O poderoso Rubão



Gilberto Prado


É preciso contar esta história, mesmo com alguns palavrões. Afinal o protagonista é o desportista Rubem "Rubão" Moreira, ex-presidente da Federação Pernambucana cujo linguajar chulo se tornou conhecido nacionalmente, embora estimado. E muito.
Seu jeito de ser, aliado ao espírito empreendedor, tornava-o carismático e poderoso. Conseguia coisas consideradas impossíveis.

Rubem, Edgar Campos, Ivan Lima e Heleno Nunes, presidente da CBF, numa solenidade


Quando jovem, já bem-sucedido empresário, gastou fortuna mas fez o América, seu time de coração, campeão pernambucano. Conseguiu, como presidente da FPF, fazer a Seleção Pernambucana representar o Brasil em um Campeonato Pan Americano.
Certa ocasião, no Aeroporto dos Guararapes para acompanhar o embarque da delegação de futebol de salão do Náutico cujas passagens financiara, encontrou-se com seu sobrinho, Mirinda (José Alexandre), um dos atletas da famosa equipe.
Estranhou quando toda delegação embarcou, menos Mirinda:
-- E você? Vai viajar não? -- Indagou.
Meio sem jeito, Mirinda, que na época estava concluindo o curso de engenharia, explicou:
-- É que estou fazendo estágio em uma construtora e não posso ir.
Veio a reação.
-- Estágio um cacete! Você vai viajar e é agora! Deixa o resto que eu resolvo na construtora.
Antes que o seu sobrinho explicasse que a aeronave já estava pra decolar e ele não tinha sequer a passagem, foi arrastado até o balcão da Varig. Gritando, ordenou para o despachante da companhia aérea.
-- Manda parar essa porra desse avião, que o "menino" aqui vai viajar.
E o avião ficou estacionado, com os motores ligados, até Mirinda receber o bilhete e embarcar.
Recife, 29 de junho de 1958. Decisão da Copa do Mundo entre Brasil e Suécia. acompanhava em casa a transmissão pelo rádio. Ao seu lado, Napoleão Gonçalves, superintendente da FPF; Alberto Peres, coronel aviador da Aeronáutica; Núbio Flores, empresário gaúcho e diretor de futebol do Santa Cruz; e o jornalista Adonias Moura.
O Brasil campeão do mundo pela primeira vez. Enquanto o País inteiro comemorava a conquista, o comodoro Rubem, como também era tratado, apenas bebia o seu "uisquinho". Sua atenção estava voltada para o rádio no qual informava o narrador Edson Leite sobre o que se passava na seleção. Foi quando ouviu:
(...)"A delegação brasileira sairá daqui da Suécia, com destino à Capital Federal, Rio de Janeiro, já na noite de hoje (29)".
Acrescentou o locutor:
"Os campeões do mundo seguirão para o Brasil em voo direto para o Rio de Janeiro, com uma ligeira parada técnica no aeroporto do Recife, como fizera na ida, para o abastecimento da aeronave".
-- Porra, era isso que eu queria ouvir! -- gritou, chamando atenção de todos presentes na sala.
Antes que alguém lhe perguntasse qualquer coisa continuou:
-- O locutor disse que o avião vai abastecer no Recife.
Dirigiu-se ao superintendente da FPF, ordenou:
-- Napoleão, comunique às rádios e ao "Jornal do Commercio" que a Seleção Brasileira vai desfilar aqui amanhã. Não precisa avisar ao "Diário", pois Adonias está aqui.
Incrédulo, o superintendente perguntou:
-- Alguém sabe disso, Rubem?
-- Puta que pariu, Napoleão! Lá vem você querendo botar merda no ventilador! Eu não tenho nada a explicar pra filho da puta nenhum! Só estou dizendo que a porra da seleção vai desfilar no Recife! Trate de fazer o que estou mandando e pronto!
E continuou:
-- Diga que o desfile vai sair do Aeroporto dos Guararapes, assim que a delegação chegar, pela manhã e vai almoçar no restaurante do Clube Português
Após ditar as ordens para Napoleão, pediu a Adonias e Núbio Flores para ajudá-lo em detalhes como policiamento, uma viatura do Corpo de Bombeiros para conduzir os jogadores, trânsito, etc. Ele e o coronel Peres, se encarregariam do resto.
Recife, 30 de junho de 1958. Logo pela manhã, uma verdadeira multidão ocupava as ruas e avenidas anunciadas como roteiro: Avenida Boa Viagem, Herculano Bandeira, Saturnino de Brito, Imperial, Concórdia, Guararapes, Conde da Boa Vista, até chegar no Clube Português.
No Aeroporto dos Guararapes, ponto de partida do desfile, uma aglomeração nunca vista. Gente "saindo pelo ladrão". E lá estava Rubem Moreira. Ao seu lado, o coronel Alberto Peres, Napoleão Gonçalves e Núbio Flores. A responsabilidade era grande. Os acompanhantes tensos, inclusive o coronel Peres.
"Rubão", tranquilo. Fez então as últimas observações, quando já taxiava na pista o moderno bimotor da Varig.
-- Napoleão fica encarregado de orientar o policiamento e Núbio vai conter a multidão até eu e Peres subirmos. Daí permitir que invada a pista e cerque o avião. Isso é muito importante -- salientou.
Tudo dentro do combinado. A aeronave parou, Rubem Moreira e o coronel Peres subiram e a multidão invadiu a pista, juntamente com uma viatura do Corpo de Bombeiros.
No interior da aeronave, foi recebido pelo chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho. Cumprimentou-o pela conquista e em seguida, ordenou de forma autoritária:
-- Paulo, prepare o pessoal para desfilar pela Cidade e almoçar aqui.
-- O quê?! De jeito nenhum! -- respondeu o dirigente paulista cujo prestígio estava em alta na CBF, acrescentando, em tom jocoso.
-- Logo aqui? Quando nós passamos na ida, não tinha uma alma sequer nos esperando.
Foi quando sentiu o primeiro golpe. Já em tom mais alto, Rubem Moreira expos sua forma "diplomática" de dialogar:
-- Não tinha ninguém porque esses filhos das putas não tinham ganho porra nenhuma! Agora são campeões do mundo! Dá pra você entender?!
Foi quando o representante da CBF apelou, em tom ameno.
-- Rubem, o presidente Juscelino (Kubitschek) está esperando esse pessoal, junto com Havelange (João) para almoçar.
-- Sem problemas. Em vez de almoçar, eles jantam. Fique sabendo que eles mandam no Brasil e na CBF. Aqui quem manda sou eu!
Paulo Machado então foi falar com os jogadores. Passou alguns minutos e voltou com Beline. O zagueiro então explicou que o pessoal estava cansado, porém foi interrompido.
Rubem Moreira pegou-o pelo braço e o levou para porta do avião que estava cercado pela multidão. Então falou:
-- Olhe aqui, meu "capitão", se vocês não desfilarem, está aí o coronel Peres que não me deixa mentir. A Aeronáutica só garante o avião e a tripulação. O resto é com vocês.
Um "santo remédio". O desfile foi realizado. Juscelino e Havelange tiveram de se contentar com o jantar


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