Toco, Travo e Canela


LENIVALDO ARAGÃO

  
O salvo-conduto do atacante boêmio


Ao me deparar com um jogador chamado Mocorongo, na equipe da Desportiva Paraense, que participa da 51ª Copa São Paulo, recordo-me de Mossorongo, célebre personagem do futebol de Caruaru de antigamente.

Centroavante, entre as décadas de 40 e 50, ele brilhou no Comércio Futebol Clube. Goleador, era especialista em bater pênaltis. Num torneio-início deixou o campo consagrado, depois que converteu 20. Naquele tempo não havia revezamento. Quem começava batendo por um time, terminava a série.



Entre suas vítimas estava o célebre goleiro Afonsinho, do Central, mais tarde um venerado professor. Naquele torneio em que Mossorongo saiu como o ‘rei dos pênaltis’, Comércio e Central realizaram a final, e como deu empate no jogo e na prorrogação, foram para os tiros livres da marca penal. Mossorongo saiu decampo nos braços dos torcedores do Comércio. E no campeonato propriamente dito do mesmo ano, 1950, ele ajudou o Comércio a sagrar-se bicampeão caruaruense.

No primeiro título do Bi, o presidente do Comércio era o jornalista Luiz Torres, então gerente da Rádio Difusora de Caruaru (hoje Rádio Jornal). Na segunda conquista, o alvirrubro da Capital do Agreste tinha no comando um dos seus fundadores, Antônio de Oliveira Chaves, juiz de Direito adjunto. Também ajudara a fundar a Liga Desportiva Caruaruense. Para completar exercia a função de chefe político.

Amigo de Mossorongo, deu-lhe um cartão, que era uma espécie de salvo-conduto, com dizeres mais ou menos assim: “Trata-se de meu amigo Mossorongo. Espero que ele seja bem tratado”.

Como todo jogador de futebol da sua época, Mossorongo tinha seu lado boêmio. Nas incursões noturnas pela antiga Rua Dez, a zona caruaruense, vez por outra saía da linha, e o famoso comissário Mamede tentava enquadrá-lo. Só tentava, pois Mossorongo puxava o cartão e perguntava, ironicamente, referindo-se aos cinco sorteios do jogo do bicho:
– Sabe ler do primeiro ao quinto?

Mamede entendia o recado e simplesmente dava a conversa como encerrada.
De certa feita, depois de ter extrapolado em mais uma carraspana, o craque foi abordado por seu contumaz perseguidor. Como de praxe, botou a mão ao bolso, esperando, como sempre, levar o comissário ao ridículo.

Ficou desapontado ao descobrir que cometera um ato falho. Havia esquecido de trazer o documento salvador. E lá se foi Mossorongo para a cadeia. A notícia varou a zona, de ponta a ponta. Mascote, um tipo caruaruense, massagista do Comércio, correu à residência do juiz Antônio Chaves para acordá-lo, colocando-o a par da situação.

O juiz, cartola e chefe político sentiu-se atingido na sua autoridade. Trocou de roupa, foi até a cadeia e soltou todos os presos, inclusive Mossorongo, ao mesmo tempo em que destituía Mamede do cargo de comissário.

Gol de Mossorongo, que ainda teve tempo de voltar a desfilar pelo baixo meretrício caruaruense, mostrando, mais uma vez, que tinha prestígio junto à Justiça.



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