A maca de Dorgival
Caruaru, 1968. Os torcedores viviam a
expectativa da realização de mais um festejado torneio-início, promovido pela Liga
Desportiva Caruaruense, a famosa LDC. No tradicional evento todos os times que
disputariam o campeonato da cidade, exibiam-se numa tarde só, no então Estádio
Pedro Victor de Albuquerque, hoje Estádio Luiz José de Lacerda.
Eram partidas de apenas 20 minutos, de
caráter eliminatório. Quando não havia um vencedor, o que era comum por causa
da exiguidade de tempo, o vencedor saía na cobrança de pênaltis. Estava ali uma
das atrações do torneio-início, uma vez que havia cobradores famosos, como
Pelado, do Central, e Mossorongo, do Comércio, em tempos mais atrás.
A partida final tinha uma duração mais
longa, 40 minutos, com prorrogação de 20, e se fosse o caso, indo também para
as penalidades máximas se preciso fosse.
Naquele ano, o presidente da LDC, o prestigiado
advogado Dorgival Melo, corria para superar os problemas, entre os quais a
falta de uma maca para transportar algum jogador que se machucasse. Na véspera,
Dorgival teve uma surpresa desagradável ao descobrir que não existia nenhuma no
comércio caruaruense; só no Recife.
Resolveu partir para o improviso,
adaptando uma cama de lona. Um torneiro mecânico deixou o equipamento nos
trinques, inclusive com alcochoado. Mas era preciso pagar o trabalho do homem,
e a Liga não tinha um tostão. Dorgival botou a imaginação pra funcionar e
recorreu a João Preto, dono da Autopeças Repórter, garantindo colocar na maca o
nome da firma.
– E isso vai ser visto, doutor?
– Vai porque em torneio-início muito
jogador se machuca. Eles serão transportados na maca de um lado para outro, e o
estádio vai estar cheio
O candidato a patrocinador convenceu-se de que
valeria a pena investir naquele tipo de publicidade. Sua propaganda seria vista
por muita gente.
João Preto topou a parada e foi
convidado para assistir à festa, da Tribuna de Honra, junto a dirigentes e
autoridades. Ficou cheio de si, porquanto, estar ali ao lado dos daquela gente
graúda não era para todo o mundo. E ele estava tendo a devida honra.
Os dois maqueiros foram instruídos a,
no momento em que tivessem que entrar em campo para socorrer algum jogador,
abrirem a maca ostensivamente para o lado da Tribuna.
Acontece que as partidas sucediam-se e
nada de alguém se machucar. Ao lado de João Preto, Dorgival torcia pela
desgraça de algum daqueles atletas. O comerciante de vez em quando dirigia um
olhar interrogativo ao cartola.
Em dado momento, o impaciente
patrocinador, achando que havia jogado dinheiro fora, foi direto ao assunto:
– Como é, ninguém se machuca? Dorgival pediu calma e desceu às pressas. Ia
começar a final. Explicou seu drama aos dois times. Algum jogador precisava se
“machucar”. Finalmente, era a última chance. Foi atendido.
Mal o jogo começou, houve uma mistura
de aplausos, vaias e gargalhadas quando a maca foi aberta na corrida em busca
do jogador “contundido”. Todo o estádio viu a marca Autopeças Repórter, de uma
forma bem clara. Era uma coisa inédita. Nunca, jamais, em tempo algum aquele
pessoal tinha visto uma maca com um patrocinador.
No outro dia era só no que se falava
nas rodas esportivas, para a felicidade de João Pedro e tranquilidade de Dorgival.
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