que é simplesmente impossível aumentá-lo”.

Obs.: agradeço a citação de meu nome no belo artigo do amigo Antônio Matos, mas quero lembrar que há outros nomes em Pernambuco que cuidaram do futebol e cujo trabalho será por mim abordado oportunamente.
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